O motor é a peça mais complexa de um carro e está entre as mais importantes. As variáveis são muitas — design dos componentes, materiais utilizados, medidas, agregados — e ainda é preciso prever os avanços tecnológicos futuros antes de colocá-lo no mercado. Talvez dê para dizer que um bom motor de verdade não é o mais potente, ou o mais econômico, ou o que ronca mais bonito, e sim aquele que permanece mais tempo em linha.
Claro que mesmo a longevidade é relativa e, em certos casos, a economia e as vendas falam mais alto na hora de decidir se determinado projeto será aposentado ou continuará na ativa por mais alguns anos. Independentemente disso, no entanto, pedimos aos leitores a ajuda para montar uma lista com alguns dos motores longevos mais marcantes já fabricados — sejam motores de altíssimo desempenho, usados em supercarros, ou aqueles com os quais convivemos todos os dias. Vem com a gente!
VW Boxer – 1938-2005
Fusca. Kombi. Brasilia. Variant. Variant II. Gol. TL. VW 1600. Sem contar todos os fora-de-série feitos sobre a plataforma VW, como o Puma e o Miura Sport. Até o Porsche 914 teve esse cara. Só no Brasil temos centenas de exemplos de carros que usufruíram do motor boxer de quatro cilindros da Volkswagen. O resto do mundo tem outros modelos da VW com o motor, sem falar em aeronaves e embarcações movidas pelo famoso Volkswagen air-cooled.
A história tem várias versões, mas a mais conhecida diz que Adolf Hitler encomendou a Ferdinand Porsche o projeto para o “Carro do Povo” (leia mais sobre o assunto neste post) no início da década de 1930. O motor deveria ser simples, e por exigência do Führer, ser refrigerado a ar, pois ainda não havia aditivos anticongelantes para enfrentar o inverno europeu.
Um clássico que fala por si só
O resultado foi, de início, um motor de quatro cilindros opostos com bloco de ferro fundido, cabeçotes de alumínio e deslocamento de 1,1 litro, bom para entregar 18 cv. Começava ali uma história que durou 67 anos. O boxer VW nasceu com o Fusca e morreu com a Kombi, sendo produzido de 1938 a 2005 (quando a Velha Senhora trocou seu 1600 por um novo 1.4 MPI). Isto sem falar nas empresas aftermarket que continuam fabricando componentes e até motores inteiros (com maior deslocamento, carburadores melhores e até mesmo injeção eletrônica) até hoje.
Chevrolet V8 Small Block – 1954-2003
O motor V8 small block da Chevrolet começou a ser fabricado em 1954, depois que Zora Arkus-Duntov (o pai do Chevrolet Corvette) enviou uma carta à Chevrolet, alertando que a cena hot rodder do país estava crescendo e que, caso não lançassem um motor compacto, potente e de fácil preparação, perderiam um bonde precioso que não passaria de novo.
O Chevy Small-Block foi usado em praticamente todos os grandes modelos da Chevrolet americana que você consegue lembrar e se tornou um motor extremamente popular, resultando em um enorme mercado de peças de alto desempenho, o que ajudou a popularizá-lo ainda mais — principalmente entre os preparadores, como Arkus-Duntov previa, os hot rodders. Contamos esta história toda aqui.
Lançado no mercado em 1955, o V8 small block que salvou a reputação do Chevrolet Corvette (que até então usava um anêmico seis-em-linha de 3,9 litros e 150 cv) e ajudou o Chevrolet Bel Air a se tornar um sucesso de vendas. O V8 começou com deslocamento de 265 pol³ (4,3 litros). No ano seguinte, cresceu para 283 pol³ (4,7 litros) e, equipado com um sistema de injeção mecânica, tornou-se um dos primeiros motores produzidos em série a produzir um hp por polegada cúbica — ou seja, tinha 283 hp, ou 287 cv.
Foram inúmeros refinamentos técnicos e ampliações de deslocamento até que, em 2003, o projeto original foi aposentado nos carros de produção. A versão mais conhecida, de 350 pol³, surgiu em 1967 no Chevrolet Camaro. Até hoje o small block 350 é produzido pela GM, mas como crate engine pronto para ser instalado em hot rods e todo tipo de project car — mesmo.
Alfa Romeo V6 “Busso” – 1979-2005
Além de ter sido produzido por 26 anos ininterruptos, o Alfa Romeo V6 Busso simplesmente tem um dos roncos mais bonitos de todos os tempos. O melhor é ouvi-lo antes de continuar a falar sobre ele.
Pois bem: o V6 Busso recebeu este apelido graças a seu projetista, Giuseppe Busso. Inicialmente deslocando 2,5 litros, o motor eventualmente recebeu versões de dois, três e 3,2 litros. Sua inovação eram os comandos nos cabeçotes — de início, com doze válvulas e comandos simples. O primeiro carro a utilizá-lo foi o Alfa Romeo Alfa 6, versão de luxo do sedã Alfetta (que também deu origem ao clássico GTV, sobre o qual falamos mais aqui).
A primeira versão com comando duplo nos cabeçotes e 24 válvulas apareceu em 1992, quando o Alfa Romeo 164 (lançado em 1987) foi reestilizado. Não é à toa que a versão Q4, com o V6 Busso de três litros e 232 cv mais tração integral, é a favorita dos fãs.
O motor V6 Busso teve sua forma final no Alfa Romeo 156 GTA, versão esportiva com motor de 3,2 litros e 250 cv — além de câmbio manual de seis marchas, visual mais agressivo e suspensão desenvolvida especialmente para ele. Além disso, foi muito usado em kit cars europeus, como o Ultima GTR.
Lamborghini V12 – 1963-2010
Em um dos casos de longevidade mais impressionantes de todos, o motor V12 da Lamborghini foi desenvolvido para o primeiro carro da marca e continuou em linha por 47 anos — de 1963, quando foi lançado o Lamborghini 350GT, a 2010, quando o Murciélago saiu de linha. Nem precisamos dizer que muita coisa no motor mudou ao longo de quase meio século, não é?
O belíssimo V12 transversal do Lamborghini Miura
O primeiro V12 da Lamborghini deslocava 3,5 litros e ficava na dianteira do grand tourer 350GT, entregando 270 cv. Era o suficiente para levar o carro até os 254 km/h, ainda que potencialmente o motor pudesse entregar 400 cv a 11.000 rpm. A potência foi reduzida por questões de durabilidade.
Depois de ter suas constantes evoluções no cofre de todos os topo-de-linha da marca — Miura, Countach, Diablo e Murciélago —, o V12 Lambo foi aposentado com deslocamento de 6,5 litros, injeção sequencial e 670 cv a 8.000 rpm, sendo capaz de levar o Murciéalago LP670-4 Super Veloce aos 100 km/h em 2,9 segundos. O Lamborghini Aventador recebeu um motor totalmente novo.
Dodge Viper V10 – 1992-presente
O motor V10 da Dodge é um verdadeiro herói da resistência: descendente do motor V8 Magnum e desenvolvido com a ajuda da Lamborghini (que na época, ainda pertencia à Chrysler), o V10 Viper (sim, ele tem o mesmo nome do carro) começou deslocando oito litros e produzindo 400 cv, lá em 1992. Depois, não parou mais.
Isto sem falar que, paralelamente ao desenvolvimento do motor do Viper, a Chrysler também desenvolveu uma versão mais simples para a Dodge Ram 2500/3500, capaz de entregar 300 cv. A principal diferença era o bloco, que no Viper era de alumínio e na picape, de ferro fundido.
Naquela época, ter um motor de dez cilindros com oito litros de deslocamento e 400 cv era sinal de pura selvageria. Bem, 23 anos depois, continua sendo. O que não impediu que o motor do Viper ficasse cada vez maior e mais potente — hoje, são 8,4 litros e 650 cv.
Tudo indica que a atual geração do Dodge Viper será a última de todas (ainda que a FCA não diga explicitamente, o Viper não faz parte do planejamento do grupo para os próximos quatro anos), o que colocará um fim neste lendário mamute americano.
Nissan RB26DETT (1989-2002)
Como não falar de um clássico japonês nesta lista? O Nissan RB26DETT foi o coração de todas as gerações modernas do Nissan Skyline GT-R — R32, R33 e R34 —, produzidas por treze anos no total. Claro, não é tanto tempo quanto outros motores da lista mas, considerando que o projeto permaneceu praticamente idêntico por todo este tempo, seu nome sem dúvida é digno de integrar esta lista.
E ele nasceu das pistas — o primeiro carro a utilizá-lo foi o Skyline R32 que simplesmente dominou todas as corridas que participou em 1989 quebrando recorde atrás de recorde com Kazuyoshi Hoshino ao volante e ostentando a clássica pintura de corrida azul patrocinada pela Calsonic.
Com o sucesso no automobilismo, ainda naquele ano a Nissan colocou nas ruas um novo Nissan GT-R. Claro, o RB26 teve sua potência limada para 280 cv declarados (por causa daquele acordo não-escrito entre os fabricantes japoneses). A potência máxima vinha a 6.800 rpm, enquanto o torque de 36 mkgf aparecia às 4.400 rpm — o bastante para conseguir levar o carro de 1.430 kg aos 100 km/h em 5,6 segundos, levantando suspeitas sobre sua potência real (provavelmente, esta ficava um pouco acima dos 300 cv, situação que se repetiu nos modelos seguintes).
Em 2002, na geração R34, a Nissan criou o Skyline GT-R mais potente de todos : o chamado Z-Tune, que foi construído pela Nismo em uma série limitadíssima — só 20 unidades, todas na cor prata e com uma versão de 2,8 litros do motor RB26DETT (que, por isso, passou a se chamar RB28DETT), capaz de entregar 500 cv.
O motor era totalmente refeito e recebia componentes dos Skyline usados em competições — pistões e bielas forjados, comando de válvulas mais agressivo, um novo coletor de admissão, virabrequim de curso ampliado, radiador de óleo e módulo de controle recalibrado, além de turbos maiores. Foi o auge do RB26DETT — e o V6 biturbo do Nissan GT-R, seu sucessor, já completa nove anos de existência.