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Project Cars Project Cars #491

Project Cars #491: a compra e a restauração do meu Renault Twingo

Da mesma maneira que todo mundo doido por carros, algumas das minhas lembranças de infância estão ancoradas neles.

Lembro da primeira vez que tive um contato mais próximo com um Twingo. Com pouco menos de 10 anos fui passar, com meus pais, uma Páscoa na casa de praia da família do meu tio em Zimbros, litoral de Santa Catarina. Fui muitas vezes para lá, era um programa relativamente comum. A cada vez que íamos havia outras pessoas, sempre diferentes, hospedadas. Bem casa de praia mesmo, churrasco o dia inteiro, a criançada na praia, aquela coisa.

Nessa Páscoa desceu um cara com a família para passar aqueles dias conosco. Acho ele estava fazendo negócios com a empresa do meu tio na época, e ele foi de Twingo! Novidade na época, lembro que adorei o carro. Era verde (como tenho a impressão que eram a maioria dos que vieram para cá nas levas francesas), daqueles ainda com os para-choques sem pintura. Em meados dos anos 90 qualquer coisa que fugisse do quarteto VW, Fiat, Ford, GM era exótico. Aquele carro minúsculo, com um banco traseiro azul que corria sobre trilhos e botões coloridos no painel era o máximo para uma criança! Nem me recordo se cheguei a andar no carro, mas o contato com o Twingo é a lembrança mais forte que tenho daquele feriado. Desde aquela época quando paro para pensar em Twingos acabo lembrando desse carro.

VOITURE BLEUE ET VOITURE VERTE

Twingos sempre estiveram por aí, são carros relativamente comuns, e sempre tive algum carinho por eles. Nada muito especial, nunca foram minha grande paixão ou um sonho de consumo que me deixava sem dormir, só gostava. Lembro que o um amigo de faculdade era doido por eles e chegou a ter um. Na época, contudo, acabei nem vendo o carro direito.

Extra 003 - Renault Twingo 1992 - Como não gostar de uma coisa dessa

São indiscutivelmente simpáticos e foram desenvolvidos por uma equipe muito criativa. Ao reler recentemente as matérias de 4Rodas na época do lançamento deles me dei conta do quão inovadores eles foram no início dos anos 90, quando apresentados na Europa. Um detalhe interessante que descobri recentemente ao ler uma matéria do Jason Vogel d’O Globo é que o Twingo foi o último projeto da Renault na condição de empresa estatal, e seu desenvolvimento deu-se durante o governo socialista de François Mitterrand. Talvez isso explique um projeto tão iconoclasta. Poucos carros tem um design tão despreocupado com status quanto ele. A verdade é que Twingos são incríveis! Quem não compraria um depois de ver esse comercial de lançamento?

Em meados de 2016 cheguei num impasse. O meu Fusca estava uma beleza, meu Gol que uso no dia a dia também, ambos com manutenções em dia. Concluí a recuperação da Caloi 10 que era do meu pai e, de repente, estava sem tralhas para me incomodar.

Extra 008 - O resto da garagem já não dá trabalho há um tempo

Botei na cabeça que “precisava” de mais um carro. No começo meio na brincadeira, mas, com o passar do tempo, a coisa foi tomando corpo. Quando tenho essas ideias automotivas meu cérebro começa um processo maluco de racionalizar uma intenção totalmente irracional. Pensei: “Bem, preciso arrumar alguma sarna para me coçar. Ainda não tenho grana para uma Alfa GTV e não tenho a moral, por enquanto, de encarar a construção de um Locost 7.

Vamos descer um degrau na escala de preço e complexidade dos projetos automotivos que não saem da cabeça. Importar um Plymouth Sattelite 74 parece realmente uma maluquice, acho que iam me internar. Quem gosta deles? Um Puma tubarão com uma preparação aspirada ia ser legal, mas ia sair meio caro e não eu caibo direito nele. Além disso, dirigi muito um Puma que meu pai teve e a verdade é que eles são mais bonitos do que bons de guiar.

O que sobra? Pensei em uma BMW 328i ou uma C280, peruas! Mas, putz, o que eu ia tomar de multa não tá escrito. Twingo! Isso, Twingo é uma boa! É baratinho, não anda nada, minha esposa vai gostar (e gostou mesmo!), as peças não devem ser lá muito difíceis de achar e o bichinho é legal. É um carro usável no dia a dia e até para viagens curtas (essa parte da viagem é mentira). Enfim, como eu não pensei em tudo isso antes?”

Extra 006 - Schumacher e Twingo, dois mitos nas pistas!

Contra toda essa lógica infalível pesava o fato de que seria o terceiro carro numa casa onde vivem duas pessoas. Moro em um pequeno apartamento em um dos bairros mais populosos de São Paulo e ele não tem nenhuma garagem própria! Já alugo duas no prédio, a peso de ouro. A verdade é que realmente não precisamos de mais um carro. Mas isso são detalhes! Depois que eu botei na cabeça que queria o carro os prós superaram por larga margem os contras.

Em paralelo a essa “racionalização” comecei a ver vídeos no Youtube de pessoas que cuidam ou recuperam carros contemporâneos ao Twingo. Em especial a série do Alexandre Badolato, que ele chamou de Neo-colecionáveis. Para quem não conhece o Badolato é um alucinado em Dodges, um cara realmente fissurado em carros. Nesses vídeos, ao apresentar Omegas, Kadetts, Neons e outras tranqueiras dos anos 90 que ele havia comprado ao longo dos anos, começou a defender que os tais neo-colecionaveis divertem tanto quanto um carro de 40 ou 50 anos, por uma fração do preço. Bom, era tudo que eu queria ouvir.

Eu não queria (até parece), mas o mundo estava conspirando para eu comprar um Twingo. Vamos iniciar a busca!

 

Caçando Twingos

Mercado-livre, OLX, Webmotors, tudo era checado a cada dois ou três dias. Mandei e-mails para vários comerciantes de carros especializados em veículos dessa época me apresentando e compartilhando minha busca. Quase batia meu carro umas 20 vezes por semana torcendo o pescoço cada vez que via um Twingo na rua. Era um tal de ir atrás para ver se o cara vendia, anotar o número para ligar depois, enfim, quem está lendo isso sabe do que eu estou falando. A busca é mais divertida do que a conquista.

Achei o carro de forma prosaica. Saí para pedalar um sábado de manhã e fui em direção à Lapa, na Zona Oeste de São Paulo. Juro, juro que quando estava saindo de casa pensei “Hum, a Lapa é uma boa, é tranquila, tem um monte de ladeira para dar uma exercitada e lá é cheio de casa com garagem aberta, com carros a mostra. É capaz de eu achar um Twingo meio largado por lá”. Pois é, achei. Foi cena de filme. Eu numa puta pirambeira, com as pernas queimando, olho pra cima e, no topo o que tá parado? Um Twingo, com uma placa de “vendo”. Não é possível. F#%*u, o carro me escolheu.

001 - Primeira vez que vi o carro 002 - Primeira vez que vi o carro 003 - Primeira vez que vi o carro

Olhei, olhei, o dono não estava e marquei de passar lá depois. Aí foi aquela coisa, olha, olha de novo, dirige, pensa, pensa de novo. É óbvio que aquilo não era uma boa ideia. Quem em sã consciência vai comprar isso?

Comprei. Era único dono (S. Alaor, advogado na Lapa por não sei quantos anos, gente fina), tinha os manuais de fábrica, nota fiscal e não tinha sofrido nenhuma batida séria. Pintura do cofre original. Toca fitas que veio nele. Aqueles adesivos espalhados pelo motor, interior com pouca intervenção, grande parte da pintura ainda de fábrica, negociamos um preço justo, enfim.

 

A tralha

004 - Primeira foto depois de comprado

Trata-se de um Renault Twingo 94/95 Rouge Nacre (segundo o Google, isso é francês para vermelho madrepérola). Comprado pelo primeiro dono em 13/02/1995 na C.A.O.A Comércio de Veículos Importados (a Renault só assumiu operação própria no Brasil algum tempo depois) na rua Santa Generosa, em Indianópolis, São Paulo-SP. Custou, segundo a NF, incríveis R$15.529,60. Em valores corrigidos pela inflação até março de 2018, isso dá R$74.127,89.

Apesar de carro no Brasil ainda ser muito caro pelos padrões internacionais, a verdade é que a situação melhorou muito desde 1995. Um Up! 1.0 básico, com ar condicionado e pintura metálica custa, segundo configurador do site da Volks, pouco mais de R$45.000. E esse “sucessor espiritual” do Twingo (mesma proposta, mesmo tamanho, etc) ainda tem AirBag e ABS por força da lei. Não é nenhuma pechincha, mas é inegavelmente mais carro por menos dinheiro do que se tinha há 23 anos. R$75.000 compram hoje um Volkswagen Polo 1.0TSI Highline. Para ficar nos Renault, dá para comprar um Sandero RS Racing Spirit (Aquele com os Michelin PS4) e ainda sobram R$10.000.

Sandero R. S. 2.0 Racing Spirit. Foto: Rodolfo BUHRER / La Imagem / Renault

Assim como todos os Twingo importados da França para o Brasil, meu novo carro veio com um motor Cleon C3G de 1239 cm3. 55cv a 5300rpm e 7,59 kgfm/l eram seus atributos quando novos. Grande parte disso ficou pelas ruas percorridas nas últimas duas décadas. O Cleon 1.2 é uma das últimas evoluções dos motores Renault Sierra. Aqui no Brasil eles ficaram mais conhecidos como “motor do Corcel”. Sabe como é, Projeto M, Renault 12, se você está aqui no FlatOut deve conhecer a história…

Ford Brasil Ltda Corcel I e II

Voltando à vaca fria, o carro era mesmo muito original, para o bem e para o mal. Até o óleo do motor devia ser de fábrica. Não havia um painel da carroceria sem alguma imperfeição. A pintura estava totalmente queimada, com comoventes retorques feitos com pincel. Banco do motorista rasgado, do passageiro pedindo arrego, os traseiros estavam perfeitos. Sujo, sujo, sujo. Um cheiro de cachorro… Resumo da ópera, era um carro original não porque o antigo dono era especialmente zeloso, mas porque simplesmente via o carro como um meio de transporte, não um símbolo de status, entusiasmo ou algo assim.

012 - Depois de comprado e do primeiro banho

Algumas coisas muito valorizadas em Twingos, especialmente no que tange acabamento interno, estavam lá: Os botões de A/C azuis, bem como maçanetas. Acionadores dos bancos e manoplas de vidro. Tudo original. O frágil tampão do porta-malas estava lá, novinho e sem furação de som. Painéis de porta certinhos, vidros de fábrica. O ponto negativo era a luz de cortesia. Em todo Twingo quebra e nesse não era exceção.

No fim das contas foi isso que me atraiu no carro. Era íntegro, mas precisava de cuidados. Não estava buscando uma “garage queen” ou de um carro pronto. Queria era ter trabalho para recuperá-lo. Por outro lado, não queria surpresas no meio do caminho. Um Twingo não é um carro que justifique uma restauração completa, daquelas de deixar o bicho na lata. O caminho é mais dar um tapa no carro, com carinho e cuidado. Nada de jato de areia aqui. Não é uma joia rara da indústria automotiva (ainda!). Essa condição dele de original e largado me deu segurança de saber que se eu fizesse os reparos necessário de maneira correta o carro ia ficar bom.

017 - Com a pintura ainda no bagaço, visitando o irmão de garagem

Nesse meio tempo, entre pesquisa e negociação fui buscar outros proprietários de Twingo. Entrei em contato com o clube do Twingo aqui de SP, falei com os proprietários, fui no encontro, etc. Essa é uma dica que nunca falha. Vai comprar um carro: Se junte ao clube. Todas aquelas pessoas, apesar de terem vidas e expectativas totalmente diversas estão ali reunidas em prol de um assunto em comum (e incomum). Conhece-las vai te ajudar a lidar melhor na encrenca em que se meteu.

Um outro dado impressionante: todo carro tem clube! Twingo tem clube. Até Daihatsu Terios e Hyundai Excel e devem ter clubes no Brasil. O Jay Leno conta uma história muito boa sobre clubes em um de seus vídeos, quando relata uma estranha conversa com o clube da Tatra nos EUA. Vale a pena ver (não encontrei nem a pau qual dos vídeos dele tem essa história, se alguém achar coloca nos comentários, por favor).

Extra 005 - Hyundai Excel - Será que tem clube deles por aí

 

Melhorando a criança

Beleza, carro na mão, uma voltinha de reconhecimento e já pra oficina! Não queria ficar andando com um carro tão malcuidado e arriscar ficar parado no meio da rua. Além disso, enquanto o Twingo estivesse na oficina não precisaria alugar uma garagem…

Nessa volta de reconhecimento, de uns 30km, que comecei a reparar algumas coisas. O freio era pior que do meu Fusca (que tem tambor nas quatro rodas!), a embreagem era só osso, a direção estava dura, a painel digital era invisível de dia. Mas o motor estava beleza! Duro era o cheiro. Ah o cheiro de cachorro…

Levei o carro no Francisco, um bom mecânico da Vila Progredior, Zona Sul de São Paulo e dica do Christian, presidente do clube do Twingo. O Francisco tem uma mecânica geral, mas Twingos habitam suas plataformas com alguma frequência. A instrução era clara: Dá uma olhada geral, sem pressa, e passa tudo que precisa fazer e a gravidade de cada situação. Aí decidimos.

A lista era grande. Vai lá: Troca dos cabos do freio de mão; conserto de vazamento no radiador; lâmpada de freio esquerda; kit de embreagem (esse doeu…); retentor do volante de embreagem; cabo de embreagem; troca da junta da tampa de válvulas; bujão do cárter (esse não doeu); coifas de cambio; coxim inferior central do cambio; bucha da alavanca de câmbio; batentes dos amortecedores; limpeza da injeção e do sistema de arrefecimento. Além disso troca de todos os fluidos e seus respectivos filtros.

No fim acabei fazendo tudo (o que custou outro Twingo…) e ainda comprei 4 pneus. Já mandei direto pra oficina para balancear, alinhar, a farra toda. Sobre os pneus um detalhe legal. Comprei 4 Bridgestone Potenza, coisa linda, na raquítica medida de 165/70 R13. A diferença entre eles e um xing-ling não dava R$50 por pneu. Gostei. Quer pneu fodão e baratinho? Compra carro aro 13.

016 - Motor. Essa bateria vagabunda tá ali até hoje...

Três semanas depois ele continuava feio e fedido, mas andava que era uma beleza! A direção macia e precisa. O motor ficou um pouco mais valente e eu já confiava no carro. O câmbio continuava um pouco duro e o freio continuava uma bela merda, mas deixei pra lá. O carro já andava sem sustos e o foco agora eram as outras partes. Decidi voltar à mecânica depois.

Era hora de decidir a ordem das tretas a serem encaradas. Ele precisava definitivamente de uma boa pintura. O interior, além de sujo, tinha bancos rasgados. Precisava completar o carro com algumas peças. As rodas precisavam de reforma. O ar condicionado estava inoperante (na verdade até o ventilador só ligava quando queria). O para choque dianteiro estava quebrado, o volante estava destruído, as soleiras internas sem cor, de tanto sol.

Decidi reunir o máximo de peças dentre as necessárias. Foram semanas divertidas. A caça era um combinado de ML, OLX, grupo de Whatsapp de Twingueiros e telefonemas para desmanches em São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba, cidades onde estou com frequência. Minha regra pessoal é que a cada vez que saísse para comprar peças nos desmanches paulistanos iria obrigatoriamente de Twingo. Queria usar o carrinho e ver ele carregando as partes que iriam ressuscita-lo.

Consegui comprar tudo que precisava sem maiores sustos. Uma boa busca dava conta do que queria. O maior trampo nesses dias foi com os bancos. Banco rasgado é item de série em Twingos. O tecido é frágil, colado e costurado na espuma. Uma solução engenhosa, leve e barata que envelheceu muito mal. Tinha três caminhos:

  1. Revestir os bancos com outro tecido.
  2. Revestir os bancos com couro.
  3. Me virar para achar o tecido original.

Claro que a escolha foi a 3. A mais hard core de todas. Primeiro fui atrás das tradicionais lojas de tapeceiros na Nestor Pestana, no centro de São Paulo. Tiro n’agua, segundo eles tecidos de carros importados praticamente não tiveram fornecimento no mercado de reposição. Na sequência acionei alguns amigos e conhecidos na fábrica da Renault em São José dos Pinhais-PR (Todo curitibano tem um amigo que trabalha na Renault, pode procurar. É como os belo-horizontinos com a Fiat).

Água, eles não tinham a mais vaga ideia de como localizar um tecido de um carro trazido por um importador independente há 20 anos. Depois pedi ajuda para um grande amigo que trabalhava numa multinacional que fornece tecidos para a indústria automotiva. O coitado se virou, falou com todo mundo que conhecia, mandou e-mail para fora, tudo, mas não conseguiu uma pista. Me passou, por fim, alguns telefones de empresas que compram refugos de tecidos automotivos. Era minha última esperança de achar o tecido novo. Água. Quando liguei me trataram como maluco (não dá para tirar a razão dos caras).

O caminho seriam mesmo desmanches. Liguei para vários, por várias semanas. Sempre chegava atrasado. Quando ligava os bancos já tinham sido vendidos. O Twingo vivia mudando a padronagem do tecido entre os ano/modelo. Acho que cada ano deve ter uma padronagem diferente, e isso limitava bastante as buscas.

Por fim, luz! Achei um carro baixado na Zona Leste de SP, pra lá da Av. Aricanduva. O carro era do mesmo ano e cor que o meu. Bingo! Liguei e tentei negociar a compra só dos tecidos. É evidente que o cara não aceitou (eu não aceitaria). Tive que arrematar os bancos inteiros. Também estavam rasgados, mas a ideia agora era de dois jogos fazer um. Desse mesmo carro veio a borracha do vidro traseiro direito que no meu estava rasgado. Comprei também mais alguns botões azuis do painel, só pra não perder a viagem. Eles nunca são demais.

O volante estava destruído. Espuma solta da alma e pega totalmente lisa. Não estava curtindo dirigir o carro com aquilo. Manopla, volante e pedais são coisas que, quando estão velhas, pioram muito a sensação de guiar. Comprei baratinho um volante de Kangoo e coloquei. Se um dia pintar um volante original, novo, coloco lá (complicado hein…).

018 - O volante de Kangoo não é tão charmoso, mas pelo menos não esfarela na mão

A última peça dessa leva que comprei foi a portinhola do tanque de combustível. Elas são bem frágeis e, invariavelmente estão quebradas nos carros. Achei uma, meio cara, e mandei bala.

 

Abrindo a carteira

Embora a lógica aponte que ao recuperar qualquer coisa primeiro deve-se preocupar-se com todos os aspectos funcionais para só depois partir com o visual, na prática tem uma hora que enche o saco andar num carro todo riscado e fosco. Longe de estar pronta, mas confiável, deixei a mecânica de lado e fui encarar a pintura.

O drama aqui era achar alguém para fazer o serviço que entendesse o que eu queria. Melhor, o que eu não queria: Não queria pintura nas coxas só porque o carro não vale nada. Não queria ser esfolado por um cara acostumado a pintar Cadillacs. Não queria nem um banho de tinta de porta fechada, nem uma desmontagem completa. Queria meio termo, bom senso. Por indicação do Arthur, que mandou pintar um Twingo num azul original muito bonito cheguei no Marcão, da Texas Car na Av. Roberto Marinho.

Expliquei o que queria, acertamos preço e prazo e lá foi o Twingo para funilaria e pintura. Sempre dá um frio na barriga, já que é nessa fase que muita gente larga mão dos carros, ou porque o serviço demora anos, ou porque o resultado fica porco. Felizmente não foi o meu caso.

O Marcão desmontou todos os vidros (com exceção do para-brisas), para-choques, portas, capô e tampa do porta malas. Lixou e acertou todos os pequenos amassados, numa mistura de martelinho de ouro com massa plástica para o acabamento fino (real life). Carros dos anos 90 já tinham um ótimo tratamento dos metais, então, sem pontos de ferrugem. Pintou, poliu, montou e that’s it. Apesar da previsão inicial ser de 3 semanas o carro ficou por lá 8. Sem crise, o trabalho ficou bem feito e eu economizei mais 2 meses de garagem!

Há algumas imperfeições, repintura é repintura. E uma das borrachas de teto não encaixa direito (até agora não dei um jeito nisso…) mas o aspecto geral ficou muito, muito bom. Achei que a relação custo benefício do serviço da Texas Car ótima. Saí de lá numa sexta-feira à tarde feliz com o resultado e aliviado de o processo não ter feito eu desgostar do carrinho. Peguei a Marginal e fui direto para o aniversário da minha esposa. Foi divertido parar o Twingo bem na frente do Gulhotina, um bar MUITO da moda (e ótimo, recomendo!) em Pinheiros. Era o hipster de hoje vs. o hipster dos anos 90.

Para arrematar o exterior levei o carro para dar um trato nas rodas na AWRS na Zona Sul de São Paulo. Curiosamente nesse carro veio um conjunto de rodas de liga da marca Girus, com desenho imitando as BBS. De fabricação nacional foram, segundo o primeiro proprietário, instaladas ainda na concessionária. Apesar do item não constar na NF do carro, acreditei nele, já que o carro não tem nenhuma outra modificação. Como gosto delas e calotas originais de Twingo são bem chatinhas de achar, resolvi arruma-las. O pessoal da AWRS certificou que as rodas estavam em ordem, sem trincas ou empenamentos (para trincar aro 13 o cara tem que ser um artista…). Decidi por uma pintura básica, prata como era comum na época. Ficou uma beleza. Um jogo de calotinhas compradas no ML alguns meses depois completou tudo. As rodas são um charme.

Tem um pouco de pirâmide de Maslow em arrumar um carro. Conforme você vai resolvendo necessidades básicas, as demais passam a incomodar de maneira que não acontecia antes. Com o carro andando bem e pintado, o interior, no seu aspecto e principalmente no seu cheiro, começou a me incomodar muito.

Esse merece um parágrafo a parte. Eu não tenho nem nunca tive cachorros na vida, o que me torna um pouco sensível ao cheiro que eles deixam. O dono anterior devia transportar uma matilha inteira todo dia. O resultado era que eu nunca tinha dirigido um carro tão fedorento na minha vida. Tentei medidas pouco radicais, deixando o vidro do carro aberto por alguns dias, descarregando dois sprays de lysoform no interior, aspirando tudo que via pela frente. Os resultados eram desanimadores. Só um trabalho completo poderia salvar o interior dele.

Lendo os posts no blog do Flavio Gomes sobre um Twingo que ele recomprou e recuperou, vi a indicação de um Nikolas Abreu e seu pai, segundo o texto, mestres da tapeçaria. Era mesmo de um mestre que eu precisava para dar um jeito naquele interior. Não encontrei nenhum Nikolas Abreu nas minhas buscas, mas cheguei no Abreu Tapeceiro. Até hoje não sei se é o mesmo cara. Levei o carro no meu Abreu, Toninho, junto com o jogo de bancos extras que tinha comprado no desmanche meses antes.  Ele olhou, ponderou e topou a empreitada. Foi a única coisa que fiz no carro cujo valor realmente me assustou.

Mas o Toninho se mostrou um verdadeiro mestre. Desmontou os dois jogos de bancos, lavou todos os tecidos, e reconstruiu as espumas do zero. Emendou pedaços de tecidos provenientes de ambos os jogos para forrar tudo no padrão original. Reproduziu as aplicações originais dos tecidos, que são colados, não costurados. Onde não foi possível inventou uma costura que respeitou o aspecto original do conjunto. O carpete do assoalho e o forro por baixo foram removidos. Aí entendemos de onde vinha o cheiro. O forro estava completamente verde, mofado. Uma coisa de louco. Tal forro foi substituído e o carpete foi lavado várias vezes. Todo o interior, inclusive o forro do teto foi limpo e foi tudo remontado. Um conjunto de sobretapetes de tecido e couro, discretos, completou o conjunto. O serviço foi cumprido praticamente no prazo. Apesar do custo da empreitada ser totalmente desproporcional ao que o carro vale, na minha opinião o interior desse Twingo é o diferencial do carro.

123 - Aspecto final dos bancos

A dobradinha pintura/ interior foi demorada e dispendiosa, mas trouxe o carro muito próximo ao objetivo. Depois dessas etapas o carro estava em outro nível. Mas o que veio a seguir é algo que veremos no próximo post. Até lá!

Por Marco Aurélio Koch, Project Cars #491

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