Salve, galera do FlatOut! Como vocês leram na primeira parte da história do PC #289, o BI clamava por atenção urgente nas partes mecânica e elétrica.
O cenário não era muito alentador: a suspensão estava condenada, com molas cortadas, buchas com folgas e amortecedores com uma vaga lembrança de como deveriam ser. A direção era imprecisa e barulhenta, os freios chiavam mais do que bico de chaleira de gaúcho e o trambulador do cambio deixava os engates difíceis e indefinidos.
Já na parte elétrica, luzes e acessórios que não funcionavam, restos de chicotes de alarmes bloqueadores que eram parte do passado e um defeito clássico de todo XR3: o check control que piscava todas as luzes de forma intermitente, como uma arvore de natal.
Check control funcionando: separando meninos de homens desde 1983
Seguindo a cartilha da inteligência antigomobilista, estudei tudo o que estava disponível para o Escort antes de meter a mão na massa. Sempre gostei de mexer nos meus carros, perco horas e horas consertando, ajustando e estudando como as coisas funcionam. É como um detox mental, mantido mesmo quando passei a morar em prédios – com o tempo me acostumei a me virar com a falta de espaço e improviso nas garagens apertadas.
Leitura obrigatória: revistas de época – menção honrosa a Motor 3, catálogos, manuais de serviço, guias how-tos… Se não encontrar no sebo, peça cópias aos amigos.
Hora de meter a mão na massa. Ao comprar um antigo, a primeira coisa que você vai querer fazer é dar umas voltas por aí, portanto priorize o que faz o carro ser confiável e seguro. Comecei pela suspensão, buscando peças de qualidade e com os códigos corretos – você não vai querer descobrir na hora H que determinada peça não serve ou não é a adequada para o modelo. Aqui, tudo é específico do XR3: amortecedores a gás e molas com mais carga, buchas da barra estabilizadora mais grossas. Os freios também foram refeitos, com troca dos discos ventilados, pastilhas, flexíveis, cilindros e fluido de freio DOT 4. Ainda na parte mecânica, ganhou novo kit do trambulador e caixa de direção. Esta ultima foi a mais difícil de conseguir, pois o XR3 desta geração tinha uma relação mais direta de direção. Esta peça em específico veio de Campo Grande – MT, o que mais tarde se tornou comum em todo o projeto, com peças vindas de todos os cantos do país.
Suspensão, direção e freios: tudo novo por aqui, com peças originais ou de primeira qualidade
Algo importante no Escort MK3 e MK4 é o alinhamento. Como possui suspensão McPherson tradicional, cuja barra estabilizadora é elemento estrutural, os parâmetros devem ser ajustados com meia carga útil. A suspensão traseira, independente, também deve ser alinhada com ângulo de câmber mais negativo em relação a dianteira. Infelizmente são características negligenciadas ou desconhecidas de muitos profissionais de suspensão, o que colabora para a fama infundada do Escort ser perigoso em curvas. Já participei em track days e em algumas etapas do torneio de regularidade de Interlagos do Jan Balder e o carro é extremamente seguro em curvas de média e alta velocidades.
Alinhamento das quatro rodas: parte crítica para um Escort estável.
Na parte elétrica, comecei eliminando o onipresente emaranhado de fios sem função. Alarmes da idade da pedra, som e autofalantes que não falam mais, emendas e cortes de todos os tipos. Sou a favor de manter o chicote e conectores originais sempre que possível e onde não for, substituir por equivalentes em tipo e capacidade. As luzes do painel voltaram a brilhar com a troca das lâmpadas, os instrumentos voltaram a ser confiáveis e até o saudoso reloginho do teto voltou aos seus dias de glória.
Eletricidade é para quem sabe o que está fazendo. Se não se sentir confiante, peça ajuda a um profissional.
O motor também passou por uma boa revisão, com troca da correia, corpo do carburador e todas as peças da ignição como velas, cabos, rotor e tampa do distribuidor. Melhorou a partida a frio e a dirigibilidade de forma considerável. Com a mecânica básica em dia, quis dar um tapa no visual antes de levar ele por aí. Coisas simples, como um polimento na pintura, troca dos faróis e lanternas e ajustes no alinhamento das peças fazem milagres sem furar o bolso.
Troca dos faróis e ajustes no alinhamento melhoram muito o aspecto visual do seu antigo
Um dos maiores prazeres de quem tem carro antigo é participar de encontros e conversar com outros aficionados. Felizmente, nos últimos anos houve um boom de eventos deste tipo e a Internet dá uma mãozinha na divulgação, seja através de sites automotivos, fóruns, redes sociais e mais recentemente, aplicativos de mensagens instantâneas. O bacana é que o meio muda e evolui, mas nunca o resultado final: desconhecidos com gosto em comum que acabam se tornando grande amigos, uma rede social que se organiza, desenvolve e ajuda mutuamente.
Encontro no AIC (Autódromo Internacional de Curitiba) em 2007. Bons tempos.
Track Day no AIC. O XR3 não negava fogo e fiz grande amigos lá
O primeiro grande ato: desmontagem, funilaria e pintura
Alguns anos se passaram, eu retornei para São Paulo pra tocar uma nova fase profissional. Apesar do XR3 estar em ótima forma, seus defeitos estéticos me incomodavam cada vez mais ao ponto de tomar uma decisão: era hora de desmontá-lo para uma pintura completa. Eis um dos grandes terrores dos antigomobilistas: encontrar um profissional bom, rápido e que custe o justo – nem barato e nem caro.
Conversei com muita gente, peguei indicações, fiz um sem número de visitas a oficinas. Planilhei tudo o que era importante: preço, referências, equipamentos como solda MIG/TIG (não destemperam a chapa), estufa e linha de ar estabilizada, qualidade dos profissionais e o principal, comprometimento do dono com o projeto. Aqui aconteceu um desastre: uma das principais candidatas, onde já tinha tido uma ótima experiência anterior, teve o dono falecido em um acidente com o seu Maverick GT – RIP “Waguinho” Boró, que esteja bem onde estiver.
Depois da tragédia, a bonança. Belo dia recebo um cartãozinho com um nome muito sugestivo: Garagem 53. Tratei de ir logo conhecê-la, onde encontrei o proprietário que se entusiasmou de cara com o projeto, me detalhando como e quando seria feito, desde que eu participasse ativamente – o que me agradou de imediato, nem preciso dizer.
Estufa de pressão positiva e solda MIG: Bons sinais
A desmontagem merece este capítulo especial. É onde você fica intimo da sua máquina, conhecendo-a em todos os seus pormenores. Via ali, ao vivo, as soluções que os engenheiros tanto penaram para encontrar em anos de pesquisa e melhoria contínua. Me surpreendeu a qualidade dos arremates, suportes e ancoragens que a Ford usava (usa?), realmente a fama de melhor acabamento dos anos 80 se justificava.
Desmontagem na garagem do prédio, guarda das peças no quarto de visitas. Minha esposa é uma santa mulher!
Todas as peças foram limpas, revisadas e sempre que possível, trocadas por originais novas ou usadas em melhor estado. Fiz um estoque considerável de peças, onde até hoje ajudo outros entusiastas nas suas restaurações. Aliás, tive a ajuda de grandes amigos, alguns que nunca tive a oportunidade de conhecer pessoalmente, mas que me cederam peças incríveis, como reservatórios novos e spoilers guardados em caixas maltrapilhas que nunca viram a luz do dia. Verdadeiros achados arqueológicos, que traduzem a essência do antigomobilismo: garimpar e ter a satisfação de encontrar aquela peça que estava há anos sendo procurada.
60000Km da Quatro Rodas feelings. Confesso que me inspirei neles ao organizar esta foto
Carro desmontado, marquei todos os defeitos que precisavam ser reparados. Contei aproximadamente 35 pontos para intervenção, como ferrugens, fissuras, amassados e outros.
Acredite: Facilita demais a vida do funileiro e te poupa de algumas idas e vindas
Algumas semanas de espera e o XR3 deu entrada na oficina. Todos os pontos foram corrigidos com lata, solda e procurando usar o mínimo de massa possível. Recebeu peças novas e originais como tampa traseira e folha da porta direita. Também foram trocadas todas as buchas auto travantes dos spoilers laterais e da tampa traseira. O assoalho teve seu emborrachamento raspado e as mantas internas trocadas por Toroflex, na mesma posição e espessura do original.
Funilaria cuidadosa, uso mínimo de massa plástica. Fundamental para um ótimo resultado
O momento mais esperado. O banho de PU Vermelho Sunburst. Texturinha casca de laranja fina como a original, que diminuiu um pouquinho depois do lixamento. Tudo foi pintado no mesmo dia, como as portas, tampa, caput e parachoques.
Não estranhem o rosa. É o controle de lixamento, necessário para ajustar os vincos e dobras
No terceiro capítulo, o desafio da remontagem, o novo interior e as aparições na mídia. Obrigado e até la!
Por Daniel Bronzatti, Project Cars #289