Hoje em dia a BMW tem uma reputação invejável como fabricante de esportivos, mas nem sempre foi assim: depois da Segunda Guerra, economias estavam fragilizadas por toda a Europa e, obviamente, a Alemanha não era exceção.
Sendo assim, a BMW não esteve especialmente focada em esportivos nos anos que se seguiram depois de 1945 — o último havia sido o 328 (nada a ver com a Série 3), roadster fabricando entre 1936 e 1940.
O 328 de rua tinha um seis-em-linha com comando no bloco e deslocamento de dois litros, capaz de entregar 80 cv e, na versão de corrida, venceu em sua categoria nas 24 Horas de Le Mans de 1938 (ficando com o quinto lugar no ano seguinte) e a Mille Miglia de 1940. Porém, depois da Guerra, estas lembranças tão recentes pareciam mais flashbacks de um tempo de glória vivido há muitos anos. Coube a um homem tentar mudar isso.
Seu nome era Max Hoffman, e ele era importador de diversas marcas europeias para os EUA — um dos mais influentes da década de 1950, tendo como clientes Mercedes-Benz, Porsche e, claro, a BMW. Bom negociante e muito conhecido, ele quase sempre fechava negócios sem contrato, bastando um aperto de mão e um olhar firme para que os chefões das fabricantes fornecessem às concessionárias que o procuravam quaisquer modelos que desejassem.
Mas ele era tão influente que, muitas vezes, prestava “consultoria” às companhias — ele conhecia o mercado automotivo dos EUA muito bem e, na maioria das vezes, sabia exatamente que tipo de carro os americanos queriam comprar. Foi dele a sugestão para que a Porsche lançasse uma versão mais barata do 356, o Speedster, e também para a criação do Alfa Romeo Giulietta Spider — até mesmo o Mercedes-Benz 300SL “Gullwing” foi idealizado por Hoffman.
Sendo assim, a BMW — que sobrevivia com as vendas de carros populares, especialmente o simpático minicarro Isetta — sabia que deveria ouvi-lo quando, no início da década de 1950, ele disse que o que a marca precisava para vender bem nos EUA era um roadster com motor V8. O seis-em-linha do 328 foi o suficiente para conquistar alguns soldados americanos na Europa — tanto que alguns deles os trouxeram para casa. Hoffman sabia que eles queriam mais.
Mas não podia ser um seis-em-linha de novo. Americanos já gostavam de motores V8 havia décadas, e o Corvette só decolou de verdade quando adotou o famoso small block da Chevrolet — que na época ainda deslocava 265 pol³, ou 4,3 litros.
Por sorte, a BMW já tinha o que era preciso: o motor do BMW 502, um sedã de linhas curvas e rebuscadas que, em 1954, estreou seu V8 de 2,6 litros todo feito de alumínio. O motor, com comando no bloco, era capaz de entregar 95 cv e levar o carro de 0 a 100 km/h em 17,5 segundos, com máxima de 165 km/h. Agora não parece muita coisa, mas há 60 anos era muito bom.
Hoffman já tinha um plano arquitetado. O roadster usaria como base o chassi do 502 e seu motor V8, e ele já sabia até quem seria o designer do carro: o então jovem e talentoso Albrecht von Goertz, conhecido de Max Hoffman. Quando a BMW aprovou o projeto do 507, Hoffman disse a Goertz que talvez fosse uma boa ideia entrar em contato com a BMW.
Não se sabe ao certo se tudo já estava arranjado por Hoffman para que a proposta de Goertz fosse aceita, mas o fato é que a BMW gostou do carro desenhado por ele e apresentou o primeiro protótipo no Salão de Frankfurt em 1955.
O conversível era diferente de tudo o que havia na linha BMW até então, com um capô longo, linha de cintura marcada, para-lamas mais altos que o capô e a tampa do porta-malas, e uma nova interpretação da grade “duplo-rim” da BMW: em vez de estreitos e verticais, eles agora eram mais largos e horizontais. Outro elemento de design que é bastante citado quando se fala do 507 são as entradas de com a hélice azul e branca da BMW. Era uma nova identidade para a marca, e ela foi seguida por vários anos.
O chassi era o mesmo do 502, mas tinha o entre-eixos encurtado, pois o 507 só tinha dois lugares. O carro não era tão pequeno com seus 4,3 metros de comprimento e quase 1.500 kg, mas era bem baixo — tinha apenas 1,25 metro de altura.
O interior era elegante e funcional, com linhas limpas e muito esmero no acabamento. O grande volante de quatro raios trazia dois arcos para acionar a buzina (também foi oferecido um mais convencional, com três raios de metal e um botão no centro), o painel de metal tinha um cluster com dois grandes instrumentos principais (conta-giros e velocímetro), e a alavanca de câmbio — só manual, de quatro marchas, fornecido pela ZF — ficava no chão. Atrás dos dois bancos individuais havia uma pequena área de carga adicional.
O motor era uma versão de 3,2 litros do V8 que estreara no 502. Era compartilhado com a versão Super do sedã, e rendia 150 cv a 5.000 rpm e 24 mkgf de torque a 4.000 rpm. Naquela época, era comum oferecer relações de diferencial alternativas mediante um custo adicional, e por isso o desempenho variava. Mas, no geral, era para lá de satisfatório — o 0 a 100 km/h era cumprido na casa dos 10 segundos e a velocidade máxima anunciada era de 220 km/h.
Era o carro perfeito para que a BMW pudesse provar que ainda tinha fôlego para criar carros rápidos, bonitos e luxuosos — à moda alemã, claro. Sendo assim, cada um deles era feito à mão, o que tornava cada carro ligeiramente diferente um do outro. Além da capota de lona, eram oferecidas como opcionais uma capota rígida e uma cobertura para o cockpit que deixava apenas o assento do motorista exposto.
Max Hoffman gostou do resultado, e esperava vender pelo menos 5.000 unidades do 507 nos EUA através de sua rede de concessionárias — ele era o único importador oficial da BMW nos EUA. Acontece que toda a sofisticação do 507 cobrou seu preço — literalmente: o custo de pesquisa e desenvolvimento, mais os gastos com a produção artesanal, acabaram por elevar o preço do roadster para o consumidor final: dos US$ 5.000 planejados por Hoffman a cifra subiu para US$ 10.500 — pouco menos do que o preço de um 300SL.
Isto minguou a demanda pelo carro — no fim das contas, apenas 262 exemplares foram produzidos entre 1955 e 1960. Não é preciso um doutorado em economia para saber o que isto significou: prejuízo. E nem a adoção de um motor mais potente, com taxa de compressão mais alta, comando mais nervoso e 165 cv, resolveu a situação. Os americanos preferiam o Corvette.
Acontece que a BMW jamais recuperou o investimento no projeto do 507 — o bastante para entrar em uma crise financeira que só não levou a companhia para o buraco porque as vendas do Isetta, do BMW 700 (um carro popular com motor bicilíndrico de moto) e da chamada Neue Klasse de sedãs e cupês, lançada em 1966, não deixaram.
Apesar do fracasso comercial, o desempenho do 507 e seu indiscutível apelo visual foram o bastante para que ele jamais fosse esquecido pela BMW — tanto que, no Salão de Tóquio de 1997, a BMW apresentaria o conceito Z07, uma interpretação moderna do roadster da década de 1950. Dois anos depois, em 1999, o conceito deu origem ao Z8, um misto de roadster e supercarro.
O Z8 acabou famoso por estrelar “007: O Mundo não é o Bastante” (The World is not Enough, 1999) e, assim como o 507, era um carro construído de forma artesanal (guardadas as devidas proporções, afinal quase meio século havia se passado). Mas alguns — leia-se “Jeremy Clarkson” — disseram que ele era um carro com crise de identidade. Afinal, dotado de um V8 de 4,9 litros e 400 cv compartilhado com o BMW M5, o Z8 era um roadster ou supercarro?
Belas formas, desempenho mais do que digno, e uma história e tanto — temos certeza de que, apesar de não tão pequeno assim, o 507 era um grande roadster. Ah, e o Rei do Rock teve um!
O BMW 507 de Elvis Presley
Como muitos jovens americanos, Elvis serviu ao exército na Europa durante a década de 1950. E uma das coisas que ele trouxe de lá foi um BMW 507 branco — que, depois de ser vítima de garotas enlouquecidas, que deixavam suas marcas de batom por todo o carro (elas até deixavam seus números de telefone escritos com batom!), foi pintado de vermelho.
Elvis decidiu comprar um 507 depois que viu o piloto Hans Stuck correr com um exemplar do Roadster no sul da França. Ah, e ele comprou o carro do próprio Hans Stuck depois de mandar refazer o motor e instalar um câmbio novo.
Como você já deve ter visto por aqui, pouco se sabe da história do carro nos EUA. O que se sabe é que Elvis não atirou nele (como fez com seu De Tomaso Pantera e seu Cadillac Eldorado) e que, mesmo assim, o 507 do Rei estava bem detonado quando foi encontrado e colocado em exposição no Museu da BMW entre os dias 24 de julho e 10 de agosto de 2014. Depois disso, o carro seria restaurado — aliás, o trabalho de recuperação já deve estar em curso.