Bom dia, confrades gearheads. Primeiramente gostaria de dizer que para mim é uma honra poder participar do Project Cars, com mais um representante de minha “prole de metal”. Desta vez com um carro “all stock”, ou quase isso.
Hoje eu irei apresentar vocês o meu primeiro carro. Foi com ele que tudo começou. Apelidado carinhosamente de “Panzer” uma vez que é uma máquina de sangue alemão, este carro deu muitas provas de sua resistência e durabilidade, como um verdadeiro tanque de guerra.
De acordo com o que foi proposto nesta seção de Project Cars rápidos, irei descrever sucintamente minha convivência com o clássico de motor AP da Volkswagen. Neste tópico irei abordar sobre a compra do carro e minhas primeiras impressões. No post seguinte irei contar os detalhes da leve “restauração” e veneno que ele recebeu a partir de 2011. Para encerra, no último post farei um vídeo de como o carro ficou após a restauração e também minhas pretensões futuras de colocar a placa preta… digo, a tal placa de letras cinza que passará a valer a partir de 2018.
Então vamos adiante. Espero que a história, ou bate-papo, desperte o interesse principalmente daqueles que estão para escolher um primeiro carro para chamar de seu.
De uma compra racional ao despertar para vida gearhead
Se hoje eu posso me considerar um gearhead, eu atribuo grande parte desse apelo ao meu primeiro carro. Tudo bem que eu também tive meu avô e minha mãe como grandes influências da cultura automotiva na infância, e que já cultivava aquele sonho de ter um Mitsubishi Eclipse GS-T na garagem desde moleque – mas vamos separar os fatos, a menos que você seja muito sortudo de ter quem financie o “seu primeiro carro dos sonhos” ou então seja filho de algum piloto, ou mecânico, seu primeiro contato real com a máquina geralmente ocorre quando você consegue comprar o seu primeiro carro, este sim é o marco de entrada na sua nova vida de gasolina, óleo e metal!!!
E porque eu acho que o primeiro carro é um marco importante?
Porque podemos até um dia vende-lo, mas ele nunca será esquecido. Ele deixa uma marca permanente em seu dono gearhead sem dúvida nenhuma.
Antes de prosseguir, vamos regressar para uma época quando as pessoas desfrutavam dos prazeres da simplicidade oferecidos pelos carros, quando carro tinha menos gadgets do que mecânica, e porque não uma homenagem em vídeo?
Continuando, sou daqueles caras que acreditam que carro é sim uma extensão de nossos próprios corpos e que por isso transmitem personalidade. Na época em que eu estava à procura de meu primeiro carro eu tinha isso muito solidificado em minha cabeça.
Obviamente eu não tinha grana para comprar um carro zero — eram tempos difíceis e naquele ano de 2005 eu estava no segundo ano do Colégio Naval (CN) em Angra dos Reis/RJ. Estudava pesado em um colégio em regime de semi-internato, por isso eu só voltava para casa aos fins de semana.
Como eu morava na região de Resende/RJ e o CN ficava em Angra dos Reis eu tinha que acordar muito cedo na segunda feira para ir estudar. Saía de casa às duas da manha, minha mãe me levava até a rodoviária de Barra Mansa (uma viagem de 45 minutos, saindo de Resende) para pegar um ônibus às 3:00 e chegar até às 9:00 no CN.
Minhas passagens de ônibus eram bancadas por um adicional de “vale transporte” ao meu “soldo simbólico” de R$290. Então até ai tudo bem, eu tinha meios para ir e vir do colégio e tbm contava com a ajuda da minha mãe…
…só que no inicio do ano seguinte, alguém da administração do CN resolveu cortar todos os subsídios de vale transporte dos alunos, e desta maneira eu praticamente pagava para ir e vir. Estava na hora de eu colocar meu plano em execução: já que eu deveria de pagar para chegar até o CN então porque não aproveitar duas felizes coincidências, a primeira é que eu havia completado os 18 anos e estava em posse de uma CNH fresquinha em minha mão a segunda é que somando minhas economias reunidas até então eu tinha algo próximo dos R$6.500, que era uma mixaria, mas já dava para bancar um carro.
Desta maneira iniciei minhas buscas, meu plano inicial envolvia a compra de um carro de manutenção barata, peças fáceis de encontrar, resistente e que possuísse um motor minimamente adequado para realizar viagens curtas na estrada, pegando serra e ladeiras, que fosse confortável e espaçoso na medida certa para eu carregar minha bagagem (roupas e material de estudo semanais).
Com essas características eu saí em busca de um Gol quadrado GL 1.8, uma Parati quadrada, um Voyage ou seus equivalentes da Ford. O problema é que com a grana que eu tinha, até mesmo na época, encontrar um destes em boas condições não era tarefa fácil.
A busca terminou quando minha mãe foi reparar o para-brisas de seu carro que havia sido trincado na Dutra por causa de pedriscos. Eu acompanhei ela até a oficina de reparação de para-brisas e lá deparei com um incrível Gol GTi amarelo e cinza. Neste momento você deve estar perguntando: “O cara não tinha grana nem para um Gol CL e agora tava querendo um GTi?” Pior: nem a venda o carro estava.
De fato o carro era do dono da oficina e não estava a venda. Minha mãe até entrou na brincadeira de ofertar dinheiro para convencer o proprietário a vender o GTI, pois caso não estejam recordados, meu avô teve um desses e por isso até minha mãe se interessou pelo carro, só que a resposta foi um sonoro não.
Até o momento não sabíamos que o cara não tinha apenas o GTi. Depois de muito insistir, reparamos encostado num canto, com a traseira toda desmontada, outro VW, branco e quadrado, o carro tinha duas portas, seu interior, bancos recaro… seria um raro modelo de Santana???
– Não lhe interessa vender esse GTi? Então que tal uma oferta pelo Santana ali no canto? Elé é seu? Quer Vender?
A resposta do homem foi com um sorriso, de fato o carro era dele e como havia ocorrido com o Gol, ele provavelmente não me venderia… se não fosse por um feliz comentário de um amigo do mecânico que estava assistindo aquela cena curiosa sem se pronunciar até então.
– Ah, cara, vende o Santana pra eles, você ainda não montou o som nele, e ta precisando de grana, se eu fosse você eu vendia.
Receoso de inicio, aquilo foi uma brecha que precisávamos para uma negociação. O carro estava muito inteiro de lata e de mecânica e desta forma fechamos negocio, por R$9.000 (50% a mais do meu orçamento inicial), meu primeiro carro, e também minha primeira dívida. Ao menos as dívidas em família são muito mais fáceis de pagar… e ela seria paga, no decorrer dos anos seguintes.
O carro que eu tinha em mãos – A parte boa
Como eu disse, o carro estava muito inteiro de lata e de mecânica. Marcava 42.000 km no momento da aquisição e o interior cheirava um pouco a cigarro, mas nada que uma limpeza e um odorizador não resolvessem.
Carroceria do carro selada, sem badges sport…
O motor AP 2.000 agrada. Tem bom torque e combinado com o câmbio, um pouco curto nas quatro primeiras marchas, o comportamento do carro fica mais esperto nas acelerações. Já a quinta marcha é o que conhecemos como um overdrive — sua finalidade é economizar combustível em viagens em alta velocidade mantendo o giro do motor mais baixo (totalmente adequado para o propósito de fazer minhas viagens para o colégio, não é mesmo?).
Todos os meus amigos e familiares que andavam no carro diziam que o carro andava bem, com seu valente motor de 116 cv, mecânica semelhante à do Gol GTi. A diferença na performance basicamente é em decorrência na diferença de peso entre os dois carros, consideravelmente maior no Santana — 1.180kg contra os 990kg do Gol GTi.
Entretanto ele tinha (como no GTi) direção hidráulica e isso era muito útil para quem estava com CNH provisória ainda nas mãos. O conforto também não era deixado de lado: o Santana Sport é dotado de fabrica com os bancos Recaro de abas largas, muito confortáveis e que oferecem apoio nas curvas.
Sua distribuição de peso é algo que merece a atenção dos desavisados (eu percebi isso na pratica) por deixar a traseira do carro um pouco mais solta do que muitos motoristas iniciantes gostariam. Apesar disso, não é um problema para nós gearheads, apenas uma característica do carro.
Outros acessórios que vinham no carro eram farol de milha, ar-condicionado, trio elétrico e painel com grafia avermelhada, semelhante ao do Gol GTi.
Em relação as rodas, o carro originalmente viria com as famosas Orbital de 14 polegadas, igual ao Gol GTi, mas quando eu comprei estavam usando rodas Scorro de 15 polegadas que na minha opinião combinavam perfeitamente.
Interior, bancos Recaro, painel de instrumentos
Em termos de imagem, o carro basicamente tem um estilo sóbrio, alguns poderão dizer que o carro é de tiozão, de taxista (muitos amigos meus o chamavam de “Taxi”) porém hoje em dia considero discreto na medida certa para se tornar um belo clássico.
O carro que eu tinha em mãos – A parte ruim:
Porém nada era perfeito, o carro tinha alguns problemas que fui perceber um pouco depois de comprar, coisas que eu poderia ter visto no momento da compra, mas que provavelmente não iriam mudar a decisão de comprar.
Curioso que depois de comprar o carro fiquei sabendo da pior maneira possível de algo que pode ter motivado a venda do Santana. Ele havia sofrido um acidente com a queda de um tronco de arvore sobre o porta-malas, o antigo proprietário tinha acabado de consertar o estrago e estava remontando o som automotivo. Esta herança maldita estava fazendo com que o porta-malas do carro se abrisse repentinamente, ao passar um quebra-molas por exemplo. Descobrimos isso ao levar o carro na VW de Resende para reparo, um funcionário de lá disse que havia visto esse carro com o antigo dono. Ele havia feito um orçamento de algumas peças e da funilaria, mas desistiu de fazer o serviço e não voltou à autorizada. Por isso o trabalho de funilaria não havia sido muito bem feito e o porta-malas estava com a tampa desalinhada.
Felizmente o reparo não foi dos mais difíceis, apenas uma correção e solda nas hastes das dobradiças da tampa e o problema foi eliminado de vez.
O segundo problema crônico de um Santana, é a tradicional goteira no porta-malas. No início pensei que pudesse também estar relacionado com a avaria na tampa, contudo depois de algumas pesquisas na internet, verifiquei que trata-se de uma coisa comum no modelo e que felizmente isso é algo fácil de resolver usando silicone e algumas borrachas bem posicionadas.
Os demais problemas, que tive (até 2011) foram causados apenas pela degradação mecânica natural do uso diário. E olha que ele foi meu carro principal de junho de 2005 a 2011. Segundo meus cálculos (o odômetro quebrou na casa dos 60.000km) percorri cerca de 140.000 km com este carro, a maioria deles, indo e vindo na Dutra, trocando apenas óleo, pneus, pastilha de freios, um jogo de correias dentadas, bomba de combustível, bomba de água, radiador e uma tampa de distribuidor. Certamente minha escolha não podia ser mais acertada! Sempre que o carro dava um problema, uma das melhores características mecânicas dele era essa simplicidade e espaço no cofre dianteiro o que tornava tudo mais fácil.
Olha que espação para trabalhar e aprender a mecânica, não é bem mais tranquilo assim?
E o que veio em seguida?
Nesses 140.000km, muitas vezes com o carro lotado de passageiros, peguei bastante estradas de terra, sofri uma colisão na Linha Vermelha no Rio de Janeiro, andei em enchentes, alguns arranhões em estacionamento, carreguei muita tralha na mala. Desgaste e mais desgaste.
Assim chegou o ano de 2011, e o “Velho Guerreiro” estava definitivamente exaurido de sua antiga vitalidade. Era necessária uma pausa para a restauração — que será o assunto do próximo post.
Espero que tenham gostado, nos vemos em breve, até lá!
Por Leandro Amorim Corrêa, Project Cars #206