RALI, CARA! Existe algo sobre rodas mais empolgante, desafiador do que o rali? Eu adoro a Fórmula 1, a Nascar e as corridas de turismo tanto quanto você, claro, mas não dá para negar que o rali permaneceu mais fiel às suas raízes, tanto no aspecto técnico quanto no espetáculo. E o melhor exemplo disto é o Rali da Finlândia, uma das melhores e mais icônicas etapas do WRC, o Campeonato Mundial de Rali.
Claro, existem outras etapas épicas, mas o Rali da Finlândia tem algo mais. Talvez tenha a ver com sua origem: em 1951, cerca de 30 pilotos finlandeses queriam participar do Rali de Monte Carlo. No entanto, havia apenas 14 vagas nas cotas para escandinavos. Assim, um rali foi organizado às pressas na Finlândia para servir como etapa eliminatória, e os melhores classificados poderiam competir em Monte Carlo.
Não demorou para que o talento dos pilotos locais e o relevo da Finlândia, com diversas colinas, estradas cobertas de neve e crests que resultam em saltos espetaculares, transformassem o chamado Rali dos 1000 Lagos em um dos mais importantes do circuito internacional de rali – importância que só cresceu com o passar dos anos, especialmente depois de 1973 quando o WRC foi inaugurado.
Talvez pelas condições difíceis das estradas rurais locais, especialmente no inverno extremamente rigoroso do norte europeu, parece que os finlandeses já trazem no sangue a capacidade de pilotar um carro de rali. Caras como Timo Mäkinen e Hannu Mikkola ganharam destaque nos anos 1970 ao volante do Ford Escort e do Mini Cooper S, sucedidos por Markku Alén e Ari Vatanen foram revelados na virada dos anos 1980 – sendo que este último se tornou uma espécie de deus dos ralis, protagonizando registros épicos como o famoso “dear God!” de seu navegador ao volante do Opel Manta e o clássico vídeo Climb Dance na subida de montanha de Pikes Peak.
Assistindo a vídeos antigos do Rali da Finlândia, tanto os onboards de Mikkola e Mäkinen acima quanto o apanhado de melhores momentos abaixo, fica difícil não crer que os finlandeses levam vantagem por causa de sua origem.
É só dar uma olhada na tabela de vencedores do Rali da Finlândia ao longo dos anos para ver como os locais se saem melhor. Além dos já citados, caras como Juha Kankkunen, Marcus Grönholm, Tommi Mäkinen e Jari-Matti Latvala ajudaram a lotar o quadro com bandeirinhas da Finlândia.
Nomes de pilotos lendários de outros países, como o alemão Walter Röhrl ou o italiano Miki Biaision, não estão ausentes por acaso: alguns deles sequer consideravam participar do difícil rali da Finlândia (Röhrl, por exemplo, jamais competiu lá) por causa do nível de dificuldade e do desgaste elevado dos carros, eles preferiam poupar energia para outras etapas. Até porque, provavelmente, um finlandês venceria.
Como, aliás, aconteceu na edição de 2017, disputada no dia 28 de julho: Esapekka Lappi foi o vencedor com o Toyota Yaris WRC, nesta que foi a primeira vitória de um Toyota no Rali da Finlândia desde 1993, quando o vencedor foi o Celica Turbo.
Não por acaso, este pequeno apanhado com seus melhores momentos na prova dá destaque aos saltos do pequeno hatch turbinado. Os saltos são a grande atração dos Rali da Finlândia para o público, que chega a medir um deles – um crest localizado a cerca de 6 km da largada do estágio Ouninpohja.
Não é incomum que os carros alcancem os 50 metros de distância. O recordista absoluto é de Markko Martin (que apesar do nome é estoniano, e não finlandês), que em 2003 deu um salto de 57 metros com seu Ford Focus, decolando a 171 km/h.
Neste ano, o maior salto foi realizado por Mads Østberg, que saltou 50 metros com seu Ford Fiesta (dos mais recentes):
Aliás, o fato de o recorde ser relativamente recente nos traz a um ponto interessante: a evolução dos carros de rali, e mais especificamente, de seus pneus. Eles evoluíram em composto, desenho da banda de rodagem e projeto e materiais da carcaça. Comparados aos de antigamente, eles têm um poder de tração muito maior, e garantem uma velocidade absurdamente maior nas saídas de curva. Pelo fato de estarem sempre em contato com o solo, os pneus também ajudaram a retardar os pontos de frenagem e aumentaram bastante a velocidade média nos estágios, que são quase todos de cascalho. Aliás, Kimi Räikkonen, que competiu no WRC em 2009 e 2011, já afirmou que o Rali da Finlândia é o que mais se aproxima das velocidades de asfalto. Estamos falando de uma média de 125 km/h, com picos de 200 km/h – velocidade quase suicida em uma pista de terra.
Para você entender o que estamos falando: veja como mesmo os monstros do Grupo B (no vídeo de Antti Kalhola, acima, e nos vídeos abaixo) descem a lenha quase o tempo todo, mas reduzem bastante a velocidade nos saltos e precisam brigar para se recuperar nas saídas de curva.
Era uma matemática complicada porque, ao mesmo tempo, não se podia aliviar o pé antes do salto para não transferir o peso do carro para a dianteira – algo que poderia resultar em um belo tombo com o nariz do carro no chão. Nos carros de motor central-traseiro, também não se podia saltar de pé cravado, porque aí o nariz do carro empinaria em pleno ar e o resultado poderia também ser catastrófico.
Os carros hoje em dia estão melhores: é só sentar a bota (if in doubt, flat out!). Só que o desafio continua: como há muitos saltos em sequência, em muitas vezes o carro salta na diagonal e, com isto, é preciso alinhar as rodas em pleno ar para que o carro pouse já preparado para a próxima curva. Caso o piloto falhe nesta hora, a consequência pode ir de um atraso de algumas frações de segundo a um acidente épico.
No vídeo abaixo, uma coletânea fresquinha da etapa de 2017, isto fica bem claro. Olhe como os pilotos aterrissam e já se preparam imediatamente para a próxima curva, com o carro dançando sobre o cascalho.
O ronco do motor, o assovio dos turbos e os cortes de giros nos saltos, sem música
Tudo isto só nos ajuda a sustentar a afirmação feita no início deste post. Na verdade, talvez até a reforçá-la: mais do que manter o espírito de antigamente, o WRC conseguiu ficar ainda mais empolgante com o passar dos anos. O Rali da Finlândia é uma prova disto.