Naturalmente, naquela altura do campeonato, o fator novidade do Monza tinha feito ele passar na frente na fila dos consertos. Portanto, alguns trocados que estavam guardados pra continuação da restauração do Kadett foram diretamente redirecionados pra revisão do novo integrante da garagem.
Como já diria meu velho, “num carro pode faltar tudo, menos freio”. Naturalmente, ele foi o primeiro, e como por aqui o dinheiro nunca foi do porte de sobrar, sempre que podia fazia alguma coisa em casa. Afinal de contas, quem mexeria no meu carro teria os mesmos dois braços e as mesmas duas mãos que eu. A diferença é que eles iam cobrar pra mexer no meu carro e muitas vezes ainda o fariam sem o carinho que só o dono tem.
DIY, sempre que possível, lógico.
Portanto, fui pra casa do amigo do Fusca, que tinha um espaço razoável no quintal, um jogo de ferramentas decente, e ainda era mais um pra ajudar a desmontar os freios. Quando tudo foi pra fora, as pastilhas de freio praticamente ausentes acompanhavam um par de discos de freio riscados e empenados, junto com um jogo de pinças travadas. Tudo ó: uma maravilha.
Fui à caça do kit de freio: discos e pastilhas novos, uns vidrinhos de fluido de freio e um jogo de pinças usadas, as mesmas para toda a linha Monza e Kadett. Voltei à casa dele, montamos tudo no lugar e fizemos a sangria, mas o pedal ainda precisava ser bombeado algumas vezes antes do freio pegar.
“Normal, depois melhora”. E fui pra casa.
No espaço de cinco quilômetros entre as duas casas, o freio precisava cada vez de mais bombadas pra pegar, pegada essa que enfraquecia à medida que o freio era usado. “Nada, impressão minha”. Mesmo com o fator de confiança na lua, ia devagar pra não passar nenhum susto. Mas como não poderia deixar de ser, bastou apontar o carro pra entrada de casa que o pedal de freio foi no chão e eu entrei na residência com portão e tudo.
Quando o “freio a portão” parou o carro (que obviamente apagou), minha única reação foi olhar sobre o painel pra ver a dimensão da situação e, na confusão de reações, comecei a rir. Alto. Perto dali, uma amiga da minha irmã, que a esperava do lado de fora, já tinha começado a ligar pra polícia pensando se tratar de algum tipo de ataque. Na verdade, não sei exatamente o que ela pensou, mas acho que a reação foi válida. Eu também teria me assustado.
Desci e vi que fora um arranhado ou outro na pintura que já não era essas coisas, não havia prejuízo. Tirei o portão de cima do carro e o empurrei até a garagem já pensando no que diabos poderia estar acontecendo, já que, teoricamente, a gente tinha feito tudo direito.
Nessas horas, outra sabedoria do meu pai que diz que “mais vale um amigo na praça do que dinheiro no caixa” serve como uma luva. Expliquei a história pra um amigo ex-Kadetteiro que teve uma oficina por muito tempo e sabia de cór e salteado as manhas dos Chevrolet. Uma das primeiras perguntas que ele me fez foi: “montou as pinças do lado certo?”
“Lógico, Luiz. Encaixou direitinho, ficou tudo bem preso.”
“Lógico não. Você sabe que elas têm lado certo, né? O parafuso da sangria ficou pra cima ou pra baixo?”
“Sei lá. E que diferença isso faz?”
“Se ficar pra baixo, pode sangrar até o resto da vida que vai continuar entrando ar no sistema.”
Cara de paisagem.
“Ôxe. É mesmo?”
Não deu outra: fui olhar e o safado do parafuso tava pra baixo. Ali mesmo, com a chave de rodas (dá pra soltar a pinça com ela) e uns macacos, inverti as duas, sangrei o freio e finalmente ele prestou. Mais uma pro arquivo.
Crianças, não façam isso em casa.
Já com o parafuso da sangria pro lado certo: pra cima.
Nos dias que se seguiram, continuei pela suspensão: foram trocados amortecedores, buchas, batentes e afins, além do eixo traseiro ser devidamente desempenado. Na rampa de alinhamento, uma surpresa boa no meio de tanto susto: o assoalho do carro até que não estava tão ruim!
Depois, enquanto um picareta me condenava a caixa de direção e me cobrava razoáveis dinheiros por uma um pouco menos pior, o vizinho de loja, um tal “Maranhão”, deu a primeira revisão no carburador de corpo duplo, Solex BLFA, limpando com um CAR 80, trocando reparos e juntas, colocando os giclês certos e regulando.
Depois, duas juntas homocinéticas e um hidrovácuo novos, pra fechar a conta. Muita coisa, mas o pior é que eu me divertia vendo o carro se levantando aos poucos. Explicar isso pros amigos era dureza, mas depois de um tempo acabei não me importando mais: quem era pra entender, entendia sem explicação, e quem não entendia, não adiantava explicar. Melhor assim.
Naquela semana, já com o caixa praticamente zerado, comprei uma lata de spray cromado pro refletor do farol direito, uma de spray preto pra traseira que tinha uns amassados meio enferrujados, e um pedaço de vinil preto pro teto, pra esconder um pouco do vitiligo. Tudo bem porco, mas pra passar na vistoria enganou muito bem.
Carro transferido e funcionando, finalmente comecei usá-lo no dia a dia e aos poucos fui conhecendo-o mais a fundo. O desempenho do motor continuava longe do ideal para um carro esportivo (e algo me dizia que mesmo se estivesse a 100%, ainda não iria me agradar), mas uma curva ou outra mais quente já faziam a dinâmica daquele carro começar a me surpreender. Inevitavelmente, isso acabou acordando a lombriga, que foi fazendo a cabeça começar a pensar no futuro…
Uma das curvas preferidas, voltando da faculdade. Brasilienses conhecerão.
Nas cenas do próximo capítulo, o estudo da preparação, a primeira experiência do carro no autódromo, e a decisão final do motor (ou pelo menos por enquanto)… até lá!
Por Sherman Vito, Project Cars #112