Chegamos ao ponto absurdo no qual os supercarros de ponta possuem a obrigação moral de virar abaixo de 1:45 em Interlagos, algo impensável há uma década. É tempo suficiente para colocar alguns destes carros entre os primeiros no grid de uma categoria Força Livre. Ainda que tenhamos chegado a um nível de desempenho tão extremo que apenas um profissional (ou um amador com a habilidade comparável a um profissional) consiga extrair algo próximo ao limite do carro, há um fator que acompanha o mundo dos superesportivos e dos fanboys de cada marca desde sempre e que é o grande motivador dos tais recordes de Nürburgring: o troféu de rei da montanha. Bragging rights, sabe como é.
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Hoje, vamos trazer um ranking que têm incendiado grupos de WhattsApp de exclusivos e de track days. Ele é interessante por dois motivos: primeiro porque traz alguns carros que não possuem registros oficiais em Nürburgring, caso do McLaren 720S e da Ferrari 488 Pista. E depois porque subverte totalmente a referência de Nordschleife: o épico 911 GT2 RS sequer saboreou um pódio. E, ao menos na montanha francesa, a 488 Pista é a nova rainha.
Supercarros em Magny Cours
Estamos falando do “Eléction La Sportive 2018” da revista francesa Motor Sport (não confunda com a britânica Motorsport Magazine, focada em automobilismo), um especial bastante parecido com o “Best Driver’s Car” da norte-americana Motor Trend. Seus editores pinçaram dez lançamentos de 2018 para eleger o melhor esportivo: Alpine A110, Aston Martin Vantage, Audi RS4, BMW M2 Competition, BMW M5, Ferrari 488 Pista, Ford Fiesta ST, Lamborghini Huracán Performante, Lotus Exige Cup 430, McLaren 720S, Porsche 911 GT3 RS e Renault Mégane RS Pack Cup.
Se a casa da Motor Trend costuma ser Laguna Seca ou Willow Springs, a Motor Sport usa e abusa do Circuit de Nevers Magny-Cours, que sediou os GPs de Fórmula 1 entre 1991 e 2008. É uma pista de média velocidade, com apenas duas curvas longas e cinco de um total de doze curvas de baixa velocidade, e cinco trechos relativamente longos de carga plena no acelerador. A única curva de alta é o “S” que inicia o traçado, formado pela Grande Courbe e a famosa curva Estoril.
Notem que no “Eléction La Sportive 2018” não temos o 911 GT2 RS: a publicação deu preferência ao aspirado GT3 RS mark II, talvez por sua característica mais purista. Contudo, ao longo do ano a Motor Sport testou dezenas de superesportivos, incluindo o próprio GT2 RS, e quase sempre usando o mesmo piloto (Romain Monti, cuja carreira inclui participações na Porsche Cup, French GT, Trofeo Maserati e Blancpain GT Series), o que permite a ela formar um ranking transversal, como fazem Top Gear, Motor Trend, Acelerados e Fullpower, dentre outros.
E desta forma, assim que Monti pendurou o seu capacete no fim do “Eléction La Sportive” deste ano, o ranking de voltas mais rápidas da Motor Sport ficou assim:
Ferrari 488 Pista: 1:44,90
McLaren 720S: 1:47,05 (+2,15 s)
Huracán Performante: 1:47,52 (+2,62 s)
McLaren 675LT: 1:48,00 (+3,1 s)
Porsche 911 GT2 RS: 1:48,74 (+3,84 s)
Porsche 911 GT3 RS: 1:50,36 (+5,46 s)
Corvette C7 Z06: 1:51,30 (+6,4 s)
AMG GT R: 1:51,85 (+6,95 s)
Acompanhe abaixo a volta on board de Romain Monti a bordo da Ferrari 488 Pista:
Em paralelo às voltas rápidas no circuito completo, a Motor Sport também realiza um ranking no Magny Cours Club, um circuito à parte feito para escolas de pilotagem (note a ausência de muros e guard rails em todo o perímetro da pista), e neste, o ranking é constituído por voltas realizadas pelos editores da publicação:
Ferrari 488 Pista: 1:16,06
McLaren 720S: 1:16,80 (+0,74 s)
Huracán Performante: 1:17,17 (+1,11 s)
Porsche 911 GT2 RS: 1:17,36 (+1,3 s)
McLaren 675LT: 1:17,48 (+1,42 s)
Corvette C7 Z06: 1:18,48 (+2,42 s)
911 GT3: 1:18,85 (+2,79 s)
Corvette Grand Sport: 1:19:00 (+ 2,94 s)
Lotus 3 Eleven: 1:19,20 (+3,14 s)
Porsche 911 GT3 RS: 1:19,32 (+3,26 s)
Defesas, ataques e polêmicas
A esta altura, a temperatura do óleo dos fãs de Porsche e de McLaren está beirando os 150º C. Não apenas o 720S e o 911 GT2 RS foram destronados como foram destroçados: o McLaren amargou 2,15 s de margem e o Porsche ficou 3,84 s atrás. De fato a primeira coisa que me chamou a atenção não foi a ordem dos carros: é natural que, dependendo da configuração das curvas, uniformidade da superfície e mesmo a temperatura e o tipo de asfalto, um ou outro esportivo leve vantagem. No caso, Magny Cours é uma pista mais voltada para motor: cinco longos trechos de aceleração plena e quase metade das curvas formadas por grampos.
O que realmente achei estranho foi a margem: quatro segundos é o que costuma separar um 911 GTS de um 911 GT3 RS em Interlagos. É coisa demais.
Elementos fundamentais para se levar em conta. O tempo de volta do GT2 RS foi realizado com uma desvantagem sólida – os pneus de série Michelin Sport Cup 2. Tanto o GT2 RS recordista de Nürburgring quanto a Ferrari 488 Pista que cravou o recorde de Magny Cours calçaram os Sport Cup 2 R, opcional para o GT2 RS que não estava presente na volta realizada por Monti em setembro (vídeo abaixo).
Esta letra traz uma diferença de performance muito grande (espere algo na casa de 2 a 3s numa pista como Interlagos), comparável ao gap que existe entre o Pirelli P Zero Corsa e o P Zero Trofeo R – por sinal, este último estava equipando os Porsche 911 GT2 e GT3 RS e a Ferrari 488 Pista que estavam expostas no Salão do Automóvel de São Paulo. O Trofeo R é também o pneu que o McLaren 720S estava calçando na volta realizada por Monti e nisso, é importante pontuar algo: a Ferrari 488 Pista é a versão hardcore da 488 GTB, continuando o legado de 360 Challenge Stradale, 430 Scuderia e 458 Speciale. O carro da McLaren que seria seu rival real seria a versão LT, que ainda não existe.
Além do fator circuito e pneus, pode-se, no limite da discussão, falar sobre o estilo de pilotagem particular de Monti, cuja característica é de realizar um turn-in (entrada de curva) muito agressivo acompanhado de muita oscilação no volante, o que resulta em uma provocação ao sobre-esterço. Dependendo do setup do carro, isso é contraproducente, especialmente nos 911, que possuem motor traseiro. Comparando os on boards, fica claro que o GT2 RS não foi tão produtivo com esse estilo, destracionando em trechos importantes como a saída da Estoril (acerto de neutro para sobre-esterçante, veja aos 13s e 17s do vídeo acima), enquanto a 488 Pista, com pneus mais macios e um setup possivelmente mais amigável a provocações (acerto mais sub-esterçante), não se afetou tanto com as provocações (veja aos 43s do vídeo abaixo):
Resumo da Ópera? Fãs da Porsche podem clamar que a justiça só aconteceria com o GT2 RS calçando os Cup 2 R ou Trofeo R e talvez com um piloto mais suave nas transferências de carga. Fãs da McLaren podem clamar que o comparativo justo seria com um McLaren que ainda não existe, o 7XX LT. Fãs da Ferrari, façam a festa. Ao menos em Magny Cours, ela é a nova rainha da montanha. Podem se gabar.