Mais um ano encerrado, mais uma lista de carros mais caros leiloados. A edição deste ano foi mais branda e previsível que a do ano passado. Não tivemos um recordista de valor — até por que vai ser difícil superar a venda de um carro que nunca esteve a venda, nem mesmo quando novo, o Uhlenhaut Coupé — e o mercado parece ter voltado à normalidade com o predomínio das Ferrari dos anos 1960 na lista, nada menos que sete exemplares neste ano.
A lista deste ano também traz dois carros que parecem confirmar uma tendência atual que começou a se manifestar no fim da década passada: carros de Fórmula 1 modernos e supercarros dos anos 1990. Desde 2019, por exemplo, vimos duas Ferrari e um McLaren de Fórmula 1 e ao menos três McLaren F1 entre os mais caros leiloados. Neste ano, temos um Mercedes de F1 e um supercarro Mercedes quebrando a hegemonia do McLaren — algo impensável até pouquíssimo tempo atrás.
Outra surpresa deste ano que pode indicar uma tendência futura nestes leilões, foi a presença de um hipercarro moderno. Foi o segundo hipercarro desde que um exemplar do Lamborghini Veneno Roadster foi arrematado por mais de US$ 8.500.000 em 2019. Não se surpreenda se, em um futuro próximo, carros como Ferrari F50, LaFerrari, Bugatti EB110 e Veyron ou Pagani Zonda começarem a figurar nas listas.
Dito isso, vamos à lista de 2023, começando pelos menos caros, o décimo colocado e nono colocado, que são a…
Ferrari 250 GT SWB Berlinetta 1961 e 1962
Os dois últimos desta lista, o décimo e o nono mais caros leiloados em 2023, são exemplares de anos diferentes da 250 GT de entre-eixos curto (SWB), um de 1961 arrematado por US$ 7.128.360, outro, de 1962, foi arrematado por US$ 9.465.000.
Como você deve ter percebido a essa altura do século 21, é impossível fazer uma lista de carros mais caros vendidos em leilões sem citar a Ferrari 250 algumas vezes — seja ela GTO, GT, GTB ou qualquer outra denominação. Se é uma Ferrari V12 de três-litros, ela certamente irá valer alguns milhões de dólares em algum leilão mundo afora.
Começando pela “mais barata” delas, o exemplar de 1961, ele foi construído pela Scaglietti e foi o segundo carro mais caro do leilão de Villa Erba, Itália, no ano passado. Trata-se do 62º de 165 exemplares construídos entre 1960 e 1962, e o último feito antes da reestilização de 1961. O carro foi novo para os EUA e apareceu no filme “Se Meu Fusca Falasse” (The Love Bug, 1968). Ele foi certificado pela Ferrari Classiche em outubro de 2008 como um legítimo “matching numbers”, ou seja: manteve númeração de chassi, motor, transmissão e carroceria combinados da forma como saíram da fábrica há 63 anos.
A outra 250 SWB já tem as sutis reestilizações de 1961 pois foi fabricada em 1962. Ela foi entregue para seu primeiro proprietário na Itália mesmo, onde morava o industriário Giovanni Renato Scalabrin, que a escolheu na cor cinza “Grigio Metallizzatto” com interior de couro bege. Muitíssimo bom-gosto.
Ela não foi estrela de cinema, mas tem seu valor elevado por ter passado apenas por quatro proprietários em 61 anos e nunca foi restaurada. É uma survivor que foi mantida e usada regularmente ao longo de todo esse tempo — desde a pintura até o couro, vidros e cintos de segurança, tudo é original. Melhor ainda: ela tem apenas 53.000 km rodados. É, sem dúvida, um dos melhores exemplares (se não o melhor) da 250 GT SWB que se pode comprar.
Bugatti Chiron Profilée 2022
Aí está o primeiro hipercarro moderno deste ano: um Bugatti com apenas um ano de uso. Ou não-uso, pois ele foi vendido ainda novo por nada menos que US$ 10.678.000. Foi o carro mais caro no leilão da Sotheby’s em Paris no ano passado, também foi o carro novo mais caro já vendido em um leilão público, o Chiron mais caro de todos e o segundo Bugatti mais valioso da história, sendo apenas o quinto Bugatti a ultrapassar a marca dos US$ 10.000.000 em um leilão.
Por quê? Bem… pois se trata de uma versão comportada do Chiron Pur Sport que não tem, nem terá um exemplar igual a ele.
Isso, porque quando foi concebido, os 500 Bugatti Chiron previstos já estavam encomendados e vendidos, então a Bugatti combinou o Chiron Sport ao Chiron Pur Sang e fez este exemplar único para ser leiloado com o último W16 quadriturbo da história da marca. E isso, aparentemente, é suficiente para alguém pagar tanto em um carro que ainda levará ao menos 15 anos para se tornar um clássico. Quem sabe se este carro não começará a puxar o valor do Veyron para o alto nos próximos anos.
Mercedes CLK-GTR Roadster 2002
E aqui está o segundo hipercarro moderno deste ano: o Mercedes CLK-GTR Roadster. O primeiro supercarro da Mercedes desde o SLR Uhlenhaut e o carro novo mais caro do planeta em sua época de lançamento.
É fácil entender o valor elevado deste carro. Primeiro: só fizeram seis destes com o teto removível — os outros eram todos fechados. Eles foram todos feitos pela HWA, a empresa que Hans Werner Aufrecht fundou depois de vender a AMG para a Mercedes, e usavam uma versão modificada do motor V12 M120, um dos mais icônicos da história da Mercedes.
Ele também é o primeiro Roadster a venda desde 2015, quando um exemplar semelhante atingiu “apenas” US$ 2.300.000 em Goodwood. Em valores atualizados estamos falando de pouco menos de US$ 3.000.000, ainda pouco perto dos US$ 10.235.000 pagos por este exemplar no leilão da Sotheby’s em Las Vegas.
Além da raridade do modelo, ele também passou a ganhar relevância histórica depois do que a Mercedes e a AMG se tornaram a partir do início dos anos 2010. Antes comportados e sóbrios, os Mercedes passaram a ocupar o imaginário dos entusiastas com os viscerais motores V8 e V12 aspirados e turbinados que dominaram a cena dos supersedãs alemães daquela década.
Sem contar que, em paralelo, nas pistas a Mercedes se tornou força dominante na Fórmula 1, conquistando uma sequência de campeonatos jamais vista na história da categoria com seis títulos consecutivos de pilotos e oito títulos consecutivos de construtores. É natural, portanto, que um supercarro raríssimo de 20 anos, feito por esta fabricante, acabe valorizado como foi.
Ferrari 312 PB 1972
O primeiro carro de corrida desta lista é, claro, uma Ferrari. Um protótipo que disputou a temporada de 1972 do Mundial de Carros Esporte — e ajudou a Ferrari a conquistar o título de construtores daquele ano: a Ferrari 312 PB #0886, que venceu os 1.000 Km de Buenos Aires, os 1.000 Km de Nürburgring e ficou em segundo lugar nas 12 Horas de Sebring e ainda chegou em terceiro nos 1.000 Km de Monza naquele ano, sempre com Ronnie Peterson e Tim Schenken ao volante.
O protótipo foi o sucessor dos lendários 312 P, equipado com um flat-12 de 3 litros (daí o 3 e o 12 no nome) e correu apenas naquele ano de 1972, embora seus pares tenham sido usados entre 1971 e 1973. Este chassi em especial correu também em 1975, nas mãos de Harley Cluxton III, já em corridas de carros históricos e foi pilotado por Jacky Ickx em eventos de clássicos em 1998, 1999 e 2000, e também por Brian Redman em 2004.
Ele foi arrematado por US$ 13.035.000 no leilão da Sotheby’s em Villa Erba, sendo o carro mais caro do evento — superando a 250 GT SWB 1961 lá do começo da lista.
Jaguar XKSS 1957
Dentre os carros britânicos, Aston e Jaguar se alternam nas listas de carros mais caros do ano e, neste ano, foi um dos mais especiais dos carros britânicos: o Jaguar XKSS em um exemplar de 1957. Você talvez não esteja ligando o nome à imagem porque XKSS é, em resumo, a versão de rua do D-Type que venceu as 24 Horas de Le Mans. Ou seja: é como ter uma Ferrari 499P de rua em 2024.
Isso faz do XKSS um dos carros mais raros e valiosos da história do Reino Unido porque ele só foi construído para a Jaguar se livrar dos caríssimos componentes do D-Type depois que eles decidiram se afastar do automobilismo em 1956.
Embora houvesse peças suficientes para fazer 25 carros, eles só concluíram 16 e, por isso, o modelo se tornou ainda mais raro e desejado — ainda que a Jaguar tenha feito os outros nove recentemente em uma série de continuação.
Como os originais dos anos 1950 são poucos, eles acabam trocando de mãos muito raramente — o último visto a venda foi leiloado em 2017, por pouco menos de US$ 9.000.000. No leilão de Monterey do ano passado, este exemplar foi oferecido e se tornou o carro mais caro do leilão ao ser arrematado por US$ 13.205.000.
Ferrari 250 LM 1964
A 250 LM é uma das Ferrari mais raras (mais até que a 250 GTO) e, além de ser uma das mais belas, também é das mais vencedoras da história. Esta, em especial, é o décimo dos 32 exemplares feitos e um dos únicos dois que nunca foi arrebentado em um acidente de pista.
Apesar do sucesso da linhagem, este chassi em especial (5901) teve pouco tempo de pista — ele foi inscrito pela NART como carro reserva nas 24 Horas de Daytona de 1966, mas como não foi usado nem abusado, manteve seus itens originais “matching numbers”.
Mesmo sendo uma 250 LM íntegra, esse pouco tempo de pista tirou um pouco do valor dela, pois ela tinha preço de reserva de mais de US$ 20.000.000, mas acabou arrematada por “apenas” US$ 17.165.000.
Ferrari 250 GT SWB California Spider 1962
Esta Ferrari mostra a força da demanda do mercado. Ela é uma 250 GT SWB California Spider (o carro do pai do Cameron em “Curtindo a Vida Adoidado”) sem absolutamente nada especial além da sua cor azul “Azzurro Metallizzato” com couro Connoly “naturale”, e dos faróis cobertos com lentes — um elemento muito desejado pelos colecionadores.
Essa combinação faz dela um exemplar único, pois apenas 37 unidades tinham as lentes dos faróis e só ele saiu com esta combinação de cores. No fim, ele se tornou o carro mais caro do leilão de Amelia Island ao ser arrematado por US$ 18.045.000 e o quarto carro mais caro vendido em um leilão em 2023.
Mercedes W04-04 2013
Aqui chegamos finalmente ao Fórmula 1 moderno da lista: o Mercedes-AMG usado por Lewis Hamilton em 2013, ainda com o motor V8 de 2,4 litros usado na categoria desde 2006. Ele foi o primeiro Mercedes de F1 moderno a ser oferecido ao público, e se tornou o Fórmula-1 moderno mais caro de todos, e o segundo carro de Fórmula 1 mais caro da história, atrás apenas do Mercedes W196R de 1954 (a versão monoposto do 300 SLR Uhlenhaut, o carro mais caro da história dos leilões), superando a Ferrari F2003 GA que foi vendida recentemente por quase US$ 15.000.000.
E para superar um carro de US$ 15.000.000, ele foi arrematado por nada menos que US$ 18.815.000. Ele também foi o segundo carro de Lewis Hamilton leiloado — o outro foi o McLaren mencionado mais acima, no início do texto, por US$ 6.500.000.
Ferrari 412P by Fantuzzi 1967
Um protótipo da Ferrari dos anos 1960. Como ele poderia estar em outra posição da lista, se não o “top 3”? Vendida em um dos leilões de Monterey/Pebble Beach neste ano, ele foi o quinto carro mais caro já leiloado publicamente — em valores nominais, não corrigidos. E o salto de valores aqui, em relação ao carro aí de cima, foi abissal: US$ 30.255.000. Dá pra comprar o Mercedes do Hamilton e o CLK GTR Roadster e ainda sobra troco.
O motivo do preço é a raridade do carro, claro, e seu histórico nas pistas. O histórico: foi pilotado por Richard Attwood, Piers Courage, Lucien Bianchi (o tio-avô de Jules Bianchi), Jo Siffert e David Piper nas 24 Horas de Le Mans de 1967, 6 Horas de Brands Hatch, 1000 Km de Paris, 9 Horas de Kyalami, 3 Horas de Cidade do Cabo e 1000 Km de Spa, na qual terminou em terceiro lugar.
A raridade? Bem, é o único 412P que manteve chassi, motor, câmbio e carroceria originais. Um carro de corrida com esse histórico e que se manteve assim é algo quase impossível, não? O valor para se ter isso agora está claro para todos.
Ferrari 250 GTO / 330 LM 1962
O topo da lista não poderia ficar com outro carro se não uma Ferrari 250 GTO, a mais valiosa de todas as Ferrari. Nesse caso, trata-se de uma 250 GTO que não tem o motor de 3 litros, mas um de 4 litros (por isso ela se chama também 330 LM.
Ela foi vendida em um leilão da Sotheby’s em Nova York em novembro, já na reta final do ano e se tornou a Ferrari mais cara da história, o carro italiano mais caro da história e, claro, o carro mais caro de 2023, além de ser o segundo preço mais alto pago por um carro em um leilão público em toda a história — atrás somente do 300 SLR Uhlenhaut Coupé.
O motivo: é uma 250 GTO de primeira série equipada com o motor de 4 litros pela própria Ferrari, que venceu sua classe nos 1000 km de Nürnberg (não é Nürburgring, ok?) de 1962, e também se classificou em quarto para as 24 Horas de Le Mans daquele ano, mas abandonou a prova por superaquecimento. O preço? US$ 51.075.000. Dá pra comprar a Ferrari 412P e o Mercedes do Hamilton e ainda sobra uma graninha.
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