No fim da Década de 60, Ford Mustang e Chevrolet Camaro eram os carros que todo mundo queria nos EUA — além de bonitos, rápidos, potentes e relativamente baratos, eles eram presença forte no automobilismo americano — leia-se, campeonatos de arrancada da NHRA, Nascar e turismo da Trans-Am. Faltava à Chrysler, a terceira grande de Detroit, um carro para fazer a mesma coisa.
Então, em 1969, vieram logo dois: o Dodge Challenger e o Plymouth Barracuda. O primeiro, naturalmente, é o mais lembrado — em parte graças a sua versão moderna, lançada em 2007 e que nesta semana se tornou o muscle car mais potente da história, o Challenger SRT Hellcat. O Barracuda, contudo, está por aí há mais tempo — o carro lançado em 1969 já era a terceira (e última) geração — e, para os fãs da Mopar e de muscle cars em geral, um verdadeiro ícone.
O Barracuda de primeira geração
A plataforma da terceira geração do Barracuda (e da primeira geração do Challenger) é a chamada E-Body. As duas gerações anteriores eram baseadas na plataforma A-Body — a mesma do Valiant e do Dodge Dart (o brasileiro, inclusive). Era um bom carro, mas não era exatamente o tipo que daria dor de cabeça à concorrência (especialmente ao Mustang): embora sua dirigibilidade fosse elogiada pela imprensa especializada, faltava a ele um motor mais potente — não por falta de vontade da Chrysler, mas por causa do cofre, que foi feito para os motores de seis cilindros em linha “slant-six” e para motores V8 menores. Não era impossível, claro, colocar um motor maior — vide os Hemi Dart e Barracuda 440.
O Santo Graal: Hemi ‘Cuda, com motor 426
Com a nova plataforma, este problema estava resolvido — com comprimento praticamente igual, porém muito mais larga, e balanços mais curtos, a E-Body permitia a instalação de qualquer motor disponível nas prateleiras da Mopar — dos slant-sixes aos big blocks. Além de, finalmente, ter uma boa arma na guerra dos então chamados pony cars, a nova plataforma foi feita pensando nas competições.
É bem sabido que o automobilismo tinha um papel importante no mercado automotivo americano. As fabricantes davam muita importância às corridas e destinavam parte considerável de seus recursos para colocar carros nas pistas, pois todos concordavam que vencer nas pistas com um carro parecido com o que as pessoas podiam comprar nas concessionárias era uma boa maneira de alavancar as vendas. Era a época da filosofia “win on sunday, sell on monday” — algo como “no domingo vence, na segunda vende”.
Naquela época, a maior força do automobilismo americano eram as arrancadas promovidas pela NHRA (National Hot Rod Association) desde o início da década de 50 — o que torna ainda mais curiosa a demora da Chrysler em reagir ao Mustang e ao Camaro, pois os Hemi da Mopar eram os carros dominantes.
Apesar do atraso, a nova plataforma era realmente boa — e seria muito bem aproveitada no automobilismo. Contudo, não na NHRA, pois o órgão passou a aplicar restrições cada vez maiores às arrancadas — os Hemi estavam papando tudo, e a competição estava começando a ficar desinteressante. Situação semelhante ocorria na NASCAR, que era dominada por Richard Petty e seus Plymouth equipados com motores 426 Hemi.
A alternativa, então, era a Trans-Am, campeonato criado pela SCCA em 1966 para que fabricantes americanos e de outros países colocassem versões preparadas de seus carros de rua. A Trans-Am era dividida em duas categorias — abaixo de 2,5 litros, na qual corriam principalmente sedãs europeus como o Alfa Romeo Giulia, e de 2,5 a cinco litros, reservada aos carros maiores (e normalmente americanos) como o Mustang e o Camaro. As competições eram realizadas em circuitos ovais ou convencionais, como Daytona ou Laguna Seca.
A plataforma E-Body acabou por ser desenvolvida com a Trans-Am em mente, e o Plymouth Barracuda logo virou carro de corrida. O motor era um small block de 340 pol³, também desenvolvido especialmente para a Trans-Am. O bloco era baseado no usado pelo V8 318 — o mesmo usado pelos Dodge nacionais, que até usaram motores importados nas primeiras unidades —, porém tinha o diâmetro dos cilindros ampliado em 103 mm. O curso dos pistões, contudo, continuava com os mesmos 84 mm.
A equipe que levou o Plymouth ‘Cuda era a All American Racers, fundada por ninguém menos que Dan Gurney e Carroll Shelby em 1964. A AAR competiu, de início, em categorias americanas usando Shelby Cobras e monopostos da Formula Ford, além de correr na IndyCar e na Fórmula 1. Contudo, em 1970, Gurney e David “Swede” Savage correram na Trans-Am ao volante de dois ‘Cuda idênticos.
O motor era uma versão de curso reduzido do V8 340 — tinham 305 pol³, ou cinco litros, para adequar-se à regras da SCCA para o deslocamento dos motores. Alimentado por um carburador quádruplo, a potência ficava na casa dos 440 cv. Eram carros absurdamente potentes na época, mas a concorrência era brava e, embora tenham conseguido três poles em 1970, os carros não venceram nenhuma corrida na Trans-Am.
Mas roncavam que era uma beleza
Apesar de seus resultados inexpressivos nas corridas, o ‘Cuda da All American Racers deixou um legado importante para os fãs da Mopar. As regras de homologação da SCCA exigiam que os carros de competição tivessem uma versão de rua de pelo menos 2.400 unidades. Naturalmente, a Plymouth cumpriu as regras e, entre março e abril de 1970, produziu o ‘Cuda AAR, que herdou o nome da equipe de Dan Gurney.
Os carros usavam o V8 340 sem redução no deslocamento. Além do comando de válvulas agressivo, das bielas e pistões forjados, a versão usada no ‘Cuda AAR tinha cabeçotes específicos de maior fluxo, coletor de admissão Edelbrock feito de alumínio e, mais importante, três carburadores Holley de corpo duplo — o famoso “Six Pack”. A potência bruta era de 294 cv declarados (a potência real ficava na casa dos 350 cv) a 5.000 rpm, com torque de 46,3 mkgf a 3.400 rpm — o suficiente para acelerar de 0 a 100 km/h em 5,8 segundos e fazer o quarto-de-milha (402m) em 14,4 segundos a mais de 160 km/h.
Esteticamente, o ‘Cuda AAR tinha várias diferenças em relação aos ‘Cuda normais. A mais notável era a faixa estriada na lateral acompanhada do logo da AAR nos para-lamas traseiros. O capô preto era feito de fibra de vidro e tinha um scoop funcional, e o spoiler dianteiro era composto de duas pequenas peças na parte inferior dos para-lamas dianteiros, na frente das rodas. A traseira trazia um lip do tipo “rabo de pato” na tampa do porta-malas, e a saída de escapamento ficava na lateral esquerda, em frente ao pneu.
Foram feitos 2.724 ‘Cuda AAR entre 10 de março e 17 de abril de 1970 — um período de produção de apenas seis semanas. Destes, 1.120 tinham câmbio manual de quatro marchas, enquanto os 1.614 restantes eram equipados com a transmissão automática TorqueFlite de três marchas.