É difícil achar um entusiasta que não goste de rali. Claro, a Fórmula 1 já teve dias incríveis, as corridas de turismo são quase sempre ótimas (especialmente com carros clássicos) e há vários outros tipos de competições automobilísticas que têm milhares de adeptos. Mas o rali é especial, e temos certeza de qualquer um aqui daria quase qualquer coisa para ter um carro de rali na garagem.
E, já que é para ter um carro de rali, que seja um verdadeiro ícone. Como este Ford RS200 1986 que será leiloado no próximo dia 10 de dezembro em Nova York, durante o evento Driven by Disruption — o mesmo no qual o Porsche 356 da “Rainha do Rock, do Soul e do Blues” Janis Joplin, passará sob o martelo.
Nós contamos toda a história do RS200, em detalhes, neste post: o carro começou a ser desenvolvido em 1983 para o Grupo B, a então nova categoria do WRC que permitia protótipos especiais nas pistas. As regras eram meio frouxas e as possibilidades, inúmeras — desde que a fabricante fizesse 200 exemplares adaptados para rodar nas ruas e seguissem algumas restrições de peso e potência.
No mais, tudo era permitido: motor dianteiro, central ou traseiro; turbo ou compressor mecânico (ou os dois, como no Lancia Delta S4); tração traseira ou integral. É por isso que tanta gente diz sentir falta do Grupo B de Rali — incluindo alguns que nem tinham nascido quando a categoria foi extinta, em 1986, por ser considerada perigosa demais.
Ironicamente, foi o próprio RS200 o carro que se envolveu na primeira grande tragédia de 1986: no Rali de Portugal, terceiro da temporada, Joaquim Santos perdeu o controle de seu RS200 em uma curva e seu carro foi atirado contra a multidão, matando três espectadores e ferindo outros 30. Poucos meses depois, na França, o piloto finlandês Henri Toivonen e seu navegador, Sergio Cresto, morreram depois de um acidente com seu Lancia Delta S4.
Sendo assim, o Ford RS200 não teve tempo de mostrar seu verdadeiro potencial, e ainda teve sua imagem manchada pelas tragédias de 1986. De qualquer forma, ele era um carro tão incrível por si só que, mesmo sem vitória nenhuma durante as temporadas em que competiu (1985 e 1986), acabou virando um clássico. E cada uma das 200 unidades de rua que foram fabricadas é uma verdadeira preciosidade.
O que nos traz ao carro que a RM Auctions leiloará em dezembro. Ele não é apenas um dos 200 carros que foram fabricados entre 1985 e 1986 — ele é, ao que tudo indica, o último a ser entregue a seu feliz proprietário pela Ford britânica.
Como todos os outros, ele tem um quatro-cilindros de 1,8 litro com duplo comando no cabeçote e turbocompressor. Desenvolvido pela Cosworth, o motor entregava mais de 400 cv na versão de competição. Nos carros de rua, porém, a pressão do turbo era reduzida e a potência caía para 250 cv — em um motor 1.8, cara! A transmissão, claro, era manual de cinco marchas, e levava a força para as quatro rodas.
Isto sem falar na estrutura tubular desenhada pelo projetista Tony Southgate, que trabalhou por mais de duas décadas na Fórmula 1; na suspensão independente por braços triangulares sobrepostos; e na carroceria que não é bonita no sentido tradicional da palavra, mas foi desenvolvida para ser tão leve e aerodinâmica quanto fosse possível. Para isso, foram realizadas dezenas de testes em um túnel de vento e fibra de carbono foi usada na carroceria. O resultado: um carro capaz de chegar aos 100 km/h em um cisco acima dos três segundos.
O carro de chassi nº 169 (o que o torna também um dos últimos a serem fabricados), de acordo com os registros, ficou parado na fábrica de Boreham (aquela da foto ali em cima) até 1994. Foi então que um americano, morador do estado do Michigan, decidiu comprá-lo. Desde então, o carro passou a maioria de sua vida parado, porém sempre foi mantido em ordem para rodar — com fluidos novos, pneus bons e combustível no tanque. Isto porque, lá de vez em quando, seu proprietário o levava para eventos de pista.
No total, há apenas 1.960 km registrados no hodômetro. É o detalhe que faltava para que o interior do RS200 — com seus bancos concha de suede vermelho, cintos de competição, conta-giros no centro do painel, volante de três raios e o mínimo de acabamento necessário para tornar o “escritório” apresentável — seja uma verdadeira cápsula do tempo. Detalhe: dois profissionais altamente qualificados foram os responsáveis pelos cuidados com o RS200 nos últimos 21 anos.
No entanto, ao que tudo indica, seu atual proprietário está pronto para deixá-lo ir. A RM estima que o valor de arremate fique entre US$ 450 mil e US$ 450 mil — ou R$ 1,68 milhão e R$ 2,05 milhões, aproximadamente.