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Car Culture

Peugeot 905: motor V10 de 670 cv e a primeira vitória da marca nas 24 Horas de Le Mans

Já falamos algumas vezes aqui no FlatOut sobre os triunfos da Peugeot no automobilismo. Primeiro, contamos como foram as vitórias do icônico 205 T16 do Grupo B em 1985 e 1986. Depois, falamos sobre o 405 T16 que levou a Ari Vatanen ao topo do mundo quando o finlandês venceu a subida de montanha de Pikes Peak em 1988.

Na época a Peugeot decidiu colocar o 405 para disputar Pikes Peak porque o Grupo B fora extinto em 1986 e, de repente, o carro incrível que era o 205 T16 se tornara obsoleto. Em vez de desenvolver um novo carro para disputar o Grupo A, como fizeram a Lancia e outros rivais, a Peugeot decidiu aproveitar a experiência para correr em Pikes Peak e no rali Dakar, conseguindo sucesso nas duas empreitadas — Climb Dance está aí para provar.

Contudo, era hora de diversificar as coisas. No início dos anos 90, o prestígio dos ralis já não era mais o mesmo — a competição que todos os fabricantes queriam vencer era o Mundial de Endurance e, principalmente, as 24 Horas de Le Mans. Os responsáveis por isso eram os protótipos do Grupo C — com motores potentes, aerodinâmica avançada e capacidade para superar os 400 km/h, eles haviam tornado sua categoria quase tão popular quanto a Fórmula 1. Acontece que no fim dos anos 80 a Peugeot ainda não se considerava pronta para encarar aquela que era a nova elite do automobilismo. Carros como o Porsche 962, os Jaguar XJR-9 e XJR-12 e o Sauber-Mercedes C9 eram páreo duro.

Então, em 1990 a FIA anunciou que mudaria (novamente) as regras do Mundial de Endurance com o objetivo de nivelar a competição por cima, estabelecendo novas regras para motorização: em vez de motores turbinados capazes de chegar aos 900 cv, agora os protótipos deveriam ser equipados com motores aspirados de até 3,5 litros. Naturalmente, isto significava mais cilindros e capacidade para girar mais alto – nada muito diferente do que existia na Fórmula 1.

Para diversas equipes, em especial as independentes, era mais um motivo para odiar Jean-Marie Balestre, presidente da FIA na época — os motores V10 eram mais modernos e caros, e eventualmente forçaram estas equipes a abandonar a competição. Para grandes fabricantes, como a Peugeot, foi a oportunidade perfeita para entrar na competição nivelada com os adversários.

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Assim, ainda em 1990 a companhia francesa começou a trabalhar em seu novo protótipo para as 24 Horas de Le Mans. O projeto começou pelo desenvolvimento de um motor totalmente novo, de acordo com as regras recém-anunciadas. O V10 chamado SA35-A1 era todo de alumínio e deslocava exatos 3.499 cm³. Tinha comando duplo nos cabeçotes, quatro válvulas por cilindro e bancadas separadas por um ângulo de 80°.

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Com cilindros de 91 mm de diâmetro e curso dos pistões de míseros 53,8 mm, o V10 girava alto — os 650 cv vinham a 12.500 rpm — e roncava bonito. Contudo, um dos maiores trunfos do novo carro era seu modo de construção: com monocoque de fibra de carbono projetado e construído pela empresa de aviação Dassault Aerospace e o V10 atuando como componente estrutural, o Peugeot 905 era bastante semelhante a um carro de Fórmula 1 da época — algo que a Peugeot fez questão de disfarçar com uma carroceria de fibra de carbono bastante aerodinâmica que, na dianteira, trazia linhas que remetiam aos modelos de rua da companhia na época, e também a seus carros de rali. Com o uso de componentes leves, o Peugeot 905 pesava exatos 750 kg, como ditavam as novas regras.

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O trabalho de desenvolvimento foi cumprido em tempo recorde e, ainda em 1990, a Peugeot já tinha um carro pronto para competir nas últimas corridas da temporada, ainda que fosse um teste mais do que qualquer outra coisa. Os carros do Grupo C ainda podiam competir e, naturalmente, o 905 foi mais lento do que eles, porém mais rápido do que os outros carros que seguiam o novo regulamento. Contudo, o V10 ainda sofria com problemas mecânicos e a Peugeot decidiu concentrar-se em seu desenvolvimento para a temporada seguinte.

133 - 24 Heures du Mans 1991. Rosberg/ Dalmas/ Raphanel. Peugeot 905. Abandon

Para 1991 foram aperfeiçoados: agora, havia menos semelhanças com os carros de rua e, para melhorar o downforce, um grande splitter foi instalado na dianteira. Os motores também estavam mais potentes, com 670 cv (20 cv a mais).

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Nas 24 Horas de Le Mans de 1991 — a estreia do 905 no Circuito de La Sarthe —, a Peugeot foi a única equipe de fábrica a aderir ao novo regulamento. Teoricamente, os carros do Grupo C deveriam ter sido impedidos de correr, mas a obrigatoriedade do motor V10 causou uma debandada entre as outras equipes. Para não ficar com o grid vazio, a FIA permitiu que os antigos protótipos participassem ao menos desta corrida, mas os penalizou colocando cada um deles sete posições atrás daquela para a qual tinham se classificado. Isto colocou os Peugeot, que originalmente tinham se classificado em 3º e 8º, nas duas primeiras posições.

O Peugeot 905 em Paul Ricard

A pedra no sapato da Peugeot, desta vez, foi o Jaguar XJR-14. O novo protótipo projetado por Ross Brawn e construído pela Tom Walkinshaw Racing tinha, além de uma belíssima pintura toda roxa, um V8 de 3,5 litros e 650 cv projetado pela Cosworth. Em termos de velocidade, era comparável ao 905, porém era mais confiável.

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De fato, conseguiu três posições entre os cinco primeiros a cruzar a linha de chegada, atrás do Mazda 787B e na frente do Sauber C11 da Mercedes-Benz. Apesar disso, no resto da temporada a Peugeot se deu bem, voltando para casa com o vice-capeonato.

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Mudanças mais drásticas seriam necessárias se a Peugeot quisesse vencer no ano seguinte. A carroceria foi totalmente reprojetada e os problemas mecânicos (especialmente na bomba de combustível, ponto fraco do 905) foram resolvidos. Para melhorar as coisas, em 1992 boa parte dos grandes rivais decidiu abandonar o Mundial de Endurance, cuja popularidade estava caindo por causa dos grids cada vez mais vazios, e concentrar-se na Fórmula 1, aproveitando que seus motores eram mais do que apropriados para serem instalados nos monopostos.

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Além da Peugeot, a única equipe de fábrica que se inscreveu nas 24 Horas de Le Mans foi a Toyota, que estreava com seu TS010 e um V10 de 3,5 litros, como mandava o regulamento. Ele foi também seu único rival à altura, chegando em segundo lugar entre os dois Peugeot 905. O carro nº 1, com Derek Warwick, Yannick Dalmas e Mark Blundell ao volante fez uma corrida impecável, vencendo depois de completar 352 voltas.

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Com um pelotão de carros antigos de equipes independetes e arquibancadas bem menos abarrotadas, o Mundial de Endurance estava em visível decadência. Por isso, no ano seguinte, a FIA decidiu que não haveria campeonato. Porém, as 24 Horas de Le Mans foram disputadas e, novamente, o Peugeot 905 venceu a corrida — desta vez, nas três primeiras posições, à frente dos carros da Toyota e de todas as equipes independentes e seus protótipos comprados da Porsche.

Como se tivesse terminado de provar sua capacidade, a Peugeot também decidiu abandonar as corridas de protótipos e transformar seu V10 em um motor de Fórmula 1. Infelizmente, a aventura foi um fracasso — as equipes que usaram motores Peugeot, como a McLaren, a Total e a Prost, não foram muito bem. Assim, em 2000, a Peugeot decidiu voltar às origens e colocar o 206 para competir no WRC, em uma história que já contamos aqui.