Lembro como se fosse hoje: era um chuvoso nove de março, feriado de aniversário da cidade em que resido (Joinville/SC). Acordei e corriqueiramente abri o grupo do WhatsApp para ver o que tinha se passado durante a madrugada e qual tinha sido o desfecho do assunto discutido na noite anterior, que por acaso eram as motos e mais especificamente, as cafés racers. Aqui já começo a elencar alguns dos “culpados”. O grupo o qual me refiro, é chamado carinhosamente por nós de “Marijuana Performance” (vulgos maconheiros – do substantivo Maconha: carros e motos que ninguém pensa em comprar quanto mais preparar; mas que caras como nós compra um, dois, três e acumula quantos forem possíveis). Coloco eles como primeiros culpados pois eu (prazer, me chamo Guilherme, Engenheiro de Manutenção, 24 anos), mesmo sendo apaixonado por tudo que tinha rodas, já tendo moto em casa, pais motociclistas, ainda não tinha criado coragem para encarar a construção da minha sonhada café e por “culpa” desses caras, naquela manhã eu acordei com a vontade mais que aguçada.
Falando um pouco mais de mim, como todo bom menino, cresci arrastando carrinho no chão. Não cresci dentro de oficina, nem tive ninguém que me incentivou fortemente, tudo que aprendi foi sozinho, com amigos e lendo o que podia. Como todo gearhead, tudo que ganhava e ganho de dinheiro vai pra algo que tenha motor e por isso, pouco tempo antes daquele 9 de março, resolvi que iria realizar meu sonho de comprar um carro turbo, e assim comprei um Citroen DS3, um carro comprado zero, com a promessa de manter original (quem nunca né?!) mas que veio e virou meu laboratório (troquei turbina, downpipe, freios, suspensão e tudo que podia – em casa).
Foi por causa desse carro (que hoje habita a garagem de um grande amigo meu), desse hobby e dessa vontade de fuçar que conheci algumas das pessoas que diretamente auxiliaram no ponta pé para o projeto “CB Café com Leite.”. Sim, os caras do “Marijuana” que falei acima!
Esquecendo os maconheiros e voltando ao dia nove de março, saí da cama depois de ver todas as fotos de referências que – sem querer- os maconheiros tinham entupido o meu celular e pensei: “Vou procurar uma CB400/450 para dar uma olhada nos preços, avaliar as bases e quem sabe planejar a construção”.
Foi o que fiz, abri um único grupo de classificados do facebook e escrevi – PROCURO CB 400 ou 450 EM BOM ESTADO. Apenas uma pessoa comentou, mas não tinha fotos e me disse que a moto estava parada há bastante tempo. Resolvi apenas dar uma olhada (isso foi o que eu disse para minha mãe, mas eu saí de casa com dinheiro no bolso disposto a voltar com a CB – ou quase isso pois sabia que ela provavelmente não iria andar).
Aqui aparece o segundo culpado ou culpada, minha namorada, amiga e futura mãe do Davi, Taciane. Alguém que apoia e incentiva qualquer loucura ou vontade que eu tenha que envolva rodas e motores. Como costume, Taci chegou na minha casa para almoçar o risoto que tanto adora , me deu bom dia e antes de qualquer ouviu de mim: ”Amor, hoje não vamos tirar nosso cochilo. Vamos almoçar e sair para comprar uma moto”. Ela me olhou assustada, como sempre faz, mas também como sempre só durou alguns segundos.. logo ela abriu um sorriso e disse “Só você mesmo, vamos sim! Mas não é moto de corrida né?” (a contrapartida para ela me apoiar sempre é: jamais comprar uma moto esportiva).
E assim fizemos, almoçamos e nos preparamos para ir olhar a CB. Só que tinha um problema: eu não podia ir sozinho. Não entendia muito das CB e resolvi ligar para alguém que já teve uma CB ou várias delas. Coloco essa pessoa como o terceiro culpado e um dos caras responsáveis diretamente por tudo isso ter acontecido, o Fernando.
Fernando é um amigo meu de longa data, e um dia há seis anos eu entrei no Rancho Soluções Automotivas – de propriedade do próprio Fernando, especializada em jipes e todo aquele tipo de serviço de adaptação que nenhuma outra oficina aceitaria fazer – com meu primeiro e finado carro, um Gol, pedindo uma força para tirar meia volta da mola traseira e acertar a altura. A grande verdade é que desde aquele dia, eu nunca mais fui embora do Rancho, que se tornou praticamente minha segunda casa durante esses anos.
Esquecendo um pouco os culpados e voltando à compra da moto, poucos minutos no telefone explicando para o Fernando o que queria com a CB foram suficientes para mais uma vez, como sempre em todos esses anos, ele topar me ajudar. E assim fomos, eu, Taci, Fernando , Kelly (esposa do Fernando, nossa apoiadora e que com muita paciência me aguenta praticamente todos os dias lá na casa dela) além é claro do Tuy (Arthur, filho do Fernando, meu amiguinho e uma criança linda e que vive conosco dentro da oficina – é a geração futura de projetos do Rancho!)
Equipe reunida, partimos. Ainda chovia muito, afinal estamos em Joinville e tivemos que nos espremer nos guarda chuvas que tínhamos. A proprietária da moto nos esperava na portaria do prédio e fomos direto ao assunto. Qualquer pessoa normal olharia a moto e jamais pensaria em comprar, várias marcas, poeira, carenagens quebradas (vítimas da ótima motorista que usava o “TOC” da encostada na moto como sensor de estacionamento).
A primeira percepção: de fato a moto estava parada fazia tempo, tempo esse suficiente para terem pintado a parede do prédio sem nem afastar ela do local e assim transformá-la praticamente em um monumento histórico perdido em meio a tantos carros modernos.
A verdade é que eu pouco me importava, na hora eu já senti que seria ela. Bastante original, baixíssima quilometragem, e documento em dia me convenceram a fazer uma proposta que prontamente foi aceita pela proprietária. Agora eu tinha a base. Faltava o resto – ou melhor, a parte difícil.
Combinamos a data e fomos buscar a moto. Com os pneus vazios, empurramos todo aquele monte de ferro e sujeira pra cima da picape e fomos direto à oficina com uma única missão: Ela deveria ir andando fazer a vistoria de transferência, e passar de primeira!
E assim de fato a parte difícil (e mais legal) efetivamente iniciou com o primeiro banho, uma boa dose de desengraxante e pasmem, cera no tanque!
Depois do salão de beleza, era hora de fazer ela funcionar. Desmontamos os carburadores, trocamos o kit de reparo, bateria emprestada, bastante WD40 e vrau! Pela primeira vez escutamos o dois-cilindros em linha urrar pelos escapes – ou não- já que deixamos a moto sem as ponteiras, pois desde que a comprei, era a coisa que mais me incomodava, os benditos escapes vermelhos (que eu fui saber muito depois que apesar de horríveis, eram acessórios de época e bastante valorizados no mercado).
Moto funcionando, pisca, buzina, farol, tudo ok! Vistoria agendada, mas faltava algo. Claro, o primeiro rolê! Pra isso resolvi fazer uma coisa um pouco diferente, como tenho vários conhecidos com carros dos anos 80/90, convidei todo mundo para fazermos um Back to 90’s e irmos ao posto como toda quinta-feira, só que desta vez todos com os carros antigos.
Foi nesse encontro que percebi a primeira característica das CBS. Como elas esquentam! Por conta da bateria ser pequena para a moto, eu não podia desligar ela por muito tempo então acabei deixando ligada e quando olhei para os coletores de escape, tomei um susto: estavam incandescentes.
Resolvi não arriscar, levei ela pra casa e dali ela só sairia para a vistoria, a qual marcaria de fato o início do processo de customização.
A moto cumpriu a parte dela no acordo – passou de primeira – e eu não poderia deixar de cumprir a minha. Nascido em São Paulo e com praticamente toda minha família morando lá, aproveitei uma visita e voltei com as malas cheias de peças. Foi a primeira (de muitas outras) compras de mimos para o projeto e o início da desmontagem para montagem do lego.
Todo esse processo durou cerca de vinte dias — vinte dias de pessoas me dizendo para não cortar a moto, para restaurar e deixar original, gente chateada, gente triste, mas principalmente, de gente dizendo “Vai, corta, faz logo, por que ainda não começou?” e foi assim que eu fiz e é isso que vocês verão no próximo post, até lá!
Por Guilherme Santos, Project Cars #310