Quando se pensa em esportividade, o nome da Toyota não é o primeiro que vem à mente. Isto é especialmente verdadeiro no Brasil, onde Toyota é sinônimo de Hilux e Corolla, com uma ocasional menção ao Etios. Os três veículos são competentes no que fazem e vendem bem (ainda que isto não seja 100% verdade no caso do Etios, cujo visual polêmico afastou muita gente), mas não são exatamente carros considerados entusiastas.
Acontece que a Toyota é uma marca cheia de história e de carros lendários para os gearheads – o mítico Supra; o Celica, vencedor do WRC nos anos 90; o AE86 e sua associação inquebrável com Initial D e a cultura do drift; o GT86, que é um dos últimos esportivos old school que se pode comprar hoje em dia… só para citar alguns. Então, pense duas vezes antes de falar que a Toyota só faz carros sem graça.
O mesmo vale para sua divisão de luxo, a Lexus. E é disso que vamos tratar neste post.
Em setembro de 2017 a Lexus deu início a sua renovação no Brasil, preparando o mercado para o lançamento da nova geração do Lexus LS, seu primeiro e mais luxuoso modelo, prometido para o início de 2018. Os caras até renovaram o site para receber os novos interessados.
Curtimos a iniciativa, mas a Lexus aposta em um segmento que, no Brasil, é dominado com folga pelas grandes alemãs – Audi, Mercedes e BMW. E há uma boa razão: além de oferecerem carros bons, elas têm uma imagem muito associada ao status, algo que vale ouro em nosso mercado. E isto pode complicar bastante a vida de uma marca de origem japonesa com sucesso nos Estados Unidos, que preza mais pela qualidade de construção e pelo atendimento atendimento pré- e pós-venda. O consumidor brasileiro costuma associar a necessidade por tais qualidades a marcas mais “comuns”, como Honda, Nissan e a própria Toyota. No setor premium, o negócio é mesmo ter presença e tradição – heritage, como se diz em inglês.
Acontece que, ao menos do ponto de vista técnico e prático, a Lexus tem plena capacidade de competir de igual para igual com as europeias. Se dependesse unicamente dos carros, a Lexus faria mais sucesso no resto do mundo, e não apenas nos Estados Unidos. Podemos estar errados, mas isto não nos impede de querer demonstrar isto com quatro carros diferentes que a Lexus produziu em seus 29 anos de história, e que mostram suas diferentes facetas. Sim, é uma marca relativamente nova!
Mas antes, vamos a uma pequena aula de história. Em 1980, o governo dos Estado Unidos limitou a quantidade de carros que poderiam ser importados do Japão para os EUA a 1,68 milhão por ano. Era uma maneira de evitar que as fabricantes americanas perdessem uma fatia muito grande do mercado para os japoneses, que conquistaram os norte-americanos com seus carros econômicos e baratos de comprar e manter.
Comercial do Corolla 1980 nos EUA
Com o passar dos anos, mesmo com o limite aumentado para 1,85 milhão em 1984 e para 2,3 milhões em 1985, as fabricantes japonesas chegaram à conclusão de que que ainda era possível ganhar mais dinheiro com exportações para os EUA. Como? Mandando para lá os modelos mais caros, oras.
Assim, em 1986 o Honda Legend começou a ser exportado para os EUA rebatizado como Acura Legend. Em 1987, a Nissan anunciou que criaria a marca Infiniti para atender aos americanos com mais exclusividade. Então, dois anos depois, a Toyota estreou sua própria submarca para o mercado norte-americano: a Lexus. E sua estreia não poderia ser melhor.
Lexus LS 400
Sabemos que você estava esperando por este momento. O primeiro Lexus lançado no mundo foi o LS 400, também conhecido como “o carro do Street Fighter II“. Sua relação com o game muda de acordo com a idade: os mais velhos gastaram muitas fichas no fliperama; os mais jovens jogaram no Super Nintendo, no PlayStation, no Sega Saturn, no Game Boy, no Wii… o que não muda é um dos modo favoritos de todo mundo: o Bonus Stage.
No Bonus Stage você tinha de destruir um carro na porrada (e nos especiais). Mas esse carro não era qualquer carro: era um Lexus LS 400.
De fato, um dos predicados do Lexus LS 400 era sua construção robusta. E não era para menos: projetado a partir de 1983, o sedã japonês foi feito para concorrer com os melhores do planeta em termos de conforto, desempenho, qualidade de construção e até mesmo pós-venda e manutenção.
Em agosto de 1983 Eiji Toyoda, o presidente da Toyota, lançou aos engenheiros de sua companhia um desafio: construir o melhor carro do planeta. Não havia restrições de tempo, orçamento, plataforma ou componentes utilizados – estamos falando do início dos anos 80, quando a economia do Japão ainda estava a todo vapor e as fabricantes tinham dinheiro de sobra. A ideia era mesmo criar algo totalmente novo para encarar os melhores do planeta.
Seguindo esta lógica, os engenheiros da Toyota decidiram criar um rival para os sedãs de luxo alemães, em especial o BMW Série 7 e o Mercedes-Benz Classe S. Tanto é que o estilo da carroceria era o mesmo, com três volumes bem definidos e linhas sóbrias e volumosas. Testado em túnel de vento, o novo carro obteve o coeficiente de arrasto aerodinâmico (Cx) 0,29, baixíssimo para um sedã de rua.
A plataforma era totalmente nova, com suspensão independente por braços triangulares sobrepostos nas quatro rodas, suspensão ajustável a ar opcional. O motor V8 também era novo – o 1UZ-FE, com deslocamento de quatro litros, comando duplo nos cabeçotes e 32 válvulas. Entregava 254 cv e 36 mkgf de torque e era ligado a uma (também nova) transmissão automática de quatro marchas, levando a força para as rodas traseiras. Mesmo pesando entre 1.700 kg e 1.750 kg, o Lexus LS 400 era capaz de ir de zero a 100 km/h em 8,5 segundos, com velocidade máxima de 250 km/h.
No início dos nos 90, quanto mais botões um carro tinha no painel, mais f*da ele era
Ele era mais leve que o BMW e o Mercedes-Benz, sua velocidade final era maior e sua cabine, mais silenciosa a 100 km/h – em boa parte, graças aos painéis duplos na carroceria e aos suportes de borracha para o motor, que agiam como complemento ao isolamento acústico. O Lexus LS foi um dos primeiros sedãs de luxo com airbag no volante, cintos ajustáveis, retrovisor eletrocrômico e bancos elétricos com memória – eles memorizavam até a posição do retrovisor. Tudo isto em 1989!
Com isto, o LS 400 conquistou o mercado de imediato, abocanhando logo de cara o prêmio de Carro do Ano do Japão quando foi lançado. Fabricada até 1992, a primeira geração do LS 400 teve cerca de 165.000 exemplares produzidos, e muitos deles estão na ativa até hoje com mais de 350.000 km marcados no hodômetro. O motor V8, aliás, seguiu em produção até 2013.
Atualmente o Lexus LS está em sua quinta geração, e é justamente a maior novidade da Lexus para o Brasil em 2018. Ele chega na versão LS 500h, com motor V6 naturalmente aspirado de 3,5 litros mais dois motores elétricos para entregar 359 cv. O mercado de luxo, contudo, é bastante concorrido: por mais que muitos fãs brasileiros de carros saibam da reputação de indestrutíveis dos Lexus e tenham até certo carinho pelo LS 400 por causa de Street Fighter II, a companhia ainda não tem o que o mercado quer. Ainda que estas sejam boas qualidades, é uma tarefa árdua competir com o status e o nome das grandes alemãs.
Lexus IS
Esse negócio de competir contra os alemães foi levado a sério pela Lexus. Em 1998 foi a vez de responder ao sucesso dos sedãs de apelo esportivo germânicos – o BMW Série 3 e o Mercedes-Benz Classe C. Para isto a marca apostou em um estilo mais ousado, boa dinâmica e motores que não eram extremamente potentes, mas eram espertos. Ah, claro, e tração traseira.
Você provavelmente vai lembrar do Lexus IS com outro nome: Toyota Altezza, como ele era vendido no Japão e apareceu em Gran Turismo 2, de 1999 – o título, aliás, marcou a estreia da Lexus e de diversas fabricantes europeias e americanas na franquia do PlayStation. Lexus IS e Toyota Altezza eram o mesmo carro.
Uma saudade: passar horas e horas e horas nisso
O IS de primeira geração foi vendido entre 1999 e 2005, com duas diferentes opções de motor: IS200, com um quatro-cilindros de 153 cv; e IS250, com um seis-em-linha de três litros com comando duplo no cabeçote e 220 cv. De nome 2JZ-GE, o seis-em-linha era a versão naturalmente aspirada do motor do Supra de quarta geração, o 2JZ-GTE.
Talvez seja por causa das lembranças de Gran Turismo 2, mas de fato o visual do Lexus IS era bem agradável e ajudou a garantir o prêmio de carro do ano em 1998. Mas não foi só isto: o carro também acelerava bem, indo de zero a 100 km/h em 9,3 segundos com velocidade máxima de 216 km/h. Nos Estados Unidos, o Lexus IS vendeu mais de 22.000 exemplares em um ano. A versão IS200, com câmbio automático, foi bem melhor nas vendas. Isto nos deixa meio surpresos, pois nossa escolha seria a versão IS300 com câmbio manual. Imagina só: um sedã japonês do tamanho do Corolla, com uma versão naturalmente aspirada do motor do Supra, com pedal de embreagem e tração traseira!
No entanto, o Lexus IS de primeira geração será para sempre lembrado por outra coisa: suas lanternas traseiras. Com lentes transparentes com elementos internos coloridos, elas ficaram conhecidas como “lanternas Altezza” e reimaginadas para praticamente todos os carros que existem. Você já deve ter visto um Peugeot 206, um Gol G3, um Fiat Uno, um VW “quadrado” (qualquer um, até o Santana) ou Vectra B com lanternas neste estilo.
Elas foram extremamente populares no início dos anos 2000, e eram vistas em nove entre dez carros tunados ao estilo “Velozes e Furiosos” ou “Need for Speed Underground 2”. No entanto, também costumam ser citadas no meio do design automotivo como influência para as lanternas transparentes com elementos de LED que vieram na segunda metade dos anos 2000.
Lexus LF-A
O Lexus LF-A é um dos carros mais legais do mundo, ponto final. O ronco de seu V10 de cinco litros é aterrador, seu desenho é conceitual e inconfundível (há quem diga que é feio, e talvez seja mesmo, mas isto não importa), e seu desempenho certamente o coloca entre os carros mais velozes de todos os tempos.
O LF-A começou a ser concebido em 2000, e foi uma tentativa de mostrar que, juntas, a expertise técnica da Toyota e a reputação da Lexus produziriam algo realmente inacreditável, com desempenho acima de todos os carros do mundo. Já em 2004, os primeiros protótipos do novo automóvel começaram a ser vistos em Nürburgring.
O primeiro conceito, apresentado em 2005, foi uma tentativa visível de romper com a estética da década anterior com muitos cantos vivos e linhas abruptas, além de elementos cromados porque aparentemente uma nova década espacial estava começando. Já era possível enxergar algumas das linhas do carro que chegou às ruas em 2009, mas naquela época a Toyota chamou o Lexus LF-A de “exercício de design sem planos de entrar em produção”.
O carro foi muito bem recebido no circuito de salões do automóvel e a Toyota decidiu seguir adiante com seu desenvolvimento. O resultado foi um segundo conceito, que foi apresentado em 2007 com linhas mais condizentes com a realidade, estrutura monocoque de alumínio em vez de fibra de carbono, e planos para um motor V10 naturalmente aspirado montado na dianteira. Em 2008, o conceito LF-A ganhou uma versão roadster, e em 2009 a versão de produção apareceu no Salão de Tóquio.
O Lexus LFA foi produzido entre dezembro de 2010 e dezembro de 2012 e, curiosamente, todos os carros são “modelo 2012”. Exatamente 500 exemplares foram fabricados neste período.
O motor era um V12 de cinco litros com comando duplo variável no cabeçote, cárter seco (como nos motores de competição) componentes internos forjados, válvulas de titânio e capacidade para girar a até 9.500 rpm. A potência máxima de 560 cv chegava às 8.700 rpm, enquanto o torque máximo de 48,9 mkgf de torque a 6.800 rpm (90% deles disponíveis já às 3.700 rpm).
O motor foi desenvolvido junto com a Yamaha – caras que entendem uma ou duas coisas sobre motores giradores. O único câmbio disponível era um manual automatizado de seis marchas. Números brutos: 0-100 km/h em 3,7 segundos, velocidade máxima de 326 km/h, 1.480 kg, quarto-de-milha em 11,6 segundos.
Mas o que ficou na memória, de verdade, foi o ronco. Que coisa linda.
Lexus IS-F
Outro carro que foi apresentado no Salão de Tóquio de 2007, ao lado do segundo conceito do LF-A. E isto tinha um significado muito grande: era a confirmação de alguns boatos que circulavam desde 2005, dizendo que a Lexus estava preparando uma divisão de alto desempenho chamada F-Sport – algo parecido com o que a BMW faz com a divisão M e a Mercedes, com a AMG.
Maior defeito do Lexus IS-F: esta enorme capa no motor
Era verdade. E a segunda geração do Lexus IS, lançada em 2005, foi a base para o primeiro modelo F da Lexus. Ele começou a ser vendido logo depois do Salão e se chamav IS-F. Era uma espécie de C63 AMG made in Nihon, com um V8 de cinco litros todo feito de alumínio, com comando duplo no cabeçote, 423 cv a 6.600 rpm e respeitáveis 51,5 mkgf de torque a 5.200 rpm. Seu tempo de zero a 100 km/h era de 100 km/h em 4,6 segundos, com velocidade máxima limitada eletronicamente em 270 km/h.
Para se ter uma ideia, o 0-100 km/h do BMW M3 E92, lançado no mesmo ano e equipado com um V8 de quatro litros e 420 cv, levava o mesmo tempo para ir de zero a 100 km/h e tinha velocidade máxima limitada em 250 km/h. Claro, números não dizem muita coisa, e o IS-F também ficou à sombra dos rivais alemães no mercado norte-americano. Talvez por isso o IS-F atual, lançado em 2013, não tenha ganhado uma versão F.