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Mercado e Indústria

O que move a inovação?

Desde a abertura das importações, em 1990, os carros brasileiros vêm ganhando mais conteúdo e tecnologia. Não apenas por conta da competição proporcionada pelos importados, mas também por questões legais e pelo que o consumidor mais valoriza ou menos se preocupa em relação ao automóvel. Mas qual destes fatores pesa mais? É a lei? É a competitividade? É o consumidor? Qual é o papel de cada um deles na necessidade de inovação que a indústria automotiva tem?

 

Legislação e preferência do consumidor

De acordo com Gábor Deák, conselheiro de administração da SAE Brasil, existem duas frentes de inovação: a que o cliente deseja e paga, e a que ele evita ou até se recusa a pagar. “A novidades nos lugares para os quais o mercado não liga acontecem só por força de regulamentação. Ou o governo estabelece algo ou nada acontece. Por isso a gente enche o saco do governo. Se o usuário puder não fazer nada, ele não faz”, diz Deák.

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Nota máxima nos crash-tests? Somente com airbag

Exemplo disso são a imposição de airbag e ABS nos carros fabricados a partir de 2014, assim como as metas de segurança e eficiência energética do Inovar Auto. Exigências, diga-se, que não são movidas apenas por uma preocupação com o bem estar da população, mas também, e principalmente, com a competitividade da indústria automotiva brasileira em relação ao resto do mundo. ABS e airbags são como volante e bancos em países desenvolvidos. Não são obrigatórios, mas ninguém concebe um carro sem eles. Já o brasileiro nunca priorizou nenhuma destas variáveis, lembra o conselheiro da SAE. “É só lembrar que a Renault começou no Brasil vendendo todos os seus carros com airbag e desistiu da estratégia pouco tempo depois.”

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Sistema de injeção direta da Bosch

A divisão que Deák estabelece é a mesma divisão que faz Fábio Ferreira, gerente de engenharia da divisão Sistemas a Gasolina da Bosch, uma das empresas que mais contribuem com a inovação tecnológica automotiva. O primeiro ABS do mundo foi fornecido pela empresa alemã. A injeção eletrônica, no formato hoje mundialmente adotado, também é obra da Bosch. Os sistemas de injeção direta, que começam a aparecer em motores fabricados no Brasil, como no VW up! TSI, são anteriores à eletrônica. E o primeiro sistema de injeção direta de combustível também é da Bosch — ele data de 1952, no Goliath GP700. Em 1955 o mesmo sistema apareceu no Mercedes-Benz 300SL, o primeiro esportivo com injeção direta de combustível, mas não o primeiro carro de produção em série a utilizá-lo (leia mais neste post).

“São dois os aspectos que impulsionam a inovação nos automóveis: demandas dos consumidores (por exemplo, por conforto, economia, praticidade e performance) e legislação, que movimenta muito a inovação ‘não visível ou menos visivel’ ao consumidor, como exigência de emissão de poluentes, ruído, segurança e redução de CO2, entre outros”, diz Ferreira.

 

E a competição?

Faz todo o sentido. São as pontas que botam dinheiro na história (os clientes) ou que obrigam a botar mais dinheiro (o governo) que atuam mais diretamente sobre a necessidade de inovação. Mas e quanto à competição? Ferrreira se limitou a dizer que ela é intensa, mas não desenvolveu o papel dela entre os principais fatores de desenvolvimento de tecnologia. Quem esclareceu melhor a questão foi um colega de Ferreira, Jochen Walther, gerente de Inovação de Sistemas da Bosch Alemanha. “Como consequência da competição é que se estabelecem majoritariamente no mercado tecnologias que operam as duas demandas e que consigam ter os custos em nível competitivo.”

Trocando em miúdos, o papel da concorrência seria ser o fiel da balança sobre o que deve pesar mais: a preferência do consumidor por esta ou aquela tecnologia ou o atendimento às demandas legais.

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Sistema de injeção direta da Delphi

Um exemplo disso seria um carro com injeção direta de combustível, turbo, comando de válvulas variável e outras tecnologias que permitissem a sua fabricante ter, como o Inovar-Auto estabelece, um abatimento de até dois pontos percentuais no IPI. Com isso, ele teria uma vantagem competitiva importante em relação a um modelo com menos tecnologia de motorização, mas com central multimídia de última geração. Isso se ambos tiverem preços parelhos. Os modelos mais baratos, em mercados emergentes, costumam ter a preferência do consumidor, algo que Walther confirma. “O aspecto custo desempenha um papel mais importante nos mercados em desenvolvimento. A penetração das tecnologias acontece pela melhor relação custo/benefício, mas também pelas exigências dos clientes, normalmente menores nestes mercados em relação aos mais maduros.”

Um carro um pouco mais caro em mercados mais maduros pode vender muito mais do que o mais barato se tiver alguma coisa que o cliente deseja ter, como um porta-malas que se abre com movimento dos pés, um sistema de estacionamento autônomo ou coisa parecida. O Brasil começa a ver isso em coisas triviais, como vidros, travas e outros equipamentos. É o que explica tantos carros de entrada já virem bem recheados de fábrica, a não ser os vendidos para frotistas.

 

A mão pesada do Estado

Se os governos podem ter um papel de fomentadores de inovação, eles também podem agir na outra ponta, evitando que ela aconteça. Caso, por exemplo, da restrição a veículos de passeio com motores diesel (veja mais neste post). Mas não se restringindo a isso. “O governo tem de fomentar inovação por meio de programas de suporte no financiamento de longo prazo, uma vez que o financiamento pode ser uma barreira para muitas empresas. Outros aspectos são os entraves que coloca quando não estabelece corretamente questões técnicas ou dificulta a relação de universidades com centros de pesquisas das indústrias”, diz Ferreira.

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BMW M550d, uma perua esportiva… a diesel! Foto: BMWBlog

Mário Angelo Massagardi, vice-presidente da Aprove Diesel (Aliança Pró-Veículos Diesel) e diretor da divisão de sistemas diesel da Bosch Brasil, aponta que isso tira competitividade da indústria. “O carro diesel, por exemplo, teria um impacto muito pequeno no consumo de óleo diesel no Brasil diante do benefício que poderia oferecer. Primeiro, porque ele teria um custo alto de compra, no Brasil, o que o deixaria restrito a clientes que rodam muito, como taxistas e locadoras, para o custo de compra compensar. Segundo, porque o consumo de carros diesel modernos faz com que eles emitam muito menos poluentes do que outros modelos. Terceiro, porque a produção de motores diesel no Brasil ampliaria os mercados de exportação e daria à engenharia brasileira a chance de participar do desenvolvimento, em vez de apenas assistir.”

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Faróis a laser da Audi

Soluções caseiras, como usar etanol em motores de ciclo diesel, imporia adaptações que criariam, como se convencionou chamar na engenharia, as nossas “jabuticabas”, ou coisas que só existem no Brasil. E que, consequentemente, não são interessantes para outros países. Países com mercados comercialmente isolados, protecionistas, ou sem legislações ficariam, segundo Walther, dependentes de dois fatores: as expectativas finais do cliente em relação ao conforto e ao prazer ao dirigir e de aspectos que trouxessem um custo total de uso mais baixo. “Com isso, as tecnologias puras para melhoria de emissões de gases de efeito estufa e poluentes ficariam em segundo plano. Pressupõe-se que poucas inovações surgiriam, se não houvesse particularidades muito grandes do mercado. Na área da engenharia automotiva, a inovação segue tendências mundiais. Os fabricantes se baseiam fortemente em plataformas mundiais de carroçaria e motores e, por questões de pressão de custos, precisam implementá-las em âmbito mundial.”

 

Aldeia global

A inovação, hoje, não mira um mercado em específico. Por conta da escala da indústria automotiva, na casa das milhões de unidades, o foco é o mundo. Depender apenas de um mercado pode inviabilizar pesquisas, investimentos ou até mesmo a produção de um carro novo, cujo custo de desenvolvimento não se pagaria. Foi por isso que Sergio Marchionne, da FCA, já quis propor uma fusão com a GM. Segundo ele, só sobreviverão os fabricantes capazes de atingir uma produção mundial de pelo menos 6 milhões de unidades. É neste universo que as empresas precisam não apenas inovar, mas investir sabiamente. Não se sabe quanto tempo determinadas inovações resistirão no mercado. Lembra do CD? Pois é.

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O pneu sem ar, uma contradição em termos, da Michelin, chamado de Tweel

Uma boa pista sobre isso foi o levantamento que a empresa Thomson Reuters divulgou recentemente. Chamado de Thomson Reuters Derwent World Patents Index, o estudo, realizado nos escritórios de patente do mundo todo de 2009 a 2013, mostrou que o número de patentes com aplicação automotiva praticamente dobrou entre os dois extremos: foi de menos de 18 mil só em 2009 para mais de 40 mil patentes só em 2013. Já imaginou se esse esforço todo fosse para atender apenas um ou outro mercado por aí?

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Lanterna de OLED da BMW

As áreas que mais patentes registram ao longo deste intervalo de tempo são as de sistemas de propulsão (36.029 registros), navegação (23.212), dirigibilidade (21.546), segurança (10.853) e entretenimento (5.649), o que mostra que o foco, hoje, está em economia de combustível e mais eficiência energética. Não só porque a gasolina andou cara por um bom tempo, mas também porque os governos exigiram melhorias.

A empresa que mais patentes registrou no período foi a Toyota, com 6.308 registros. A segunda foi a Bosch, com 4.889 registros. Das dez maiores empresas em patentes automotivas, apenas seis são fabricantes de automóveis. As outras 4 são fornecedores, o que mostra bem o papel deles no processo de inovação.

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Para Cláudio Castro, diretor executivo de pesquisa e desenvolvimento da empresa que inventou o sistema MultiAir, a Schaeffler, o processo de inovação tem de começar muito antes de ela se fazer necessária. “Reagir aos problemas de dentro ou de fora da empresa não é mais suficiente. Os ciclos rápidos de inovação exigem que se antecipe futuras exigências.”

Para isso, a empresa conta com pesquisadores que se norteiam por estratégias de longo prazo, num permanente esforço de futurologia, ainda que com método. “A Schaeffler investiu em análises de tendência em parceria com o famoso Fraunfofer Institute. Resumimos as tendências mais importantes e as dividimos em fatores de biosfera, sociais, econômicos e técnicos. Além de descrever as megatendências e as subtendências, seus motivadores e seus efeitos são aspectos importantes dessa análise. Elas são divididas e repassadas a áreas de negócios, para a criação de produtos. Conhecer as necessidades tanto dos fabricantes quanto dos clientes é prerequisito para agir de modo proativo”, diz Castro.

 

Sua majestade, o cliente

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A frente de inovação exigida diretamente pelo consumidor é a mais necessária. Isso porque ela é um componente determinante em fazer um veículo ser mais desejado que seus concorrentes, além de bom preço, estilo atraente e robustez mecânica. “Tudo que é estético, funcional, confortável ou conveniente para o usuário precisa ser seguido. Alguém traz e o pessoal copia. Existe um efeito manada que precisa de atenção”, diz Deák. E a inovação ajuda em mais um detalhe: trazer tudo a um preço que o consumidor aceite pagar. “O consumidor exige combinação de permanente melhoria nas funções dos carros com um custo apropriado, ou seja, com boa relação custo-benefício. A indústria identifica demandas não exatamente claras do mercado e propõe soluções como um diferencial antes mesmo da exigência”, diz Ferreira.

Para Jochen Walther, não há um fator preponderante para a criação de inovações. Ela depende, fundamentalmente, do ambiente que cada país oferece. “A motivação é direcionada pela forma de conjunção de todos os aspectos”, diz o engenheiro da Bosch Alemanha. Sob o nosso ponto de vista, ainda que moldada por demandas legais e regulatórias e estimulada  por um monte de empresas em competição, uma inovação só pode ser considerada bem-sucedida se ela chega às garagens dos clientes. O que, em última análise, mostra que toda inovação visa atender às necessidades do comprador, quer ele próprio as conheça ou não. Como dizia Alfred Sloan, presidente da GM nos tempos em que a empresa se tornou a maior do mundo, “nosso negócio não é fabricar carros; é ganhar dinheiro fazendo isso”. E só ganha dinheiro quem deixa o cliente satisfeito. Importante é que ele saiba o poder que tem, conhecimento que, no Brasil, ainda anda em falta.