FlatOut!
Image default
Achados Meio Perdidos História

O último motor Oldsmobile, a 450 km/h

Um quatro em linha DOHC com quatro válvulas por cilindro. Hoje deve ser o mais comum tipo de motor que existe, e é mais fácil listar os motores que não seguem esta definição, do que os que seguem. Mas se você voltar para 1985, ainda não era bem assim.

Calais: o lar do Quad 4

A busca pela alta potência específica, o cv/litro, foi o que resultou em sua popularidade. Mas isso só acontece se você exige algum deslocamento específico; como ocorre em competições, e na Europa nas ruas desde tempos imemoriais. Os americanos nunca tiveram legislações que limitassem deslocamento; por isso a preferência deles por motores de maior deslocamento, OHV.

Por mais que todo mundo acredite que é só uma questão de custo, na verdade um OHV, como tudo em engenharia, tem vantagens e desvantagens em relação aos DOHC. Por exemplo, são motores menores, mais leves, e com o centro de gravidade mais baixo. Um V8 DOHC parece enorme em cima, pequeno embaixo; um OHV é o inverso.

Os dois Oldsmobile AeroTech, 1987

Hoje em dia a necessidade de variadores de fase e até levante de válvulas tornaram os DOHC quase universais, mas nos anos 1980 isso ainda não existia. Por isso os engenheiros americanos insistiam nos OHV. E não somente nos V8; a GM por exemplo ainda usava muito um quatro em linha Pontiac OHV de 2,5 litros no lugar dos 1.8 e 2.0 OHC e DOHC de maior potência específica dos japoneses e europeus. Não por serem burros: já que não há limite de cilindrada, achavam esta a melhor opção.

Pontiac Super Duty: o cabeçote Cosworth “de Opala”

Parêntese: note que o quatro em linha que mencionei era Pontiac, não GM. Nos anos 1980 ainda existiam engenharias separadas para as divisões da GM, com motores projetados por essas divisões. Daí a história de hoje: de um motor Oldsmobile, mas o último. Este motor é meio que um protagonista da mudança: no fim de sua história era um motor GM, e não mais Oldsmobile; tal coisa estava no fim. Ainda que só em nome: o V8 LS é um V8 Chevrolet, e os quatro em linha Ecotec, Opel. Mas ambos viraram motores GM corporativos. Hoje, não há mais essa baboseira de divisões, a GM reduzida a basicamente Chevrolet e Cadillac, com Buicks sobrevivendo por causa da inexplicável predileção chinesa por eles. Pontiac e Oldsmobile são parte do passado, e a Opel, parte da Stellantis.

Oldsmobile Calais Quad-442

Sim, as divisões muitas vezes emprestavam motores uma das outras. Já existiu Pontiac Firebird com V6 turbo Buick, os seis em linha Chevrolet que temos aqui nos Opalas eram desde os anos 1960 motores básicos de todas as divisões. Mas cada uma tinha liberdade de fazer o que queria, e não havia apenas os motores “corporativos” como hoje.

Pontiac Firebird + Buick Grand National = ?

Mas voltando ao fio da meada. O que acontece em seguida ajuda a popularização dos DOHC: os motores japoneses principalmente não eram melhores que os americanos por serem DOHC; eram melhores por serem projetados por gente melhor, e principalmente, produzidos com tolerâncias muito superiores. Mas na época, todo mundo, leigos, imprensa e até a GM, olhavam os motores DOHC de alumínio e pensavam: são superiores, ainda que mais caros.

Toda a questão técnica, se eram realmente melhores ou não conceitualmente, na mesma base de comparação, ficou imediatamente irrelevante. Era agora uma questão de marketing também: os DOHC são modernos, os OHV ultrapassados. Nada, nunca mais, mudaria esta impressão.

É nesse mundo que a Oldsmobile ganha permissão, no meio dos anos 1980, para projetar um novo quatro em linha moderno. Por moderno, entenda-se aí DOHC/16v. Seria a primeira aventura neste mundo da GM; sim, existiu antes o Vega Cosworth, mas o motor desse foi desenhado… bem, pela Cosworth né? Para a GM, e a Oldsmobile, uma primeira vez. Mesmo os Opel então eram estritamente 8 válvulas, o primeiro deles de 16 delas, o nosso conhecido C20XE de 1986. Que foi projetado, bem… pela Cosworth também.

O primeiro Cosworth de rua foi um… Chevrolet?!

A Oldsmobile não teria futuro mesmo, como sabemos. Era antes um degrau da escada GM: o cara começava no barato Chevrolet, depois Pontiac, Oldsmobile, Buick e Cadillac. Inicialmente só havia um carro em cada divisão, então funcionava; já nos anos 1980 cada uma delas tinha uma linha completa de modelos, que no fim, fazia todo mundo competir com todo mundo da tal escada. Um modelo de negócio ultrapassado.

Ainda mais para a Oldsmobile, uma marca tradicionalmente sóbria e adulta. Nem Mercedes-Benz consegue mais ser sóbria e adulta hoje, e recorre a mais neon interno do que se encontraria num bordel filipino, então imagine a Oldsmobile. Mas é uma marca com uma tradição interessante: junto com a Cadillac, em 1949, lançou o V8 americano OHV tradicional, copiado ad-infinitum depois por todos. O V8 “Rocket” tornou o Oldsmobile 88 um dos carros mais velozes da américa, por algum tempo.

Interessante então notar que foi ela que, no seu fim, inaugurou o 4 em linha DOHC/16v para as empresas americanas, também configuração que hoje é super comum. E como este motor aconteceu, e como fracassou no mercado, é a interessantíssima história que contaremos hoje. A história do último motor Oldsmobile: o Quad 4.

 

O começo com recordes

O que viria da Oldsmobile começa a ficar claro para a gente aqui fora com um carro especial, e recordes incríveis de velocidade. Os engenheiros responsáveis ​​pelo desenvolvimento do motor Quad 4 estavam ansiosos para demonstrar suas capacidades. Sob a liderança de Ted Louckes, chefe do programa do motor Quad 4, convenceram a alta gerência da General Motors a desenvolver um veículo de pesquisa que demonstrasse o verdadeiro potencial do motor.

O protótipo AeroTech: Ed Wellburn é o segundo a partir da esquerda

Em 1985, um grupo de engenheiros sob a liderança de Louckes foi formado para desenvolver um veículo exatamente assim, chamado Aerotech. Ed Welburn, então designer-chefe assistente no estúdio Oldsmobile, liderou o projeto. Wellburn, sabemos, se tornaria um dos mais famosos chefes de estilo da GM inteira, na era Bob Lutz dos anos 2010.

O resultado é um streamliner, um enorme monoposto aerodinâmico para recordes, em versões short e long tail. Nele, o quatro em linha Quad 4 foi reduzido para dois litros, e turbinado, chegava a mais de 1000 cv. e bateu o recorde mundial de velocidade em circuito, na pista de testes de Fort Stockton, com a presença de oficiais da FIA, em agosto de 1987. A velocidade do recorde? 413.799 km/h de média. O carro chegou em trechos da pista a mais de 450 km/h. Um ano antes do Quad 4 de rua aparecer.

Mas o que sabemos hoje mais não sabíamos então é que o motor NÃO era um Quad 4. Pelo menos não um de produção. Era um motor de corrida, criado só para ele, com a mesma arquitetura básica, mas sem ligação com o motor de rua. Ou quase: comando de válvulas duplo no cabeçote, 16 válvulas, e o espaçamento entre os cilindros de 100 mm eram como o motor de rua; mas só isso. Santa enganação, Batman!

 

O motor de produção

O Quad 4 estava originalmente previsto para estrear em 1987, junto com os recordes do AeroTech, mas foi adiado por um ano. Em 1988, viemos a conhecer o Quad 4 de verdade. Lançado inicialmente ao público como opcional no Oldsmobile Cutlass Calais e o Pontiac Grand Am, a disponibilidade do motor se expandiu para a Buick no final de 1988 e para a Chevrolet em 1990.

E o que era o Quad 4 afinal? Era um quatro cilindros grande: media 92 × 85 mm para um total de 2.260 cm³. O bloco era de ferro fundido, mas tanto o cabeçote quanto o cárter eram em alumínio. Os dois comandos no cabeçote eram acionados por correntes; acionavam quatro válvulas opostas diretamente via tuchos tipo copo. A câmara de combustão era triangular do tipo pentroof, e a vela central era acionada sem distribuidor, eletronicamente; a primeira vez na GM.

A taxa de compressão era de 9,5:1 inicialmente, e atendia aos padrões de emissões sem usar um sistema EGR. O motor dava inicialmente robustos 150 cv a 5200 rpm e 22,1 mkgf a 4000 rpm., depois 160 cv a partir de 1990.

Mas desde o lançamento a Oldsmobile prometia uma versão de alto desempenho. Ela se materializou em 1989, e se diferenciava do Quad 4 normal por comandos mais agressivos, e taxa aumentada para 10:1. Dava 180 cv, número respeitável para um motor aspirado assim, até hoje.

Esse Quad 4 H.O. (LG0) de 180 cv foi introduzido em séries especiais de 200 cupês Cutlass Calais International Series e 200 cupês Grand Am SE, todos com pintura vermelha brilhante e interior cinza. Ele só estava disponível quando combinado com a transmissão manual de cinco marchas HM-282/NVG-T550, projetada pela Getrag.

Em 1991, aparecia uma versão ainda mais potente do motor. Era o W41, um código usado no muscle-car da marca, o 4-4-2, nos anos 1960, com 190 cv, cortesia de comandos ainda mais bravos. Com esse motor a divisão relembrou o passado muscle car lançando o Calais Quad-442. Com motor e carro da mesma marca, na versão mais potente, e com câmbio manual, é talvez o mais legal carro equipado com o Quad 4.

Incluído no plano futuro estava um Quad 4 turbo com 250 cv, mostrado no conceito Cutlass Supreme Convertible que foi Pace-Car na Indy 500 de 1988. Nenhum Quad 4 turboalimentado jamais chegou à produção. Houve uma variante mais barata, porém, para substituir o 2.5 OHV Iron Duke da Pontiac: chamado de Quad OHC, tinha 1 comando e 2 válvulas por cilindros, e 120 cv.

Turbo: não chegou à produção

O que deu errado então? Bem, basicamente o que havia de errado com todos os motores da GM de então. Os motores da marca giravam baixo, e por isso suas tolerâncias baixas e tamanho grande não geravam muitas vibrações indesejáveis; o motor moderno com tolerância antiga simplesmente não deu certo. A principal reclamação eram os níveis de vibração, muito altos.

O que faltava inicialmente no Quad 4, realmente, eram eixos balanceadores contra-rotativos, então solução comum para quatro em linha grande. Alguns dizem que os engenheiros achavam que o motor não precisava deles, outros dizem que a decisão foi uma medida de redução de custos. Seja qual for o motivo, precisava sim, no fim.

O fato é que além disso, o Quad 4 ganhou a reputação de ser pouco confiável, especialmente quando ajustado para alto desempenho. Havia uma série de outros problemas: cabeçotes rachados, juntas de cabeçote queimadas, ruído da corrente de comando, problemas de lubrificação e assim por diante.

A empresa não desistiu e continuou aperfeiçoando continuamente ele. Virabrequins e bielas diferentes foram empregados, cárteres de óleo revisados ​​foram usados ​​e houve atualizações no bloco, ao longo da década de 1990. Em 1992, um novo coxim do motor com amortecimento de vibração foi introduzido gradualmente e, em 1995, eixos contra-rotativos foram adicionados em um esforço para suavizar e silenciar o Quad 4, bem como seus críticos, de uma vez por todas. Mas era tarde; sua reputação estava selada.

Em 1996, o diâmetro do cilindro do Quad foi reduzido e o curso aumentado, elevando o deslocamento para 2,4 litros. O nome Quad 4 também foi abandonado com o 2.4, e o motor foi chamado de 2.4 litros Twin Cam. O 2.4 foi a versão final do Quad 4 e, em termos de confiabilidade e dirigibilidade, era o melhor da categoria. Poucos anos depois, em 2000, o motor seria substituído pelo Ecotec de 2.2 litros. É o último motor Oldsmobile: o posterior “Aurora V8” é um Cadillac de cilindrada menor. A divisão Oldsmobile fecha as portas em 2004.

É um motor controverso, com certeza, mas sempre teve seus fãs. As versões de alto desempenho são realmente entusiasmantes, com câmbio manual e barulho de carro de corrida, algo que não combina muito com os sedatos carros da empresa então, mas mesmo assim, são muito legais. Uma subcultura se formaria também para fazer Hot Rods com esses motores, em Ford modelo A por exemplo, e decorados para parecerem motores Offy DOHC da década de 1930.

Hoje: motor de Hot Rod

 

 

Um Quad 4 no Brasil?

Se permitirem uma inserção “Achados meio Perdidos” aqui, um amigo me mandou agora pouco isto aqui, uma coincidência impossível de não mencionar. Trata-se de um Pontiac Grand Am 1991 coupe equipado com o Quad 4 de 150 cv e câmbio automático. À venda, aqui no Brasil, por R$ 32.900!

Sim, o Quad 4 fica legal mesmo se acoplado ao câmbio manual. Mas ainda assim, o carro parece em estado razoável, e no preço correto.  É muito raro por aqui, ainda que seja a encarnação do ditado de quem nem sempre o que é raro é valioso. Mas é interessante de qualquer forma, aqui no Brasil: um carro difícil de se ver por aqui.

Se você se animou para conhecer o último e talvez mais desconhecido motor Oldsmobile, ainda que num Pontiac, acesse o anúncio por aqui.

 


O Achados meio Perdidos é matéria aberta, oferecida pelo patrocínio dos assinantes do FlatOut. Ainda não é assinante? Considere ser: além de nos ajudar a manter o site e o nosso canal funcionando, você terá acesso a uma série de matérias exclusivas para assinantes – como conteúdos técnicos, histórias de carros e pilotos, avaliações e muito mais! E se escolher o plano Flatouter, acesso a eventos exclusivos, nosso grupo secreto no Facebook, e incríveis descontos de parceiros. Vale muito a pena!

FLATOUTER

O plano mais especial. Convite para o nosso grupo secreto no Facebook, com interação direta com todos da equipe FlatOut. Convites para encontros exclusivos em SP. Acesso livre a todas as matérias da revista digital FlatOut, vídeos e podcasts exclusivos a assinantes. Direito a expor ou anunciar até sete carros no GT402 e descontos em oficinas e lojas parceiras*!

R$ 26,90 / mês

ou

Ganhe R$ 53,80 de
desconto no plano anual
(pague só 10 dos 12 meses)

*Benefícios sujeitos ao único e exclusivo critério do FlatOut, bem como a eventual disponibilidade do parceiro. Todo e qualquer benefício poderá ser alterado ou extinto, sem que seja necessário qualquer aviso prévio.

CLÁSSICO

Plano de assinatura básico, voltado somente ao conteúdo1. Com o Clássico, você terá acesso livre a todas as matérias da revista digital FlatOut, incluindo vídeos e podcasts exclusivos a assinantes. Além disso, você poderá expor ou anunciar até três carros no GT402.

R$ 14,90 / mês

ou

Ganhe R$ 29,80 de
desconto no plano anual
(pague só 10 dos 12 meses)

1Não há convite para participar do grupo secreto do FlatOut nem há descontos em oficinas ou lojas parceiras.
2A quantidade de carros veiculados poderá ser alterada a qualquer momento pelo FlatOut, ao seu único e exclusivo critério.