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Car Culture

O WRC com carros 2.0 aspirados de 280 cv

Houve uma época em que tudo o que os garotos que curtiam carros tinham para alimentar suas paixões eram revistas e games. A internet não era um sonho tão distante, mas ela não serviria para muita coisa para a geração que descobriu o WRC pelo Sega Rally e por meia dúzia de artigos em revistas especializadas e fitas VHS que, de alguma forma, vinham parar nas locadoras brasileiras.

Foi assim que eu e muitos de vocês descobrimos os hoje clássicos Toyota Celica GT4, Lancia Delta HF Integrale Evoluzione, Ford Escort Cosworth, Subaru WRX e Mitsubishi Lancer Evo. Eram os carros do Grupo A e os carros “WRC”, as principais categoria do Mundial de Rali nos anos 1990. É por isso que eles estrelavam os games e ilustravam as páginas de revistas, e é por isso que lembramos deles, mas acabamos esquecendo (ou nem conhecendo) carros como o Escort RS2000, o Citroën ZX, o Renault Clio Maxi e o Peugeot 306 Maxi.

Eles faziam parte de uma subcategoria do WRC oficialmente batizada “FIA 2-Litre World Rally Cup”, mas popularmente conhecida como Kit Cars. Os carros eram modelos de produção equipados com motores de produção 1.6 ou 2.0, sempre aspirados, sempre com tração apenas na dianteira.

No papel não parece atraente como os carros de tração integral e motor turbo da categoria principal, mas eles tinham uma vantagem técnica em relação às grandes estrelas da época: o regulamento era muito mais permissivo em relação à preparação do motor.

Veja só, enquanto os modelos da classe principal desenvolviam entre 300 e 320 cv com seus motores turbo com limitação de diâmetro da admissão, os Kit Cars podiam alterar ângulos de válvulas e tinham menores restrições de admissão, então atingiam cerca de 220-230 cv nos primeiros anos e 280 cv nos últimos estágios de desenvolvimento.

Como pesavam entre 200 e 350 kg a menos que os modelos do Grupo A/WRC, mesmo sem turbo nem tração nas quatro rodas, os modelos 2.0 chegaram a ameaçar e vencer os carros da categoria principal e até vencê-los em algumas ocasiões, como no Tour de Corse, disputado no asfalto da Córsega.

É um feito e tanto se você considerar que eles têm menos torque que os modelos turbo e menos capacidade de retomar velocidade nas saídas de curva devido à tração dianteira e à curva progressiva de torque dos motores aspirados. Além disso, eles dependem da pressão atmosférica para produzir potência, o que é um problema com a altitude dos ralis europeus — mesmo o Tour de Corse, que, apesar de ser realizado em uma ilha tem variação altimétrica superior a 500 metros.

A categoria correu apenas sete temporadas, de 1993 a 1999, e acabou cancelada devido ao alto custo de desenvolvimento, sendo substituída pelas atuais Super 2000 e Super 1600, que mantêm regras semelhantes, porém com mais restrições quanto à preparação do motor.

Ao longo destas sete temporadas mais de vinte modelos diferentes foram desenvolvidos pelas fabricantes envolvidas no Mundial de Rali. A maioria usava a mesma receita básica: mudanças no cabeçote voltadas à otimização do fluxo e, consequentemente, ao aumento da potência do motor, e, claro, as modificações de freios e suspensão necessárias para as competições. Para ilustrar melhor, selecionamos os modelos mais marcantes deste período

 

Astra F GSI 16V

O primeiro campeão da chamada F2 do WRC foi o Astra GSI 16v. A configuração daquele ano combinava o motor C20XE em sua última evolução, batizada com o código LN de “low noise”, que tinha um bloco reforçado — e não por acaso: o motor tinha taxa de compressão elevada de 10,5:1 para 11,8:1, válvulas de maior diâmetro, ângulo das válvulas reduzido para otimizar o fluxo dos gases no cilindro, comandos de válvulas com maior cruzamento, entre outras modificações nunca reveladas. O resultado era um 2.0 de 7.500 rpm e 230 cv.

E lembre-se que o monobloco continuava original, assim como a tração dianteira. O câmbio, contudo, era trocado: o cinco-marchas original dava lugar a um X-trac sequencial de seis marchas. Mas isso apenas nas equipes de ponta — como a própria equipe da Opel. Os carros de clientes independentes mantinha a Getrag G20 de cinco marchas com alavanca em H.

 

Ford Escort RS2000

Este é um carro que você pode fazer no Brasil com algum esforço: trata-se do Escort oferecido por aqui entre 1996 e 2002 equipado com o motor 2.0 do Mondeo e do Focus Ghia, também oferecidos por aqui. Já sacou a receita, não é mesmo?

Originalmente com 130 cv, o motor recebia componentes de alta performance da Cosworth como admissão com corpos de borboleta individuais, comandos de válvula com maior overlap e tempo de abertura, coletor de escape com fluxo otimizado e novas molas de válvula, além de taxa de compressão elevada de 10,2:1 para 12:1 para chegar aos 280 cv a 8.500 rpm.

O câmbio em H era trocado por uma nova caixa sequencial de seis marchas da X-trac, com embreagem de disco triplo de carbono. Após as reduções o carro ficava com apenas 940 kg, o que resultava em uma relação peso/potência de 3,35 kg/cv.

 

Renault Clio I Maxi

Um carro que, infelizmente, não tivemos por aqui, mas que não deixou de ser um ícone entre os entusiastas brasileiros, é o Renault Clio I Maxi. O modelo foi pilotado quase sempre por Jean Ragnotti — o lendário piloto dos Renault 5 Maxi Turbo do Grupo B, caso você não lembre — e tinha uma preparação bem interessante para quem se interessa pela preparação do motor F7R.

Aliás, um F7R original, com seus 130-140 cv no cofre de um carro diminuto como o Clio de primeira geração já seria incrível. Com a preparação da Renault Sport ele chegou a insanos 255 cv (a 8.400 rpm!), depois de ganhar admissão de Inconel (uma liga metálica de baixíssimo atrito), válvulas de titânio, taxa de compressão 12:1 e, claro, comandos de válvulas com maior cruzamento e tempo de abertura.

O câmbio original do Clio (você, dono de Clio, já sabe o que aconteceu não é?) era trocado por um Sadev de seis marchas com alavanca em H ou um sequencial de sete marchas da Hewland — sempre ligados às rodas dianteiras, como mandava o regulamento. O peso total ficava na faixa dos 960 kg.

 

Citroën ZX Kit car

Outro modelo que pode ser encontrado no Brasil é o Citroën ZX. Baseado na versão Dakar, ele era equipado originalmente com o motor XU10 J4RS, de 166 cv — o mesmo usado no Xsara VTS na virada da década de 1990 para os anos 2000 —, mas também teve seus ângulos de válvula reduzidos, taxa de compressão elevada para 12:1, de forma que a potência subiu 89 cv e chegou aos 255 cv.

Mais impressionante é que o ZX não usava câmbio de competição, mas sua caixa original com embreagem de disco simples reforçada. Contudo, não era a caixa de cinco marchas que conhecemos no Brasil, mas a caixa de seis marchas da ZF compartilhada com o Peugeot 306 S16 na Europa.

Na versão Kit Car ele tinha 1.010 kg, então não era dos mais competitivos da categoria, e nunca venceu uma prova.

 

Peugeot 306 Maxi

O 306 Maxi mostra como a Citroën bobeou com seu ZX Kit Car. Ele usava o mesmo XU10 J4RS e a mesma plataforma do ZX, mas a preparação da Peugeot extraiu 25 cv a mais e, por isso, o 306 tinha 280 cv. As diferenças estão nos comandos de válvulas, gerenciamento do motor e coletores de admissão e escape — e nada além disso.

A transmissão também era igual, a mesma caixa de seis marchas da ZF, porém com uma embreagem mais resistente, com disco triplo de carbono. E por falar em carbono, o 306 também ia além da Citroën na redução de peso: portas, capô e tampa do motor eram de fibra de carbono, o que tornou seu peso 50 kg mais leve que o ZX.

Com um carro bem mais competente, o 306 Maxi teve um excelente desempenho e conquistou o título de 1996.

 


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