No Brasil, o público em geral conhece o Honda Civic como um bom sedã médio, que de alguns anos para cá dividiu a liderança do segmento com o também japonês Toyota Corolla. Para o entusiasta, porém, o Civic tem uma imagem bem mais divertida que, sem dúvida, se deve em boa parte ao Civic Type R — simplesmente um dos melhores hot hatches já feitos não apenas no Japão, mas no mundo todo.
Na verdade, desde a década de 80 o Honda Civic é considerado um dos melhores carros de tração dianteira quando o assunto é dinâmica — não é à toa que os kanjo racers do Japão o elegeram como seu carro favorito para rachas nas ruas, e corriam com eles mesmo sem modificações significativas. Mas é óbvio que um pouco de pimenta não faz mal a ninguém — e, em todas as gerações do Civic Type R, a Honda soube calcular a dose exata para que o Civic passasse de um hatch competente a um hot hatch matador.
Primeira geração: EK9
A designação Type R surgiu em 1992, quando a Honda decidiu criar uma edição limitadíssima de seu então esportivo topo de linha, o NSX. O chamado NSX-R ou Type R era mais leve — pesava 1.230 kg, cerca de 120 kg a menos do que um NSX normal. Ele não tinha isolamento acústico, nada de ar-condicionado, sistema de som ou mesmo estepe, mas era ainda mais rápido. Foram produzidas 483 unidades do NSX Type R.
Em 1995, foi a vez do cupê Integra receber a designação Type R e um motor 1.8 de 200 cv. Esta, contudo, é uma série sobre hot hatches, e o carro que nos interessa foi lançado dois anos depois: o Civic Type R, de 1997.
Desde o início, a proposta da Honda com os Type R era criar modelos com desempenho o mais próximo possível de um carro de corrida sem comprometer a usabildiade do carro nas ruas. Contudo, se a proposta do NSX-R era exclusividade, a boa receptividade ao modelo estimulou a Honda a expandir a linha com o Integra e, principalmente, o Civic Type R.
A ideia da redução de peso continuava e, como o NSX-R e o Integra, o Civic Type R não tinha isolamento acústico e perdeu alguns itens de conforto. Além disso, ganhou um câmbio de cinco marchas com relações mais curtas e diferencial de deslizamento limitado — melhorando ainda mais o já elogiadíssimo comportamento dinâmico do hatch.
O interior tinha bancos vermelhos, carpete e forros de porta combinando, pomo da alavanca de câmbio de titânio e volante Momo revestido em couro. Mas o que realmente fazia a diferença estava debaixo do capô.
A série B de motores da Honda foi introduzida no Civic de quarta geração, na década de 80. Foi uma revolução, porque além do cabeçote de 16 válvulas com duplo comando, a Honda estreou no motor B o sistema de comando variável VTEC, que mudava totalmente o comportamento do motor a partir de determinada faixa de rotações.
O motor do Honda Civic Type R EK9 era o chamado B16B. Além do comando duplo variável, o B16B tinha os dutos do cabeçote polidos à mão, comando de válvulas com maior levante, novos pistões e bielas e um aumento na taxa de compressão, entre outras modificações em relação ao B16 comum. O resultado era um motor de 1.595 cm³ capaz de entregar 185 cv a 8.200 rpm — sim, 185 cv em um 1.6 aspirado. Isto fez dele o motor aspirado de maior potência específica do mundo em seu tempo, desenvolvendo 116 cv por litro de deslocamento. Com este motor, o Type R era capaz de acelerar até os 100 km/h em 6,8 segundos.
Em 1998, duas edições especiais foram lançadas: o Civic Type R Motor Sports Edition, que não tinha ar-condicionado, vidros elétricos, direção assistida ou rádio e, no outro extremo, o Civic Type Rx, que vinha com CD player, retrovisores elétricos retráteis, trio elétrico, ar-condicionado automático e sistema keyless.
O Civic Type R de primeira geração foi produzido até 2000. Não se sabe exatamente quantos foram feitos — fóruns especializados em Civic estimam algo entre 8.000 e 10.000 EK9, mas é certo que o número de unidades existentes hoje em dia é bem menor. Apesar de serem carros bastante especiais, normalmente os Type R eram comprados por entusiastas que não tinham pela de correr com eles, fosse nas ruas ou nas pistas. Como resultado, boa parte deles acabou destruída, e muitos carros acabaram doando peças para outros Civic.
Eles estão cada vez mais raros, sim, mas é por uma causa nobre.
Segunda geração: EP3
Se o Civic sedã de sétima geração, lançado em 2001, não é muito diferente de seu antecessor, o mesmo não pode ser dito do hatchback: o carro baixo e arredondado de antes deu lugar a um Civic mais alto, com um quê de minivan — não muito diferente do primeiro Honda Fit.
A Honda não esperou para atualizar seu hot hatch e, naquele mesmo ano, apresentou o novo Type R. E foi aqui que as coisas começaram a ficar confusas: a sétima geração do Civic tinha versões diferentes para mercados diferentes, e o Type R passou a ser fabricado no Reino Unido. O nipo-britânico agora tinha um motor totalmente novo, o K20 — com dois litros e comando duplo no cabeçote, ele era capaz de produzir 200 cv a 7.400 rpm. O sistema VTEC agia aos 5.800 rpm, com corte de giro um pouco mais baixo, aos 8.100 rpm.
No Reino Unido o novo Type R perdia alguns itens interessantes, como os bancos Recaro e o diferencial LSD — as unidades exportadas para o Japão, porém, contavam com tais equipamentos, além de 15 cv a mais no motor.
Um facelift em 2004, que trouxe direção elétrica revisada, ficando mais direta, suspensão com geometria retrabalhada, faróis com projetores e volante do motor aliviado.
Independentemente disso, o Type R EP3 foi amplamente elogiado pela imprensa especializada na Europa e premiado pelo Top Gear, pelo Fifth Gear e pela revista What Car? como o “hot hatch do ano” mais de uma vez entre 2001 e 2005, período em que foi produzido. Segundo a Honda, o Type R EP3 era capaz de chegar aos 100 km/h em 6,2 segundos (modelo japonês) ou 6,4 segundos (europeu).
E é deste clipe do Top Gear (cansado de ver Top Gear aqui no FlatOut? Não? Ótimo), onde Jeremy Clarkson conta porque gosta tanto do EP3 — comparando-o até mesmo com antigos hot hatches europeus, como o Peugeot 205 —, que vamos tirar a deixa para falar do último Type R que existiu.
Terceira geração: FN2
A oitava geração do Civic deu aos brasileiros um dos melhores esportivos já fabricados em solo nacional: o Civic Si e seu K20 de 192 cv. Os japoneses também tinham o seu — o Type R, que agora era um sedã. O chamado FD2 era maior e mais pesado, e por isso tinha um motor mais potente, com 222 cv.
Na Europa, contudo, ele continuava sendo um hatchback: o FN2. Sua plataforma também era diferente — enquanto os Civic japonês e americano usavam uma plataforma Acura, o modelo europeu era baseado no Honda Fit/Jazz. Sendo assim, em vez da suspensão traseira independente, ele tinha uma barra de torção — mais simples e mais barata. E que fez uma grande diferença, como veremos daqui a pouco.
Apesar das dimensões mais generosas, o novo Type R tinha o mesmo peso de seu antecessor — cerca de 1.320 kg — e o motor K20 tinha 1 cv a mais. Sendo assim, seu desempenho em linha reta era bem parecido — algo entre 6,2 e 6,4 segundos para atingir os 100 km/h.
Contudo, a nova suspensão traseira e a carroceria maior acabaram por matar o desempenho empolgante do Type R, que ficou mais previsível e dócil. Ao menos era esta a opinião da imprensa europeia, que talvez estivesse com inveja do motor novo do sedã japonês.
A resposta às criticas veio rápido: em 2009, a Honda lançou o Civic Type R Mugen. O motor foi preparado pelo braço de alto desempenho da marca japonesa com novos comandos e coletores e uma reprogramação no módulo de controle do motor. A potência subiu para 240 cv e só então o carro mostrou seu verdadeiro potencial — e foi ostensivamente elogiado pelas mesmas revistas e sites e programas de TV que o criticaram por ser “mais do mesmo”. Vinte unidades foram produzidas.
Em 2012, outra novidade: o Type R Mugen 2.2 — o motor teve seu deslocamento ampliado para 2,2 litros e garantiu o sobrenome. Com 260 cv, novamente o carro foi um sucesso de crítica — e, novamente, teve sua produção limitada a 20 unidades.
E o que o futuro reserva para o Type R?
o Civic Type R Mugen 2.2 seria o canto do cisne para o modelo — a Honda deixou de produzi-lo naquele ano devido às cada vez mais restritivas normas para a emissão de poluentes. Contudo, no início deste ano a marca revelou o Type R 2015 — baseado na atual geração do Civic na Europa, ele tem visual mais agressivo e promete entregar 280 cv de seu motor 2.0… turbo.
Sim, a solução encontrada pela Honda foi turbinar o motor do Civic Type R. É um sinal dos tempos, e praticamente inevitável — mas também abre muitas possibilidades para o futuro. Como sempre, estamos aguardando ansiosos.