Como já dissemos, a França parece ter um carinho especial por hot hatches e não faltam exemplos disso. Desde que começamos a falar sobre os melhores hot hatches do universo, criações francesas apareceram duas vezes: o Peugeot 205 GTI e o Renault Clio Williams e V6. Agora é a vez de outro Renault: o R5 Turbo, contemporâneo do 205 GTI e ancestral do Clio V6.
O Renault 5 Turbo é um daqueles carros que nos fazem apreciar ainda mais a engenharia envolvida no projeto de um carro, pois para criá-lo a Renault basicamente pegou um ótimo carro popular, o virou do avesso e o transformou em um ótimo esportivo sem tirar sua identidade. E mais: pelo bem de seus esforços no automobilismo.
O Renault 5 Turbo nasceu para que a Renault tivesse um carro competitivo no WRC — motivada, mais especificamente, pelo sucesso da Lancia e da Fiat na década de 70. Era quase uma questão de honra, visto que o primeiro título do WRC, concedido em 1973, foi justamente para a Alpine-Renault com seu A110.
Na virada da década de 80, quando o rali ainda não era dominado pelos carros de tração integral — isso só veio a acontecer em 1982, com o início do reinado do Audi Quattro no Grupo B —, a receita era motor central-traseiro e tração traseira, e o carro de rali da Renault não poderia ser diferente. Mas em vez de criar um projeto totalmente novo, a fabricante francesa decidiu fazer como quase todo mundo na época: pegar um dos carros de rua e transformá-lo em um bólido de competição.
O carro escolhido foi o pequeno Renault 5. O hatch havia sido lançado em 1972 com a missão de substituir tanto o Renault 4 quanto o Renault 8, os dois menores e mais baratos veículos da linha que ainda eram sucesso de vendas, mas já sentiam o peso dos dez anos de idade nas costas (o R4 acabou sendo produzido até 1992 como alternativa ainda mais barata ao R5).
Desde o início o R5 havia se mostrado um carro versátil — ainda que, na contramão das tendências mais modernas da época, usasse motor longitudinal, ele tinha todas as características de um bom popular: era surpreendentemente espaçoso para seu tamanho, tinha motores econômicos de 0,7 a 1,1 litro e sua suspensão com barras de torção dava a ele um rodar confortável pelas irregulares vias francesas. O design minimalista e funcional também colaborou para sua boa aceitação, e em pouco tempo passou a ser considerado até chic.
A Renault tratou logo de dar ao R5 uma versão mais apimentada. O primeiro hot hatch nascido dele foi o Renault 5 Alpine, lançado em 1976. Modificado pela empresa de mesmo nome (que também construía seus próprios carros), ele tinha suspensão mais firme e baixa e transmissão manual de cinco velocidades. O motor era uma versão modificada do quatro-cilindros Sierra da Renault.
Com 1,4 litro, comando no bloco, um novo cabeçote do tipo crossflow e câmaras de combustão hemisféricas, o motor de 1,4 litro era capaz de entregar 93 cv — o dobro da potência do motor mais potente da linha R5 —, o suficiente para ir de 0 a 100 km/h em 9,7 segundos com máxima de 168 km/h. Suas modificações estéticas incluíam rodas de liga leve e faróis auxiliares, e muitos o consideram o primeiro hot hatch da história — vindo antes mesmo do Golf GTI. A afirmação é controversa mas, se não foi o hot hatch original, o Renault 5 Alpine se tornou a base para um dos mais legais que já existiram.
Foi naquele mesmo 1976 que Marc Deschamps, designer do estúdio Bertone, deu ao vice-presidente da Renault Jean Terramorsi a ideia de fazer um Renault 5 com motor central-traseiro inspirado no Lancia Stratos. Terramorsi adorou a ideia e a aprovou imediatamente, porque aparentemente era assim que as coisas funcionavam na França. Bom para o mundo que, dois anos depois, ganhou o Renault 5 Turbo.
Quer dizer, quase — o carro foi anunciado no Salão de Paris daquele ano, mas levou ainda dois anos para que o carro ganhasse as ruas em julho de 1980.
O protótipo apresentado no Salão de Paris de 1978
Por fora, o Renault 5 Turbo partia da carroceria de um R5 normal, porém com para-lamas bem mais largos para acomodar a bitola traseira ampliada em 25 cm e as entradas de ar para o motor, que passou a ocupar o lugar do banco traseiro. As modificações foram desenhadas por Marcello Gandini, famoso por projetar o Lamborghini Countach.
A ideia inicial era usar um chassi tubular e um motor V6, mas os recursos financeiros não eram suficientes para tanto e a Renault optou pelo 1.4 do Renault 5 Alpine. Equipado com um turbocompressor Garrett T3 operando a 0,9 bar e um intercooler em um dos para-lamas traseiros, o motor agora entregava 160 cv a 6.000 rpm. No carro de rali, a potência ultrapassava os 300 cv.
Tão importante quanto o motor turbo eram as modificações na suspensão que, na traseira, era totalmente nova e usava molas helicoidais e braços sobrepostos do tipo duplo-A — algo necessário pelo novo posicionamento do motor e da transmissão, que impedia o uso das barras de torção e, de quebra, tornava o comportamento dinâmico do carro bem mais afiado. O espaço no compartimento traseiro era bem apertado, e o tanque de combustível foi deslocado para a porção central do carro. O interior era exclusivo, com um painel mais refinado e melhor acabado, além de usar cores vivas nas forrações, como azul e vermelho.
Faltou só umas linhas amarelas para ficar mais anos 80…
Contudo, o Renault 5 não era um carro perfeito: mesmo com painéis de alumínio na carroceria, ele ainda pesava 970 kg — em 2014 ele seria um peso-pena, mas em 1980 ele estava 170 kg acima da média. Para melhorar a distribuição deste peso, a Renault optou por manter o estepe, a bateria e o radiador na dianteira, o que garantiu uma divisão de 40/60. A aerodinâmica também não era das melhores — seu coeficiente aerodinâmico (Cx) era elevado 0,44.
O desempenho, por outro lado, era digno de muitos elogios. Em agosto de 1981, a revista Car and Driver chegou aos 100 km/h em sete segundos, com máxima de 203 km/h, enquanto publicações europeias conseguiam números ainda melhores com a versão equipada com kit RenaultSport, de 180 cv — a média era de 6,5 segundos, algo impressionante para um carro lançado há mais de três décadas.
Seu maior trunfo, porém, era o comportamento dinâmico: sua suspensão firme e os pneus mais largos, além do entre-eixos curto e da distribuição de peso, tudo somado à entrega repentina de potência do turbo, faziam do Renault 5 Turbo uma máquina arisca, que perdia a traseira e rodava com facilidade caso fosse subestimado — mas sob o comando da pessoa certa, ele era simplesmente sublime.
Em 1982, depois de vender mais de 1.800 unidades do R5 Turbo, a Renault apresentou uma versão atualizada de seu hot hatch de motor central. O chamado Turbo 2 tinha o mesmo motor 1.4 turbo de 160 cv, mas a Renault quis torná-lo mais barato dispensando o uso de alumínio na carroceria e utilizando o painel do Renault 5 Alpine — que, naquele ano, também ganhou um caracol no motor (que continuava na dianteira) e passou a entregar 110 cv.
Ao longo de quatro anos, o Renault 5 Turbo 2 vendeu cerca de 3.100 unidades até 1986 quando, junto do Alpine Turbo, deixou de ser fabricado.
Sua história nas pistas foi mais curta: embora tenha acumulado algumas vitórias importantes nas pistas — incluindo o Rally de Montecarlo em 1981 —, a chegada dos bólidos de tração integral tornou o R5 Turbo obsoleto antes do tempo. A vitória de sua derradeira versão de corrida — o Renault 5 Maxi Turbo, com motor 1.5 de 350 cv — na Tour de Corse de 1985 foi o canto do cisne.
Renault 5 Maxi Turbo, Tour de Corse, 1986
Nada disto, porém, apaga o brilho do carro de rua — pelo contrário, o pedigree de competição do Renault 5 Turbo e inegável, e ele é tão importante para a história da Renault que a companhia lançou um “sucessor espiritual” anos depois: o Renault Clio V6 (leia tudo sobre ele aqui!). São motivos mais do que suficientes para que ele seja, para nós, um dos melhores hot hatches do universo.