Em agosto de 1978, um ciclista francês chamado Jean Claude Rude decidiu que se tornaria o ciclista mais rápido do mundo no chamado motor-paced record, que leva em conta a velocidade alcançada pelo ciclista pedalando atrás de um veículo motorizado.
A ideia é que o veículo à frente forme um “cone de ar” — uma área com menos arrasto aerodinâmico logo atrás de si, para que o ciclista enfrente menos resistência do ar e, consequentemente, consiga pedalar mais rápido.
Até então, no trecho fechado de uma Autobahn alemã, o também francês José Meiffret atingiu os 204,7 km/h pedalando atrás de um Mercedes-Benz 300SL em 1962 — era esta a velocidade a ser superada por Rude. Para tal, ele estabeleceu a meta de 240 km/h — e ele sabia exatamente quem procurar para fornecer-lhe um veículo capaz de alcançar tal número: Henri Pescarolo.
Quem procurou o piloto, na verdade, foi o chefe da equipe de Rude. Na época, Pescarolo era um dos mais famosos pilotos da França, e o grande nome de Le Mans. O piloto inicialmente ficou hesitante, mas acabou convencido a participar do projeto. Como ele era piloto da Martini Racing Porsche, o carro usado acabou sendo o Porsche 935, que competia no Grupo 5 da FIA e havia acabado de vencer sua classe em Le Mans.
O Porsche 935 começou a correr em 1976 e, seguindo as regras do Grupo 5, era um 911 com diversas modificações — o regulamento permitia bitolas e para-lamas mais largos, asas maiores e, no caso dos Porsche, até mesmo a adoção de arrefecimento líquido, que veio em 1978 com o 935 “Moby Dick” (famoso por seu nariz chato).
O motor do 935 era um boxer de seis cilindros e 2,85 litros que, turbinado, desenvolvia 800 cv. Como os motores com indução forçada tinham seu deslocamento multiplicado por 1,4, o 935 se encaixou na categoria acima de 4 litros, que tinha um peso mínimo de 970 kg.
Para a missão, o Porsche foi adaptado com um defletor trapezoidal, instalado sobre sua traseira e que servia para desviar o ar do ciclista, permitindo assim que ele atingisse velocidades mais altas. Como era um carro de 800 cv, o defletor acabou não afetando a velocidade do Porsche para o teste — ele ainda conseguiria chegar além dos 240 km/h. Além do defletor, o Porsche também tinha um rolete ao longo de sua traseira, permitindo que a roda dianteira da bicicleta encostasse no carro para ficar realmente “encaixado” no fluxo aerodinâmico do carro.
A trajetória do Porsche 935 precisava ser a mais estável possível e Jean Claude precisava ficar dentro do vácuo, e Rude precisava ficar colado ao carro para não ser atingido pelo ar em alta velocidade à sua frente e dos lados, ou a força do impacto o derrubaria. Também era preciso se preocupar com o turbo lag considerável produzido pelo motor do 935 — além de dificultar uma aceleração suave, o lag gerava backfire. A solução encontrada foi reposicionar as saídas de escape para as laterais do carro.
A bicicleta, claro, também foi modificada para o recorde. A coroa central tinha quase o mesmo diâmetro da roda dianteira, enquanto a coroa traseira não chegava a uma polegada de diâmetro. Com isso, a circunferência da volta do pedivela era de pouco mais de 110 cm e, com a relação utilizada, essa volta impulsionava a bicicleta por até 27 metros — ou seja: se Rude desse 60 “pedaladas” por minuto, seriam 1.620 metros por minuto, ou 97 km/h.
Por outro lado, se você já pedalou uma bicicleta de velocidade (uma “speed”) ou mesmo uma mountain bike em sua marcha mais alta, sabe que o negócio fica pesado de se pedalar. Por isso, a moto precisou ser empurrada por uma moto até chegar a uma velocidade que tornasse a pedalada possível.
O teste foi realizado na pista de teste da Volkswagen em Ehra-Lessien, próximo a Wolfsburg no dia 23 de agosto de 1978. Henri Pescarolo contou ao site da Porsche, recentemente, que as curvas no início e no fim da reta seriam um desafio de aceleração — especialmente por que o Porsche precisava acompanhar o ritmo do ciclista de forma sincronizada. Um toque mais pesado no acelerador afastaria o carro de Jean-Claude e ele seria levado pelo vento — e aqui é importante lembrar que o 935 é tem um turbo imenso à moda antiga, o que significa turbo lag e turbo threshold.
Às 10:30 da manhã, o teste começou. Depois de algum aquecimento, Jean-Claude, sua bicicleta, Henri Pescarolo e seu Porsche começaram a acelerar. ‘A força das pernas dele era algo incrível. Ele era profissional e sabia encontrar seu ritmo, mas para qualquer um seria um feito sobre-humano”, disse Pescarolo.
Rude mantém o ritmo e a 150 km/h ele sai da curva inclinada colado no rolete instalado no Porsche. É hora de aumentar o ritmo para chegar aos 240 km/h na reta de sete quilômetros da pista. Pescarolo aumenta a velocidade do Porsche sutilmente e então… Rude perde o controle da bicicleta. O pneu traseiro se solta do aro, enrosca entre a roda e o quadro, trava a roda e se desprende, voando pela pista. Rude consegue segurar a bicicleta, agora rodando somente sobre o aro traseiro e o pneu dianteiro, até desacelerar e acabar parando alguns metros à frente. Felizmente ele não se feriu, apesar do susto. Acabava ali a tentativa de recorde.
Pescarolo ficou aliviado ao ver que nada aconteceu ao ciclista, que tentaria um recorde no futuro, mas acabou nunca realizando o teste. Em 1980, Jean-Claude sofreu um acidente fatal ao pedalar paralelamente a um trem para testar os efeitos do deslocamento de ar sobre si próprio.
O recorde de velocidade acabou quebrado somente em 1995, quando o holandês Fred Rompelberg pedalou a 268,8 km/h na planície de sal de Bonneville.