Se você está lendo o FlatOut, é bem provável que já tenha se lamentado alguma vez pelo futuro sombrio dos esportivos à moda antiga, reclamado da profusão de carros elétricos e híbridos e comparado carros novos a eletrodomésticos. De vez em quando a gente também gosta de reclamar dos novos tempos, mas sabemos que a transformação é inevitável.
Mas também sabemos que ela não está tão próxima assim. Por exemplo: só agora o Tesla Model S, o carro elétrico mais vendido do planeta (e um dos automóveis mais rápidos em aceleração) vai ser transformado em um carro de corrida. E isto é um passo importantíssimo para seu futuro.
O Electric GT Championship foi anunciado em setembro do ano passado como “o primeiro campeonato GT 100% livre de emissões”, uma citação questionável como quase todo marketing de carros elétricos, que nunca considera o impacto ambiental envolvido indiretamente como produção e descarte de baterias, de pneus e transporte dos carros de corridas e toda a logística do campeonato.
Por outro lado isto é, a nosso ver, o argumento usado para convencer as massas (leia os não-entusiastas) de que se trata de uma categoria bacana e válida. Nós conseguimos enxergar outros motivos.
O Tesla Model S já está entre nós desde 2012, estando prestes a completar cinco anos de existência, e nesse tempo ele já mostrou que é uma máquina impressionante. Primeiro com um motor elétrico potência equivalente a 420 cv na traseira e a capacidade de acelerar até os 100 km/h em menos de 5 segundos. Depois, em 2014, vieram as versões de tração integral, com um motor elétrico em cada eixo, sem ligação mecânica entre ambos. Na versão que até pouco tempo atrás era a mais forte, a P85D, são 700 cv somando os dois motores e, no modo Ludicrous, capacidade de chegar aos 100 km/h em 3 segundos cravados.
Com a reestilização promovida recentemente, o Model S agora é oferecido na versão P100D, com dois motores e uma potência combinada de nada menos que 772 cv (568 kW) nas quatro rodas, além de 94,9 mkgf de torque disponíveis ao primeiro toque no acelerador. Com isto, o sedã agora é um dos carros mais rápidos do mundo em aceleração: insanos 2,5 segundos para chegar aos 100 km/h. É desempenho comparável a hipercarros como a Ferrari LaFerrari. Fica mais impressionante ainda quando você lembra que estamos falando de um sedã de luxo que, por causa de suas baterias, pesa 2,3 toneladas.
E é exatamente por isto que ser transformado em um carro de corrida pode mudar radicalmente a trajetória do Model S enquanto esportivo. E você já vai entender o motivo.
A Electric GT revelou o Tesla Model S P100D EGT oficialmente há poucos dias, e diz que não mediu esforços para torná-lo um carro mais desenvolto na pista. O aumento de potência para 795 cv; e de torque para 101 mkgf, abaixou o tempo de zero a 100 km/h para apenas 2,3 segundos. E é só o começo.
Fora a pintura de corrida, o protótipo recebeu novos aparatos aerodinâmicos na dianteira e uma asa traseira. Suspensão (um arranjo totalmente independente com braços sobrepostos na dianteira e multilink na traseira além de bitolas mais largas) e freios também foram modificados para melhorar seu comportamento em pista. Mas talvez a modificação mais importante tenha sido a dieta para reduzir peso, que consistiu na remoção quase completa do acabamento interno – dos itens do carro de rua, sobraram basicamente as duas telas sensíveis à toque, que funcionam como painel de instrumentos e console central. A Electric GT não dá muitos detalhes, mas diz que conseguiu deixar o carro 500 kg mais leve em sua versão de competição – ou seja, agora ele deve pesar cerca de 1.800 kg, e não 2.300 kg. É uma redução significativa (afinal é meia-tonelada a menos), mas ainda é pesado demais para um carro de corridas.
O carro foi apresentado durante o Autosport International Show em Birmingham, no Reino Unido, pelo piloto Olivier Lombard, vencedor das 24 Horas de Le Mans de 2011 na categoria LMP2. Lombard, que testou o Tesla Model S P100D de corrida em pista, disse que o carro é “muito divertido” e o chamou de “o futuro das corridas de turismo”.
A gente não iria com tanta sede ao pote, mas é fato que é uma ideia importante para a Tesla. Ao transformar o Model S em um carro de competição, a companhia de Elon Musk poderá aproveitar a experiência para melhorar o carro de rua em termos de comportamento dinâmico e autonomia e, finalmente, entregar um pacote mais entusiasta em seu carro elétrico.
Dizemos isto porque, embora seja realmente impressionante o que o Model S pode fazer em linha reta – ser tão rápido quanto a Santíssima Trindade dos hipercarros ou mesmo comparável a caras como o Nissan GT-R ou o Bugatti Veyron é, sem dúvida, algo notável. No entanto, em termos de intensidade dinâmica, há um imenso vale.
O Model S é um carro bastante limitado dinamicamente: o sub-esterço é pronunciado demais, o alto peso compromete sua agilidade nas curvas e sua aceleração lateral nem de longe se compara a sua aceleração longitudinal.
Com a experiência adquirida nas pistas, a Tesla poderá aprender novas formas de reduzir o peso do carro (seu grande calcanhar de Aquiles), melhorar a comunicatividade entre o carro e o motorista e também aperfeiçoar a autonomia do carro e seu funcionamento em ritmo mais alucinado.
Peguemos como exemplo algumas voltas do Model S em Nürburgring Nordschleife: em 2014, o piloto Rob Holland levou um Model S para uma volta Bridge-to-Gantry no Inferno Verde (o percurso mais curto, que não inclui a reta principal quando ela é usada para entrada e saída de carros que vão fazer suas voltas pagas) e conseguiu cumpri-la em cerca de dez minutos — tempo consideravelmente alto. Em determinado momento, o carro entrou em modo de força reduzida por, presumivelmente, calor em excesso gerado pelas baterias.
Depois daquilo, outros foram até Nürburgring com um Model S. Abaixo, você pode conferir uma silenciosa volta em 8m50s, também Bridge-to-Gantry, e dá para notar que o carro lida melhor com o esforço necessário para contornar o Green Hell. Mas, ao mesmo tempo, continua bastante subesterçante, e fica ainda mais evidente a disparidade entre a capacidade de acelerar e a capacidade de fazer curvas.
Para nós o maior empecilho para se admitir o elétrico da Tesla como um carro entusiasta não é o fato de ele não ter um motor a combustão (e muito menos um ronco bacana), e sim seu comportamento dinâmico limitado. É isto, na verdade, que o coloca muito abaixo de rivais como o Porsche Panamera ou o BMW M5, por exemplo, em performance geral. É esperar para ver.