Salve, povo gearhead! Conforme relatado no post anterior sobre a “epopeia” que foi comprar esse Corrado, agora já na garagem e com documentação em meu nome (sim, sou sistemático ao extremo, só considero um carro como meu depois que a documentação estiver em meu nome), posso começar a consertar os problemas e fazer o carro andar.
A primeiro acessório adquirido foi uma capa personalizada para o bicho entrar na cirugia. Na verdade essa capa foi uma “troca”, pois eu vendi meu Gol GT para um amigo e ele tinha uma capa igual. Como as dimensões do Gol e Corrado são muito parecidas, eu iria usar a capa do Gol no Corrado mesmo, mas o meu amigo quis ficar com a capa de todo jeito e eu disse que daria a ele sob a condição dele pagar outra para o Corrado.
A prioridade agora era fazer o carro rodar satisfatoriamente. Para isso a primeira meta era trocar o câmbio automático por um manual e a segunda meta, remover o sistema de freio ABS por outro convencional, pois o carro praticamente não freava.
Mesmo antes de comprar o Corrado eu já sabia que ele compartilhava muitas peças dos Golf MK2, MK3 e Passat B3/B4. O câmbio, pedaleira, suportes, servo-freio e cilindro-mestre por exemplo são iguais aos dos Passat B3/B4 (Passat B3 é raridade aqui, mas B4 temos aos montes nos desmanches). Então comecei a procurar Passat B4 sucata em leilões aqui em BH, e em uns dois ou três meses de procura só apareceu um, mas era automático e com freio ABS também. Sem chance. Tive que comprar as peças separadas em desmanches.
Apesar de ser um programa que creio 99% dos gearheads adoram fazer, bater perna em desmanches quando você não acha a peça acaba se tornando cansativo e frustrante. Quando achava um Passat com câmbio manual, faltava o kit de alavanca/trambulador, quando achava outro com alavanca, faltava motor de arranque, quando faltava cilindro de embreagem hidráulica, quando achava o cilindro de freio, faltava o reservatório e por aí vai. Perdi sábados e mais sábados batendo perna sem encontrar um Passat recém chegado com todas as peças ainda intactas.
Tive que recorrer ao Mercado Livre e em SP fechei a compra de um conjunto completo (câmbio, embreagem,volante motor, cremalheira, suportes, motor de arranque, cilindro-mestre e escravo de embreagem, pedaleira, alavanca/trambulador/cabos, cilindro de freio, hidrovácuo etc). Havia deixado instruções bem explicitas ao vendedor de que eu precisava de tudo: cada porca, parafusos, arruela, presilha, latinha etc. Fechei o negócio e fiquei apreensivo se realmente iria receber tudo conforme solicitado. Alguns dias depois, a grata surpresa: o vendedor foi muito profissional e mandou tudo que pedi — além de dois semi-eixos/homocinéticas extra de brinde (essas eu não havia pedido pois não precisaria, mas agora ficam de reserva).
Paralelamente à procura e compra do kit de câmbio manual, eu também ia resolvendo outros problemas do carro, vários problemas elétricos ( falarei mais deles daqui a pouco) e um outro grande e dispendioso problema mecânico. Instalei um manômetro de pressão para averiguar o correto funcionamento do G-Lader no qual deveria soprar 0,8 bar a 5.000rpm e o mesmo não soprava nem 0,1 bar. Comecei então a procurar vazamentos na linha de pressão, intercooler, válvulas e nada. Aparentemente tudo estava ok, mas o compressor não dava pressão.
Cabe aqui uma breve explicação sobre o G-Lader: existem diversos tipos de compressores, os quais diferem os componentes internos e a forma de como o ar é sugado e comprimido. Existem os twin screw, roots, Lysholm, centrífugo e o G-lader entre outros menos comuns, todos são para o mesmo propósito, mas apresentam diferentes níveis de eficiência e aquecimento do ar.
Os G-lader são muito eficientes. Eles conseguem pressurizar o ar desde baixas rotações, de forma linear e sem aquecer demasiadamente o mesmo, porém a vida útil do compressor é baixíssima, tanto que a VW recomendava a troca do kit de retentores e anéis raspadores a cada 15.000 km! Ou seja, é muito pouca quilometragem para você praticamente “recondicionar” o compressor. Desmontei o meu G-lader e a situação não era nada boa. Não tinha nada quebrado, mas as apex stripes (fitas raspadoras), retentores, displacer e a própria carcaça estavam desgastadas.
As Apex Stripes e o kit de retentores são relativamente baratos, cerca de U$100 nos EUA, mas só eles não resolveriam o problema do meu G-lader que precisava também de um displacer novo (essa peça em forma de caracol) e de uma retífica na carcaça. A única solução seria eu enviar o compressor para os EUA ou Alemanha para recondicionar ou comprar outro a base de troca, o que não sairia por menos de U$2.500 (fora impostos). Então sem chance de eu gastar essa quantia em um compressor cuja vida útil é baixíssima. Se fosse durar o resto da vida, eu até pensaria na possibilidade.
Novamente, lendo fóruns como VWVortex, The-Corrado Forum, e Corrado Canada Club, vi uma adaptação muito comum por lá: a substituição do G-lader pelo Eaton M62 (que possui capacidade volumétrica muito semelhante ao G60) ou pelo Eaton M90 (maior volume, podendo atuar com pressão maior) ou com os Lysholm (no qual existe até kit pronto p/ comprar nos EUA, totalmente bolt-on). Pela facilidade de ser bolt-on, fui olhar o preço do Lysholm, mas o kit completo custava mais de U$3.500 (fora imposto). Sem chance.
Sobrou entao os Eaton… aqui no Brasil, encontrar Eaton M90 é dificil, pois este é usado em motores maiores, geralmente V6 e até alguns V8, foquei entao no Eaton M62 e vi que eles saíram nas Mercedes Kompressor, e foram vendidas bastante aqui. Comecei a garimpar e encontrei um M62 em uma SLK capotada, baixa quilometragem, então o compressor estava novinho..
Agora será preciso fabricar as flanges, suportes, tubulação e polia para adaptar o compressor no mesmo lugar de onde saiu o G-lader. Após alguns cálculos com a tabela de eficiência da Eaton em mãos defini qual seria o diâmetro da polia para alcançar a pressão desejada, na rotação desejada e sem extrapolar a faixa de maior eficiência do compressor e também sem ultrapassar a rotação máxima do mesmo. Tudo calculado, mãos à obra. Moldes em papelão, corta chapa, dobra, solda, abre rosca, esmerila, testa, desmancha, ajusta e aquele trampo danado todo de adaptação. Fiz o desenho técnico da polia e levei a um primo torneiro mecânico para fazer em alumínio. Nessa etapa (aliás, desde quando comprei o carro) meu filho sempre me ajudando e trabalhando também! Acho que o vírus gearhead já o contaminou.
Agora com o M62 no lugar (eu ainda não tinha tirado o câmbio automático), dei partida no motor e a principio, tudo ok. Compressor soprando legal, e acelerando até 5.000 rpm o manômetro marcava exatos 1 bar! Foi a prova de que meus cálculos foram corretos. Mesmo com o câmbio auto capenga ( tinha que trocar as marchas no manual mesmo), não resisti e fomos dar uma voltinha no carro, já que agora ele soprava 1 bar de pressão.
Carro na rua, 1ª engatada, pisa fundo e… assim que a pressão começa a subir o motor engasga e perde potência… com o carro parado e câmbio em neutro. Piso fundo e o motor sobe giro normalmente, mas sob carga (em movimento) assim que dá pressão no coletor o motor murcha… sintoma típico de pressão de combustível. Nem faço ideia de quando a bomba foi trocada (se é que foi trocada), entao nem me preocupei, já que tinha encomendando uma bomba nova e estava estava aguardando chegar. Voltamos com o carro para garagem para retirar o motor para fazer o swap de câmbio. A adaptação física do Eaton M62 ficou perfeita, compressor bem fixado, polia perfeitamente alinhada.
A essa altura, vocês estão pensando; porque não colocou um kit turbo? Afinal o motor quatro cilindros dos Corrado são os EA827, nosso bom e conhecido VW AP. Sim: ele é praticamente o nosso AP, porém tem algumas particularidades diferente dos nossos AP, que acabaram por inviabilizar a montagem de uma turbina. Esse motor é o famoso código PG (equipou Corrado G60, Golf Rally G60 MK2 e Passat B3 Syncro), com pistões e bielas diferentes do restante da família EA827, a começar pela taxa de compressão, de apenas 8,2:1, bielas de 136mm e pistão ultra cabeçudo com pino de 22mm, ou seja… montar um turbo nesse motor e rodar com álcool ficaria horrível em baixa rotação/fase aspirada, com um lag enorme. Precisaria também remapear a injeção ou trocar por uma programável. Enfim.. um gasto enorme para um resultado medíocre. Até mesmo nos EUA a turma não gosta de turbinar os motores PG.
Eu poderia trocar as bielas e pistões pelos do nossos AP (bielas 144mm e pistões gasolina MI o que me daria uns 9,5 ou 10:1 de taxa), mas seriam mais gastos e minha prioridade era fazer o carro rodar satisfatoriamente com o mínimo possível de gastos e modificações. Entao fiquei com o Eaton M62 mesmo por ser a solução menos cara e mais rápida de eu fazer o carro rodar satisfatoriamente.
Voltando aos problemas elétricos do carro, é sabido mundo afora que os Corrado são problemáticos quanto a sua eletrônica/elétrica, o Corrado foi um projeto de meados de 80 e na época os engenheiros queriam inovar com inúmeros dispositivos no carro. Por isso o Corrado tem sistemas elétricos demais, e naquela época, tudo controlado por módulos individuais a base de relês e transistores, chicotes quilométricos serpenteando o carro e uma infinidade de conectores. Obviamente com o passar dos anos isso tudo começa da dar mau-contato, falhas, curtos etc. Comecei a mexer no chicote elétrico e caixa de fusíveis. Que pesadelo! Um ninho de rato de tanto fio!
E para piorar, esse Corrado era completo, com todos os opcionais disponíveis, como piloto automático, cinto de segurança automático, teto solar elétrico, câmbio automático, ar-condicionado, espelho, vidro e travas elétricas, som com disqueteira no porta-malas e o escambau. Entao a caixa de distribuição elétrica tinha todas as posições ocupadas com fusíveis e relês e mais um punhado agregado em módulos. Decidi remover todos os sistemas que não tenho interesse em usar e ou fazer funcionar:
– piloto automático
– disqueteira no porta malas
– todo o chicote e módulos do câmbio automático
– todo o chicote e módulos do ABS
– todo o mecanismo, chicote e módulo do cinto de segurança automático
– trava eletro-pneumática das portas
Muitos devem estar pensando: “pô, vai tirar o ABS e o cinto automático”? Vou, porque o sistema ABS dele é arcaico e praticamente não existe peças para manutenção/conserto, e quando se acha é caríssimo. Então ficarei com o bom e confiável freio hidráulico convencional
O cinto de segurança elétrico, também vai embora. Mesmo problema do ABS: não existem peças de reposição, e somente nos EUA é que o Corrado saiu equipado com cinto automático. No resto do mundo foi o cinto de três pontos convencional mesmo. Se o meu estivesse funcionando perfeitamente eu até deixaria, pois é legal vê-lo funcionado, mas não vou ficar perdendo tempo e grana para tentar consertar. Essa é apenas uma pequena parte dos chicotes que já removi de dentro do carro (câmbio automático e ABS). Tem muito mais ainda.
Já removi um bocado de fios, agora vamos à remoção do motor para proceder a troca do câmbio auto pelo manual. A troca no cofre do motor é relativamente fácil, principalmente porque a frente do Corrado desmonta por completo, o que abre espaço para trabalhar e remover o motor sem transtornos. O pesadelo foi trocar a pedaleira! Eu já tinha lido alguns passo-a-passos do procedimento em fóruns e era unânime: todos reclamarem da troca da pedaleira, no qual existem três parafusos superiores que são quase impossíveis de remover.
A maneira “menos” complicada é removendo o painel completo para ter um acesso melhorzinho ou fazer contorcionismo e muita paciência p/ conseguir remover os parafusos sem retirar o painel…
Bom… se é possível fazer o serviço sem remover o painel, entao será essa a minha opção. Realmente, haja contorcionismo, removi o banco diantieiro e fiquei como uma lagartixa deitado debaixo do painel me contorcendo. Levei algumas horas para remover três parafusos, pois o corpo começa a doer por conta da posição. Nunca mais quero trocar pedaleira de Corrado, mas consegui!
O restante do swap foi tranquilo, o kit de alavanca/trambulador do câmbio praticamente plug and play, precisei apenas de fazer um furo extra para fixação.
Com o motor fora do lugar, vamos aproveitar para dar uma boa lavada com desengraxante, organizar chicotes, reparar o que estiver estragado. A essa altura o ABS já tinha sido removido também.
Tchau câmbio automático e ABS! Não sentirei saudade nenhuma! E com isso o Corrado emagreceu um bocado… o câmbio automático pesa cerca de 25kg a mais que o manual e o conjunto do ABS pesa 9kg a mais que o hidrovácuo/cilindro mestre comum (custei a acreditar: o conjunto ABS pesa 13,5 kg! É jurássico mesmo!).
Com o motor fora do lugar, dei uma boa lavada com desengraxante e aproveitei para tirar vazamento, conferir selos do bloco, retentores, trocar correias, mangueiras velhas etc. E claro, inventar moda: mandei cromar algumas polias e suportes.
Chegou a hora de montar o câmbio manual, que inclusive veio com embreagem e estava em perfeito estado, parecendo nova e de marca boa ( LUK). Montei o cambio ( alias, montamos, meu filho e eu), nessa etapa tudo correu sem nenhum problema, totalmente bolt-on e nenhuma surpresa.
Tudo correndo conforme planejado, motor e câmbio acoplados, mas a montagem precisou ficar paralisada por algumas semanas, tudo por causa de uma mísera coifa de borracha. Explico: na coluna de direção que sai da parede corta-fogo e vai até o setor de direção vai uma coifa de borracha em forma de sifão. A minha estava ressecada e rasgou em vários pedaços, e era muito mais fácil eu trocá-la antes de voltar com o motor para o lugar. Inclusive creio que trocá-la com o motor/câmbio no lugar fosse até mesmo impossível.
O problema é que essa coifa do Corrado é igual somente á dos Golf Mk1 e Seat Toledo, ambos inexistentes por aqui. Comecei a bater perna em desmanches e procurar uma parecida que pudesse adaptar, olhei Passat B4, Golf, Polo etc. A mais parecida era do Golf Mk3. Comprei uma e cheguei à conclusão de que seria possível adaptar, mas teria que aumentar o recorte da parede corta fogo para ela encaixar, e mesmo assim com resultado duvidoso. Bom… procurei no eBay e outros sites nos EUA e achei a coifa original por absurdos US$70 (tem gente que ainda fala que peça nos EUA é barato), já estava quase metendo serra na no buraco quando achei uma lojinha nos EUA que tinha a coifa “paralela” por US$8. Não pensei duas vezes e comprei duas coifas logo. Depois de uma longa espera (ficou semanas parada na aduana) chegou o pacote, realmente a borracha não é da mesma qualidade da original, mas é satisfatória, se durar mais 10 anos valeu a pena.
Agora com a coifa nova no lugar, hora de recolocar o motor, tudo correndo bem até que chega a hora de montar os cilindros hidráulicos de embreagem.
O reservatório de fluido hidráulico é compartilhado com o do freio, então, primeiro deve-se montar o freio, sangrar etc, e depois fazer o mesmo com a embreagem. Tudo feito e quem disse que dava embreagem? O pedal continuava “murcho” e ficamos quase uma semana pelejando (lembrando que só mexia no carro ao final do expediente e finais de semana), bomba, sangra, coloca fluido e nada! Não saia ar pela sangria.. Como eu tinha outro conjuto de cilindro mestre e escravo de embreagem, troquei ambos (ô trabalhinho chato, o acesso para remover o cilindro mestre da pedaleira é uma “delícia”) e mesma coisa! Bomba, sangra e nada do pedal dar embreagem!
Ai bateu aquela pulga atrás da orelha. O disco de embreagem usado que montei. Será que aquele disco que mandaram era de Passat mesmo? Ou será que eu cometi o erro de montar virado? Eu tinha praticamente certeza de que montado errado não foi, mas não tinha certeza de que o disco era o certo desse câmbio. Quem sabe se os caras do desmanche não mandaram o disco errado? Putz! Desmontar tudo de novo! Mãos à obra: saquei o câmbio e a embreagem estava montada da maneira correta, não foi falha minha, mas sobre o disco ser o correto, não sei. Então para não haver mais possibilidade de falha e ficar passando raiva, comprei um kit de embreagem novo. Com o kit em mãos, montamos tudo de novo. Completa fluido, sangra e nada! Mesma coisa: pedal murcho!
Àquela altura já tinha ficado estressado. Larguei tudo parado por uns três ou quatro dias para esfriar a cabeça. Conversando com um amigo mecânico sobre o caso ele me perguntou se eu “sangrei de baixo para cima”. Sangrar debaixo para cima? O que é isso? Aí ele me explicou que pega uma bomba de óleo manual enche de fluido de freio e injeta com pressão no bico de sangria do cilindro escravo daí vai empurrado fluido por baixo e expulsando o ar que que fica preso em alguma cavidade dos cilindros. Fiz o procedimento e vi quando as malditas bolhas de ar saíram do reservatório! Pronto, pedal de embreagem firme e tudo funcionando perfeitamente. Obviamente comprei um kit de embreagem novo sem necessidade… o outro estava perfeito.
Vivendo e aprendendo, não sabia desse macete para sangrar embreagem hidráulica. Nessa etapa eu tinha ficado tão puto (tomar essa surra de cilindro hidráulico) que nem fotos tirei.
A montagem do restante do motor seguiu sem problemas (radiador, mangueiras, suportes, motor de arranque etc), todas as marchas passando macio, embreagem leve e suave. Consegui dar umas voltas com o carro, mas o motor estava falhando em alta rotação. Chegava a hora do ajuste e regulagem da injeção. Mas esse capitulo da novela fica para o próximo post.
Até lá!
Por Fabiano Silva, Project Cars #248