Não. Esta não é uma daquelas histórias de um cara com apelido de gaiola que entra em um bar e arrebenta todo mundo na porrada. Sou Anderson Cardoso e você está é o terceiro post da Gaiola AP 2.0 Martini Racing mais amada e odiada do Brasil.
Um caro amigo Flatouter me sugeriu colocar o post 3 como protótipo Martini Racing. Achei tentador, mas pensei bastante no assunto e decidi que iria continuar a chamá-la de gaiola mesmo, afinal este carro é uma gaiola! E não há vergonha nenhuma nisso! Pelo contrário! Tenho o orgulho de ser uns dos primeiros desmiolados que pegaram uma coisa estúpida como um mote de tubos com quatro rodas e um motor, como uma gaiola, e fizeram uma coisa idiota como um monte de tubos e um motor que freia e faz curva. É a mesma coisa, só que vista por outro ângulo. A minha gaiola está para gaiola de trilha, assim como um membro do PSOL está para um do PT. É a mesma coisa, só que de barba feita e dirigindo um Toyota Prius.
Deixaremos as questões político-sociais fora disso. Gostaria de falar de nossas esposas. Sim. Aquela criatura que não vê o hidrante quando da ré e amassa seu querido carro, mas enxerga um fio de cabelo ruivo preso na gola da sua camisa há 1/4 de milha de distância. Minha intenção é destacar a grande importância da influência feminina em um projeto. Achei importante envolver a minha mulher em todo o projeto, da concepção da ideia à construção, tudo foi amplamente discutido entre eu e ela. Como foi dito no post 1, a ideia era antiga e conversamos muito sobre o melhor momento de iniciar o projeto. Tínhamos o plano de nos casar em dois anos e encomendar um pivete um ano depois do casório. A hora era agora. A minha nega, que se chama Alessandra sabe tudo que foi gasto com a gaiola.
Mentira…
Sabe só dos mais caros, tipo chassis, motor e injeção…
Tá bom…
Assumo, contei, mas diminui os valores. Não preciso disser que isso rendia muitas brigas. Era difícil engana-la pois ela trabalha em contabilidade. É como sofrer tentativas processos de impeachemant mensais por gastar mais do que o declarado. E não adiantava dizer que “Não vai ter golpe”…
Isso foi mais impactante quando a gaiola estava em fase final de construção e eu, ansioso, meti os pés pelas mãos e gastei mais do que a meta mensal de gasto dedicado ao bólido. Mas o amor é lindo e tudo supera. Alessandra me ajudou muito na parte de planejamento financeiro. A construção durou uns três anos, nesse meio tempo fui morar no norte fluminense que deixou mais 200km de Santa Barbara e só as minhas idas e vindas a Santa Bárbara D’Oeste custavam em média 750 pixulecos. Só para ir na oficina do Abrahão dizer olá, tomar um caldo de cana e voltar. Minha esposa foi o “freio” que permitiu que pudéssemos realizar outras coisas em paralelo com a gaiola.
A construção da gaiola atrasou em mais de um ano e acabamos casando durante a construção do carro. O plano inclusive era que ela saísse da igreja de gaiola, mas meses de pentlhação no ouvido da noiva para convence-la a sair da igreja com a gaiola foram por agua a baixo com o atraso. Ela disse Ufa! E eu para não perder de zero, fiz uma miniatura e botei na mesa do bolo.
Não me leve a mal, mas uma cerimônia e uma festa de casamento são coisas muito florzinha. É como uma festa de 15 anos só que o príncipe paga todos os micos junto, participa de tudo e paga conta no final. Eu queria colocar um pouco de testosterona na parada. Toda a festa só foi possível graças ao controle financeiro dela.
Vamos falar de carro agora.
Para entender a minha filosofia automotiva, atente para as situações hipotéticas a seguir:
Você marca sábado a noite com aquela gata maravilhosa, gasta uma grana com roupas caras, leva ela para o restaurante da modinha, depois leva ela para aquele motel caríssimo, pega a suíte mais cara, com pista de dança (mas para que esta joça em um motel? Quem vai para lá para dançar?), com queijo (aquela barra de aço inox polido que as meninas usam para girar feito hélice de helicóptero, saca?), com aquele “cavalinho” no canto do quarto (Para que este troço? Como usa? Quem usa?) e ai joga a gata na cama e na hora do “PÁ” o negócio é chato e enfadonho como contornar Nuburgring toda de Escort CHT 1.0.
Depois você viaja com vários casais de amigos para aquela casa em Iguabinha, na região dos lagos, que um outro casal de amigos seus vive insistindo para vcs conheceram, e chegando lá vc descobriu que a cidade não tem praia tem lagoa, e a tal casa só tem paredes e portas, não tem reboco e envolta da casa só tem mato e mosquito, e durante o churrasquinho pós praia (quer dizer, lagoa) você entra em casa para pegar mais limão da de cara com sua namorada saindo do banheiro, pega ela, joga naquele colchonete rasgado cheirando a mofo e com a sunga cheia da areia (da lagoa mesmo..) você tem a transa mais inesquecível da sua vida!
Somente reforçando, as situações descritas acima são hipotéticas e qualquer coincidência é mera semelhança.
Então voltemos a Gaiola. Ela segue a filosofia da segunda situação hipotética que eu descrevi. Menos perfumaria, mais ação. Mas então, um belo dia, resolvi fazer uma viagem para Macaé e o carro ferveu. E quanto mais Eu acelerava, contrariando a lógica, mais quente o motor ficava, foi então que eu conclui, que não tinha jeito, eu teria que botar um “cavalinho” no canto do quarto… quer dizer, um radiador na dianteira da gaiola. Na verdade a comparar o radiador na dianteira da gaiola ao “cavalinho” de motel é perfeito, pois em ambos os casos, ao se deparar com aquilo, o sujeito se pergunta: “Mas que diabos aquilo está fazendo ali e para que serve???”
A maioria das gaiolas não tem radiador. Das que tem, geralmente fica na traseira. Na dianteira eu nunca vi…
Para explicar porque chegamos até aqui, temos que voltar a época em que o carro começou a dar as primeiras voltas. Quando cheguei a Santa Bárbara, vi o radiador de Fiat (não me lembro o modelo) montado na traseira, um pouco recuado em relação ao motor. O pessoal da Miltrilhas estava acostumado a montar assim a anos e não tinham problemas de aquecimento.
Sempre que possível eu mantinha o projeto deles original, uma vez que era um modelo de gaiola testado e aprovado em várias pistas de corrida por anos afio, não vi problema algum. Depois de baixar a adrenalina das primeiras voltas com o carro, acelerando e passando facilmente de 150km em poucos segundos pude perceber que de fato, o termômetro não passava de 90°. Isso me deixou bem tranquilo com relação a superaquecimento. Detalhe: O carro estava sem para-brisa e sem carenagem alguma, inclusive a chapa que faz a função de corta fogo.
Continuei a montagem do carro pouco a pouco, o carro foi enviado ao Rio, e com a documentação na mão, comecei a usar por períodos mais longos e então começou a esquentação de cabeça (e de cabeçote) por conta de superaquecimento. Primeira coisa que você pensa é em colocar um radiador maior. Quanto maior melhor. Tinha em casa um radiador pré-diluviano (antes de Noé) que era uma das ossadas que guardei do meu Chevette inflamável.
Fabricado pela antiga SupeerCooler, empresa do interior de São Paulo que não sei porque não existe mais, o radiador de cobre era construído especialmente para Chevas com motor AP turbo. O equipamento é de cobre (coeficiente de troca de calor é melhor) e possui um volume maior também. Uma peça magnífica, que em pleno calor de 43° do verão carioca, conseguia manter a temperatura do Chevette pirotécnico sob controle. Depois de desmontar o carro e vender as peças, fiquei com o radiador, pois ninguém queria pagar o valor que pedia e por se tratar de uma peça especial, sob encomenda, resolvi ir ficando com a peça e assim aconteceu por anos a fio.
A temperatura da gaiola melhorou muito após a instalação do radiador. Agora eu podia rodar em velocidade constante de 100km/h que a temperatura do carro ficava na casa dos 90°. Ao passar desta velocidade, a temperatura subia junto com a mesma. Mesmo com a ventoinha ligada direto. Um baita balde de água fria no meu tesão de acelerar. Me senti o super-homem depois de tomar uma caipirinha de criptonita. Curioso era que só de parar o carro a temperatura começava baixar até os 70°, tamanha a eficiência do radiador. Foi então que eu começaria a entender algo que de tão óbvio dava até raiva de mim mesmo.
O para-brisa. A peça que a minha gaiola de rua possui mas as de trilha não. Justamente o para-brisa e tão somente ele foi o grande responsável pelo aquecimento do carro. Como ocorreu com a pick-up do vídeo abaixo, o para-brisa na vertical, cria um arrasto aerodinâmico atrás da peça de vidro que é praticamente uma zona de baixa pressão aerodinâmica, ou seja, uma “bolha de vácuo”. Sem ar, sem troca de calor do radiador com o ambiente, sem motor refrigerado.
Isto explica porque o carro no trânsito ou parado refrigerava bem. Isso explica porque em testes com radiador menor e sem para-brisas o carro não aqueceu. Isso explica porque gaiolas de trilha ou de corrida não possuem problemas de aquecimento. Elas não possuem para-brisas. A engenharia e seus caprichos. Tudo deve ser considerado em um projeto, pequenos detalhes ignorados ou esquecidos não serão perdoados.
Em um ato desesperado, comprei dois tubos flexíveis de alumínio em uma loja de departamentos de materiais de construção e coloquei sobre a cabeça do piloto e do carona conduzindo o ar para o radiador. O adorno ficou ridículo e deixou o carro com orelhinhas de Mikey e o pior de tudo, não resolveu o aquecimento. Durante os testes eu dirigi com a mão para o alto, na boca da tubulação, a 100km/h e o vento simplesmente não batia naquele local.
Na picape maluca do vídeo acima, os dutos de ar funcionaram pois a captação de ar era feita a frente da zona de baixa pressão, que no caso da picape era atrás da cabine.
Observação: em todas as situações descritas acima a ventoinha estava ligada direto. O meu sistema é redundante. A ventoinha liga tanto pela injeção bem como por uma chave no painel.
Poxa, o carro é todo aberto, tem gente que roda com carros fechados e APs turbos e radiadores na traseira, como eles resolveram o problema? Comecei a fazer uma enquete com conhecidos que possuíam gaiolas e em blogs de gaiolas, buggs, Pumas, Fuscas, triciclos e qualquer outra gambiarra que possuísse motor AP e radiador na traseira e três rodas ou mais. Descobri que o problema é mais comum do que se imagina e que, a maioria dos Pumas, Fuscas, Gaiolas e etc, convivem diariamente com o problema. Sim, a bolha de vácuo acontece com Pumas e Fuscas também.
Houve até um caso de um sujeito que montou um sistema de esguicho de limpador de para-brisa apontado para o radiador da gaiola para controlar eventuais picos de temperatura. Solução típica de MacGyver. A maioria convive com o problema com certa facilidade, pois na maior parte do tempo o carro é usado para rolezinhos. Não! Não são aqueles do shoppings com a garotada usando o boné menor que a cabeça, se liga! Tô falando de encontros nas manhãs de domingo e voltinhas pelo bairro em baixa velocidade ou viagens de moto-clube. Dificilmente passando de 100km/h e quando passam é por curtos períodos de tempo.
Mas nem tudo está perdido e pude ler histórias de mecânicos de garagem que, como eu, não queiram conviver com o problema. E de maneira unânime, todos foram taxativos! O radiador deve ir para a dianteira do carro! Achei vários fuscas com radiador instalado no lugar do steep e com pequenas aberturas na lataria abaixo do parachoques (inclusive o Fuscabaru que foi um PC aqui do Flatout).
Mas ai você pergunta: Mas e os supercarros com motor traseiro? Depois de me fazer a mesma pergunta, descobri que existem casos como o da Lamborghini Countach, com radiador traseiro, mas existem tanto quanto ou até mais carros super esportivos com radiador na frente. F-40? Na frente (o espaço entre o paralamas dianteiro e a carroceria é justamente para induzir o ar quente de volta para a atmosfera). F-50? Na frente. Porsche 911 GTE? Na frete. Lamborghini Gallardo? Na frente.
Sem sombra de dúvida, os engenheiros mais fodásticos do planeta sabem o que estão fazendo e a dianteira do carro é o lugar com maior volume de ar fresco sob pressão disponível para otimizar a troca de calor do radiador. Mas e os carros como os Countach ou mesmo os F-1 e Indy, que possuem o radiador atrás do piloto? Simples. Com um túnel de vento, é possível testar diversas posições do scoop de captação de ar do radiador e otimizar o volume e pressão do ar. No caso dos carros de Fórmula, eu até entendo a posição do radiador, é a única opção, mas no caso do Councth, que possui forma de cunha (o design, não o deputado), acredito que seja pela simples falta de espaço na dianteira tão baixa.
Outra dúvida frequente era se a bomba de água original teria capacidade de circular este volume de água maior que as tubulações longas comportam. Digo que sim. A bomba de água do motor AP e da maioria dos motores, são do tipo centrífuga (de caracol, como as turbinas). Este tipo de bomba desloca grandes volumes de fluido, mas geram baixa pressão e é por isso que a maioria das bombas para circulação de fluidos encontradas no comércio e na indústria são do tipo centrífuga.
Estas bombas possuem um fator chamado “altura de recalque” ou “pressão de recalque” (na construção civil é conhecido como MCA, metros de coluna d’água) que podemos, de uma maneira simplória, definir como a altura máxima em que a bomba pode bombear o fluido. No caso de um carro, é só isso que importa. Podemos ter 20 litros no nosso sistema de arrefecimento, se a bomba possuir a vazão de 10 litros por minuto e pressão de recalque for de de 1m, ela vai levar dois minutos para circular toda a água para o cabeçote. Se aumentarmos o nosso volume para 100 litros a mesma bomba vai levar 10 minutos para circular a água toda para o cabeçote, mas vai circular toda ela com a mesma velocidade, mas se você colocar um bloco de motor com dois metros de altura a bomba não vai conseguir “jogar” a água para o cabeçote. A questão crítica não é o volume, é a altura.
No mais, na minha gaiola a água desce do cabeçote até o radiador por gravidade. No meu caso, todo este blábláblá acima funcionou. É claro que o radiador é uma restrição a circulação da água e se você colocar mais de um radiador, ou um radiador muito maior a instalação de uma bomba auxiliar deve ser estudada. Só para ilustrar, no salão de 2008 pude ver o Lobini sem roupa (sem carroceria) e na ocasião eu já era curioso sobre o tema e xeretei bastante o carro e não achei nenhuma bomba auxiliar.
Definido a posição do radiador, tive que conseguir um radiador que coubesse no espaço da “boca” da carenagem, antes decorativa, para deixar o carro com cara de Lotus, agora funcional. Entrei em contato com a MasterCooler, empresa de Curitiba que ao contar para os caras o meu projeto, piraram na hora e aceitaram o desafio. Os caras foram muito atenciosos e ficaram uma hora de interurbano só captando informações para o projeto. O radiador seria feito sob medida e com o dimensionamento levemente acima do necessário para atender futuros upgrades de performance do motor. Tempos depois, radiador na mão, era hora de instalar no bólido. E diga-se, o trampo dos caras ficou ótimo. Adorei o acabamento das peças.
Sem muito mistério; Primeiro, definição da posição exata do radiador em relação ao bico do carro e em seguida a posição do reservatório. Segundo passo, serviço de solda feito por mim mesmo, no melhor estilo “Do it yourself Street Performance”. Fixado os componentes, passei para a ligação das linhas de arrefecimento do motor. Utilizei mangueiras de 1“ ¼ AR / ÁGUA de baixa pressão (30 bar) que atendem muito bem a necessidades do projeto (você pode encontrar em qualquer loja especializada em mangueiras e correias) e tubos de inox de mesma bitola.
Boa parte da linha de água foi feita com tubo de inox para ficar com uma cara mais profissional, mas observei durante os teste que poderia queimar as pernas e revesti tudo com mangueira para me proteger, mas no final (depois das fotos), para ficar tudo com cara de mangueira, achei melhor deixar tudo com mangueira mesmo por questões de peso e também por eliminar boa parte das emendas. Menos emendas, menos chances de vazamentos.
Com o carro em movimento o problema foi resolvido. Temperatura ficou entre 85° em velocidade de 150km/h e parado a ventoinha arma com 95° e a temperatura sobe mais um pouco até uns 98° e começa a descer. Em alguns casos durante os testes a temperatura chegou a beliscar o 100° mais pouco tempo depois ela cai para a casa dos 90°. Vale observar que meu termômetro marca de 10 em 10 graus, e portanto estes valores são aproximados. Na estrada a temperatura fica na casa dos 85°.
Sei que este motor trabalha em temperatura levemente mais elevada, entre 92° e 102°. Mas por se tratar de adaptação e não possuir a válvula termostática, apesar do motor exposto, o mesmo não recebe vento oriundo do movimento do carro e de estar planejadas futuros upgrades de potência, acredito que está faixa de temperatura de trabalho é a ideal para um ponto de partida. Já posso usar o carro por períodos mais longos e principalmente dar “pau na máquina” sem medo de aquecimentos.
Deixo para os amigos flatouters um vídeo de um teste de aceleração de 0 à 100. Nada mal!
Vamos nessa,mas vamos de gaiola! Paz e sorte a todos!
Por Anderson Cardoso, Project Cars #372