Das várias coisas que podemos considerar admiráveis na Porsche, uma delas é sua capacidade de nos surpreender – mesmo em 2018, no auge da era da informação. Ninguém desconfiava que, durante a sexta edição de seu Rennsport Reunion, celebração aos Porsche de corrida corrida clássicos que acontece a cada 3 ou 4 anos no autódromo de Laguna Seca, a fabricante traria subitamente de volta à vida um de seus nomes mais importantes no automobilismo: o Porsche 935.
Bebendo a mais pura água da fonte do Porsche 935/78 “Moby Dick” – um quase-esporte-protótipo derivado do Porsche 911 Turbo dos anos 70 que tem, entre seus feitos, uma vitória nas 24 Horas de Le Mans de 1979 –, o novo 935 é um club racer feito com base no já monstruoso Porsche 911 GT2 RS.
Você pode conferir toda a história do Porsche 935 aqui, mas não custa refrescar a memória. O Porsche 935 foi apresentado em 1976, e foi a consolidação de extensas modificações feitas no Porsche 911 de acordo com o regulamento do Grupo 5 da FIA – que permitia quase todo tipo de apêndice aerodinâmico e modificações na carroceria dos carros, com um limite bastante generoso quanto às dimensões. Assim, o 935 tinha para-lamas alargados, traseira mais longa para aprimorar o escoamento aerodinâmico, bitolas ainda maiores para lidar com a maior aceleração lateral e uma grande… imensa asa traseira. Mas nesta primeira fase, ele ainda era perfeitamente reconhecível como um 911 quando visto de frente.
Ainda em 1976, o lendário engenheiro Norbert Singer percebeu uma brecha no regulamento que permitia modificações mais profundas nos para-lamas dianteiros. Foi desenvolvida, então, uma dianteira mais baixa, longa e aerodinâmica, que reposicionava os faróis do carro para o para-choque dianteiro. Aliada a uma traseira ainda mais longa – na verdade, uma cobertura de fibra de carbono instalada sobre a traseira original –, o resultado foi uma queda substancial no arrasto aerodinâmico. Isso foi essencial para se obter maior eficácia energética (menos reabastecimentos) e maior velocidade nas retas longas – como a famosa Hunaudières no circuito de La Sarthe. Some a isto um flat-six turbo de 3,2 litros com um sistema de arrefecimento líquido para os cabeçotes (o bloco continuava arrefecido a ar) e rendendo 720 cv, e o que você tem é um carro de corrida imbatível.
O chamado flachbau (em alemão), flatnose (em inglês) ou “nariz chato” acabou também ganhando as ruas, pois havia quem apreciasse o novo visual conferido por ele. Oficialmente foram produzidas apenas duas unidades de rua, que detalhamos nesta matéria e nesta outra aqui. Mas inúmeros carros-tributo ao 935 original foram feitos por entusiastas – até mostramos um deles recentemente, feito com base em um Porsche 911 da geração 997 e decorado com a pintura da Rothmans.
Agora chegou a vez de a própria Porsche fazer um tributo a si mesma. E quando a Porsche vem pra esse tipo de jogo, é sempre com os dois pés na cara.
O conceito é 100% fiel ao 935 original da década de 1970, no sentido de que é um Porsche 911 com a carroceria modificada. O carro usado como base não poderia ser outro que não o 911 GT2 RS – nada menos que a variação mais potente e veloz do nine-eleven. Não foram realizadas alterações no motor, que continua sendo um flat-six biturbo de 3.800 cm³ (curso x diâmetro de 77,5 mm x 102 mm) com obscenos 700 cv a 6.700 rpm e 76,5 mkgf de torque entre 2.500 e 4.500 rpm. Para não dizer que nada mudou, a Porsche instalou um novo sistema de escape com saídas centralizadas e ponteiras claramente retrô.
A transmissão é a mais que consagrada PDK de dupla embreagem e sete marchas (lembrando que não há GT2 RS manual), com sistema de arrefecimento ativo para o fluido e diferencial de deslizamento limitado redimensionado para uso em competição. Na prática, a maior parte do conjunto mecânico é idêntico ao do Porsche 911 GT2 RS – seu tempo de 6:47,3 em Nürburgring nos dá a certeza de que isso não foi exatamente má ideia!
Se o powertrain é quase OEM, o mesmo não vale para, bem, quase todas as outras coisas. Para começar, a grande maioria dos painéis de carroceria foi substituída por componentes de fibra de carbono e Kevlar inspirados pelo Porsche 935/78 – e, por mais que aquele Porsche 997 que já mencionamos tenha ficado bem interessante, quando a mão de obra é da própria fabricante, o nível é outro. Simples assim.
A nova carroceria aumentou todas as dimensões físicas do Porsche 911 GT2 RS. Originalmente eram 4.549 mm de comprimento, 1.978 mm de largura, 1.297 mm de altura e 2.453 mm de entre-eixos. No 935 são 4.865 mm de comprimento, 2.034 mm de largura, 1.359 mm de altura (por conta da asa) e 2.457 mm de entre-eixos. Por outro lado houve uma redução considerável no peso, de 1.545 kg para 1.380 kg. Isto se traduz em uma relação peso/potência de 1,97 kg/cv –no GT2 RS são 2,2 kg/cv.
Além da carroceria no geral, os detalhes do novo Porsche 935 ecoam outros carros de competição da fabricante: luzes de LED iguais às do Porsche 919 Hybrid, espelhos retrovisores inspirados pelo Porsche 911 RSR (vencedor das 24 Horas de Le Mans de 2018 na categoria GTE) e as já citadas saídas de escape que remetem às utilizadas no Porsche 908 de 1968. O resultado é um ronco ainda mais selvagem que no 911 GT2 RS “normal”.
Apesar da beleza, os novos elementos aerodinâmicos são totalmente funcionais (sendo feito pela própria Porsche, não poderia ser diferente). Isto inclui as entradas de ar maiores na dianteira, que abrigam os faróis; as saídas de ar no topo dos para-lamas para escoamento de fluxo de ar nas caixas de roda (reduzindo o arrasto e a sustentação aerodinâmica); os retrovisores e, claro a nova traseira, que cumpre a mesma função que tinha no 935 original, de mitigar a quebra de camada-limite de ar e minimizar ao máximo o arrasto (leia esta nossa matéria sobre aerodinâmica para compreender!). A asa traseira, com 1.990 mm de largura e 400 mm de profundidade, ajuda no equilíbrio aerodinâmico.
O equilíbrio entre forma e função também vale para as rodas de cubo rápido, inspiradas pelas clássicas Turbofan usadas pelo Porsche 935: elas são forjadas e projetadas especificamente para melhorar o fluxo de ar para os freios e nas laterais do carro (leia mais a respeito aqui). São 18 x 11,5 polegadas na dianteira e 18 x 13 (!) polegadas na traseira. Os freios usam discos de aço na dianteira e na traseira, ventilados, com 380 mm de diâmetro na dianteira e 355 mm na traseira, com pinças de seis pistões e quatro pistões, respectivamente. Curiosamente a Porsche não empregou discos de carbono-cerâmica. Por outro lado, a fabricante ainda deu ao novo 935 uma célula de combustível de 115 litros com válvula cut-off e bocal de competição opcional, saída de emergência no teto, um único banco Recaro de competição, cintos de segurança de seis pontos, gaiola de proteção integral, extintor de incêndio e air jack – tudo de acordo com as normas de segurança da FIA. Falando nela, o carro não exatamente segue o regulamento de nenhuma categoria (justamente por isso é que a Porsche pôde usar e abusar da liberdade para recriar as formas do 935), então seu uso como carro de track day é o destino mais certo.
Além disso, o interior do carro tem revestimento em Alcantara, cluster de instrumentos Cosworth ICD com data logger integrado, cronômetro e manômetro de pressão dos turbos Sport Chrono e volante multifuncional CFK com limitador de velocidade para os boxes e sistema de saque rápido. Os controles eletrônicos de tração e estabilidade podem ser desligados totalmente, assim como o ABS. É um carro de corrida, afinal.
Serão feitos apenas 77 exemplares do Porsche 935, todos eles pintados de cinza Agate (que é quase branco, convenhamos). O primeiro carro recebeu as cores da Martini Racing, e a livery será oferecida como opcional. O preço? Exatamente € 701.948, o que dá R$ 3.282.919 em conversão direta.