A imagem acima não é uma montagem nem computação gráfica: ela foi extraída de um vídeo feito pelo site espanhol km77.com, que descobriu um certo problema com os freios/suspensão do Jeep Renegade vendido na Europa. Durante frenagens muito fortes, a dianteira do SUV mergulha tanto que sua traseira chega a sair do chão.
A história começou em 2015, quando Pablo González, editor do km77, fez um teste de frenagem com um Renegade 1.6 MultiJet de tração dianteira. Ele vinha a 135 km/h e simulou uma frenagem de emergência, mas em vez da distância de parada o que ele descobriu foi algum tipo de problema na distribuição de massa do carro e/ou programação do ABS. Veja o relato:
“A carroceria afundou na dianteira, nada demais, era o esperado. Mas ela continuou afundando e chegou a um ponto em que o céu desapareceu do horizonte. Tudo o que eu via era asfalto e mais asfalto movendo-se rapidamente diante dos meus olhos. Apesar disso, continuei segurando o freio com todas as minhas forças. Tive a sensação de que as rodas traseiras estavam no ar, mas estranhei ao não sentir nenhuma pancada quando elas voltaram ao chão. Parei o carro e fiquei pensando, desconcertado, se tinha sido apenas impressão”.
Não era impressão: González ligou sua câmera e repetiu o teste para gravar o que estava acontecendo. O resultado foi este vídeo acima. A traseira levanta e segue levantada por alguns metros, até retomar o contato com o solo suavemente. O jornalista espanhol reportou o problema ao Grupo Fiat España, e um dos assessores disse que se tratava de um modelo de pré-produção que sofreu uma pancada que danificou as linhas de freio e, por causa disso, a distribuição da frenagem não estava correta. A fabricante consertou o carro substituindo as linhas e a central do ABS e retornou o carro a González para que ele repetisse o teste. O carro continuava mergulhando sob frenagens, mas já não levantava a traseira. Problema resolvido?
Parecia. Mas em 2016 González voltou a testar um Renegade, desta vez um 2.0 MultiJet com tração nas quatro rodas, e ao fazer seu teste de frenagem de emergência, o problema se repetiu: a dianteira afundou e as rodas traseiras saíram do chão. Desta vez o teste foi feito a 100 km/h repetidas vezes, e a traseira do carro levantou nas duas primeiras freadas. A partir da terceira tentativa González contou que a força de frenagem foi ligeiramente reduzida, mas dali em diante a traseira permaneceu no chão. No dia seguinte ele voltou a repetir os testes, porém a 140 km/h. A dianteira afundava, mas a traseira, apesar de muito leve, continuava no chão. Ao entrar em contato com a Fiat da Espanha, o diagnóstico foi o mesmo: problema na central do ABS.
González descobriu ainda que o primeiro Renegade testado não era realmente um modelo de pré-produção. Ao pesquisar os registros do SUV, ele localizou o atual proprietário e descobriu que o modelo da frota de imprensa acabou vendido em uma concessionária de Valência como “carro de diretoria da Jeep”. O comprador relatou que certa vez ficou sem fluido de freios e que o carro puxa para os lados sob frenagens mais fortes.
Aqui é importante lembrar que o Renegade vendido na Europa é produzido na Itália, na fábrica de Melfi, por isso é provável que este problema esteja relacionado a apenas algumas unidades produzidas naquela unidade. Em nossa avaliação do Renegade brasileiro, produzido em Pernambuco, não percebemos nenhum comportamento anormal dos freios embora o carro tenha sido avaliado em uma viagem organizada pela fabricante. Aparentemente nenhuma outra publicação nacional relatou problema semelhante, e mesmo a revista Quatro Rodas, que avaliou o modelo italiano na Europa, disse que o Renegade tem “pouca tendência para mergulhar em frenagens bruscas”.
Buscando em fóruns e clubes e conversando com proprietários, encontramos apenas três relatos que criticavam o mergulho sob frenagens fortes, mas nenhum relatava o levantamento do eixo traseiro. O primeiro, proprietário de um Renegade a diesel, diz que o modelo mergulha ao frear e suspeita que isso tenha a ver com a distribuição de peso do SUV. Outro relato, do proprietário de um Renegade Flex, diz que “ao acionar os freios numa frenagem brusca, a carroceria mergulha, transferindo o peso excessivamente para a dianteira”. O terceiro proprietário, que usa o modelo em incursões off-road, diz ter instalado um anel de poliuretano nas molas dianteiras para reduzir o afundamento sob frenagens fortes.
Já o blog Truck Yeah, integrado ao Jalopnik US, encontrou também um teste italiano em que o Renegade apresenta o mesmo comportamento: a dianteira afunda e a traseira levanta. Ela chega a sair do chão por um instante, mas logo retoma o contato, embora continue elevada. Avance o vídeo para os 9:40:
Apesar de a Fiat da Espanha ter mencionado um problema com a distribuição da força de frenagem do modelo, o que fica claro pelo travamento da roda traseira quando elevada, aparentemente o problema parece ter relação com a geometria da suspensão, a carga da suspensão e, claro, a distribuição de peso.
Repare o salto da traseira
Em nossa avaliação notamos que o Renegade tem um peso relativamente elevado para um carro de seu porte: são mais de 1.600 kg na versão diesel, dos quais 58,9% ficam sobre o eixo dianteiro e 41,1% sobre o eixo traseiro. Além disso, para torná-lo competente fora do asfalto, a suspensão tem curso longo, porém precisa combinar essa capacidade com o conforto de rodagem, o que pode ser a causa do afundamento excessivo da dianteira relatado por alguns proprietários.
Somando estas características da suspensão ao entre-eixos relativamente curto para seu peso (2,61 m), à sua geometria e a um eventual problema na programação do sistema de EBD, é bem provável que a origem do problema esteja aí.
Para impedir o levantamento da traseira sem mudanças estruturais, uma reprogramação no EBD para distribuir um pouco mais de força de frenagem para a traseira poderia ser uma das soluções. Talvez tenha sido essa a modificação feita pela FCA após o primeiro teste do espanhol, e por esse motivo o segundo modelo avaliado por González (e o modelo do vídeo italiano) não levantou as rodas traseiras, apesar de estender significativamente a suspensão traseira.
Procurada pelo FlatOut, a FCA nos informou que a matriz da empresa está “investigando as circunstâncias relacionadas a estas demonstrações”. O Renegade nacional tem suspensão com acerto específico para o Brasil (o que não necessariamente eliminaria tal fenômeno), e a fabricante disse que não há relatos sobre este problema no Brasil.