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Técnica

Por que a Nissan apostou na tração dianteira para vencer com o GT-R LM Nismo?

No começo do ano a Nissan apresentou seu excêntrico protótipo GT-R LM Nismo, que irá disputar as 24 Horas de Le Mans. “Excêntrico”, pois quando se fala em protótipos de Le Mans, pensamos em algo como o Porsche 917 ou o Audi R18 e-tron, com seus motores centrais girando as rodas traseiras. O GT-R LM Nismo não é como esses dois alemães: seu motor fica na dianteira e a tração também.

Sim: você leu aqui que esse carro teria tração integral por demanda — e ele de fato teve, mas em uma versão passada. A versão 2015 do GT-R LM irá disputar as 24 Horas de Le Mans deste ano com tração somente na dianteira. Por quê? Bem, o discurso redigido pelo pessoal do marketing neste vídeo bacana da Nismo TV fala que o capô longo permite uma maior superfície de contato com o fluxo de ar, maximizando a downforce e a velocidade em curvas, e também torna o carro mais eficiente nas longas retas de La Sarthe.

Como? A marca não deixa claro, mas Jason Fenske, o engenheiro mecânico youtuber do canal “Engineering Explained” conversou com a equipe técnica e descobriu os detalhes. Veja só:

Apesar de parecer papo de marketing para jornalistas leigos no assunto, a dianteira longa realmente ajuda na eficiência aerodinâmica. Tem a ver com algo chamado “centro de pressão aerodinâmica” e como isso se relaciona com o centro de gravidade do carro — e também com o regulamento técnico da categoria.

Para tornar o carro mais equilibrado e neutro, é importante manter o centro de pressão aerodinâmica o mais próximo possível do centro de gravidade do carro. Em um carro de tração dianteira, se o centro de pressão aerodinâmica estiver atrás do centro de gravidade, o carro se tornará sub-esterçante, pois a carga sobre os pneus traseiros será mais alta que nos dianteiros. Nos carros de tração traseira o centro de pressão aerodinâmica fica à frente do centro de gravidade, assim os engenheiros tentam recuar este centro de pressão para que ele esteja mais próximo do centro de gravidade.

Mas o regulamento tenta barrar as soluções para aumentar a competitividade e forçar a criatividade dos projetos. As regras restringem significativamente as dimensões e instalação da asa traseira e do difusor, mas a dianteira é bem menos engessada. Na prática, como observou Jason, o regulamento permite que a Nissan faça o que todos estão tentando fazer — só que ao contrário! Dessa forma, o centro de pressão aerodinâmica fica exatamente sobre o centro de gravidade, tornando o carro mais equilibrado e eliminando a tendência sub-esterçante que você imagina quando vê um carro com motor e tração dianteiros.

Outro motivo que levou a Nissan a adotar a tração dianteira é a recuperação de energia. Aqui tudo é uma questão de transferência de peso. Os sistemas de recuperação de energia estão instalados nas rodas dianteiras — uma questão de simplificação de construção, redução de peso e, claro, limitações do regulamento.

Como a maior parte do peso do Nissan já está na dianteira, a carga sobre o eixo dianteiro nas frenagens será maior que a de seus rivais. Isso significa que o GT-R LM teoricamente é capaz de armazenar mais energia recuperada das frenagens. Em carros de corrida híbridos, você sabe, eletricidade é potência.

O terceiro motivo volta à questão da aerodinâmica mencionada pelo jovem Jan Mardenborough no vídeo promocional da equipe: com motor e câmbio na dianteira, a traseira do carro fica vazia — e com espaço de sobra para trabalhar a aerodinâmica. Foi exatamente o que a Nismo fez: os dutos aerodinâmicos que cruzam longitudinalmente o carro auxiliam a reduzir a área frontal.

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Os dutos começam nesses buracos negros ao redor da parede corta-fogo…

Em um LMP1 comum, o ar que entra por baixo do carro é levado para cima pelo difusor dianteiro e sai pelas laterais (para não causar sustentação aerodinâmica). Quando esse ar sai pelas laterais, ele criando uma espécie de barreira de ar que causa resistência aerodinâmica. No GT-R LM Nismo, os difusores enviam o ar para os dutos que se estendem e saem na traseira do carro, logo acima do difusor traseiro. Isso reduz a área frontal, tornando o carro mais rápido e eficiente.

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… e terminam na traseira, logo acima do difusor.

Por último, a traseira “livre” do carro permite a adoção de um difusor traseiro mais largo e pneus mais estreitos. Nos LMP1, tal como nos F1, o difusor traseiro de dois andares é proibido (agradeça a Ross Brawn) e é limitado pelo espaço entre as rodas traseiras. Como o GT-R LM usa pneus mais estreitos na traseira, de 225 mm, a Nismo pôde usar um difusor mais largo que o dos rivais, que precisam usar pneus 355 para ter mais aderência e tração. Faça as contas: são 130 mm a mais de cada lado, ou 260 mm no total.

Além disso, o espaço entre a roda traseira e a parede do difusor causa uma turbulência que afeta a eficiência do difusor — quanto mais próximo mais turbulência é “jogada” na saída do difusor. Com pneus mais estreitos a Nismo conseguiu afastar esta turbulência da saída do difusor, tornando-o duplamente mais eficiente que o de seus rivais.

Depois desta explicação a adoção da tração dianteira faz muito mais sentido. Especialmente se você considerar que a Nissan não terá um investimento maciço como Audi, Porsche e Toyota. Como disse o designer do carro, Ben Bowlby, em entrevista à Road & Track, a opção por um projeto tão diferente era o único caminho a seguir. A Nissan não teria chances contra os três cachorros grandes do WEC se optasse por um híbrido de tração traseira ou integral e motor central-traseiro, e esse layout bizarro do GT-R LM traz algumas vantagens teóricas em relação aos rivais. Resta saber como isso vai se sair na prática.