Por mais que eu quisesse ser otimista, a realidade foi dura como sempre: o tal barulho era de válvulas sendo atropeladas pelos pistões. Empurramos o carro de volta pra oficina e fechamos a porta.
O que aconteceu até hoje é um mistério. Especulação não faltou na época, mas a teoria mais aceita foi a de o tensor da corrente, juntamente com seu guia, tinham sido montados errado. O fato foi que praticamente todas as válvulas tiveram alguma avaria.
Como o carro ainda estava nas mãos da oficina, o reparo foi custeado pela mesma. O cabeçote foi pra mesma retífica que tinha trabalhado no bloco, e voltou de lá com válvulas “novas”, com medidas compatíveis, mas obviamente não originais. Como cada uma das 16, novas e originais, custava em média 70 dólares, fora guias, retentores, frete, imposto e afins, iria deixar essa conta pra um próximo momento.
Mais alguns dias se passaram até que tudo voltasse ao lugar. Dessa vez, imprimi um manual técnico do motor pra ter a certeza que nada seria montado errado, bem como uma página do esquema elétrico ligeiramente ampliada, pra não sumir tão fácil e auxiliar na revisão da ligação das ventoinhas, que ainda não estavam funcionando como deviam.
Dada a partida e o funcionamento ainda estava bastante quadrado, mas como a culpa presumida era da parte elétrica (que eu mesmo havia me comprometido a revisar, já que não tinha encontrado ninguém competente ao ponto de topar o serviço), levei o carro pra casa e comecei o artesanato.
Daí pra frente, de posse do esquema elétrico dela (que também encontrei com relativa facilidade pela internet), comecei a revisar o que podia. O carro subia giro com dificuldade e vez ou outra apagava. Logicamente, isso não serviu de argumento pras lombrigas, que me faziam dar umas voltas com ela daquele jeito mesmo, vez ou outra. Uma dessas acabou por ser o primeiro encontro que ela participou: o primeiro encontro de carros alemães do Veteran de Brasília.
Sim, ela foi e voltou sozinha. Também não acreditei.
Outro dos poucos passeios foi me acompanhando a um show, nos tempos que eu tocava numa banda de forró. Na ida, tudo uma maravilha. Na volta, o silencioso central ficou pelo meio do caminho quando eu passei por uma junta de dilatação de uma ponte, deixando o carro com apenas um, já que o traseiro tinha sido descartado junto com a colmeia. Oras, um carro velho não é um carro velho que se preza se não soltar uns pedaços pela rua de vez em quando. Mas quando paramos pra lanchar, o bom humor acabou: alguém encostou nela no estacionamento e me quebrou um pedaço da lanterna esquerda, que já tinha cara de remendada. No dia seguinte, fui à missa e levei a chave dela pro padre benzer.
Um dia, porém, ao tentar ligar o carro, o motor de partida não girou. Não insisti e pensei um pouco. Olhei a vareta de óleo e encontrei um tom achocolatado pra Nescafé nenhum botar defeito.
A suspeita de que algum cilindro teria alguma coisa além de ar dentro aumentava. Resolvi retirar as velas uma a uma e verificar se por um acaso não teria algum cilindro cheio de algo que não fosse ar. Nas três primeiras, tudo certo. Mas ao chegar na quarta…
A chance de ter algo errado com a junta do cabeçote era boa, mesmo eu tendo praticamente certeza que o carro não tinha esquentado em momento algum depois que saiu da oficina. Fazer o que? Felizmente, em um fórum inglês de 190E, o mercedes-190.co.uk, encontrei um colega português que estava morando por lá que me conseguiu uma junta original a um preço bem bacana, junto com um CD cheio de coisa interessante. Valeu de novo, Mario!
Obviamente, ela demorou um bocado pra chegar, o que não me impediu de continuar arrumando o que estava ao meu alcance. Um dos primeiros da fila era o farol do motorista, que tinha sofrido uma infiltração e precisava de um talento.
Um ou outro mais atenciosos talvez notem mais um pequeno grande detalhe: a estrela do capô. A mira de matar pobre de 10 dólares do AliExpress já tinha chegado há um tempo e eu aproveitei pra instalá-la. Agora sim eu tinha uma Mercedes completa, mesmo que não andasse!
Uma noite de sábado também foi suficiente pra limpar os comandos elétricos dos bancos dianteiros. Com uma ajuda do Youtube, WD-40 e limpa-contatos, todos os movimentos voltaram a funcionar a contento.
E a junta finalmente chegava. Levei o carro de volta à oficina e, ao abrir o motor, o mecânico percebeu que o bloco estava sem guias pro encaixe do cabeçote. Suspeitando que a junta porventura não tivesse se encaixado perfeitamente da primeira vez, o bloco voltou pra retífica pra instalação dos tais guias.
Montado o motor, continuei com minha suspeita pessoal do carro poder ter esquentado e arrumei um termômetro a laser pra comparar a temperatura do motor com a mostrada pelo painel. Tudo mais ou menos nos conformes.
E enquanto o pessoal tentava regular o carro, aproveitei o tempo pra trocar as lanternas traseiras (felizmente idênticas às das 190E comuns) por um par usadinho que havia comprado na internet por um preço bacana e que tinha chegado uns dias antes. Outra conversa!
Carro funcionando, voltei com ele pra casa pra continuar a revisão. No entanto, por mais que encontrasse coisa ou outra fora do lugar, nada era sério a ponto de impedir o motor de funcionar direito. Comecei a estudar melhor, então, a injeção eletrônica que equipava o carro. Antecessora da LE-Jetronic, que equipou Kadett GSi, Monza 500EF e afins e que bota medo na maioria dos mecânicos incompetentes, a K-Jetronic era algo ainda mais exótico de ser trabalhado em terras tupiniquins. Só que em vez do sensor VAF, o que assombrava o pessoal dessa vez era o tal dosificador.
Como eu já tinha testado tudo que podia, comecei a suspeitar desse bicho. Porém, como eu era um completo animal frente a ele, comecei a procurar por alguém aqui em Brasília que mexesse com isso. Após alguns contatos, encontrei o Honda. Muita gente no meio dos antigos dessas bandas já tinha me falado dele, mas ainda não tinha tido a oportunidade de encontra-lo ao vivo. E, meio que por acidente, em um evento de antigos, finalmente conheci o cara. Conversa vai, conversa vem e descobri que, além de ele saber mexer com o tal dosificador com um pé nas costas, ele também tinha uma 2.3-16!
Um pouco de conversa com o cidadão e marquei de levar o carro na oficina pra ele encontrar o gato que impedia meu motor de funcionar a contento e dar uma geral no que tava fácil de arrumar. Revisão no dosificador: feita.
Suspensão traseira: estava mais baixa que a dianteira e foi nivelada, precisando só de um ajuste na regulagem.
Regulador de pressão de combustível: travado aberto, encomendei um “novo”. Enquanto o novo chegava, eu levaria o carro pra casa e trocaria eu mesmo quando chegasse. No entanto, na hora da entrega do carro, ele demorou bastante a ligar, como de costume pra mim, mas não pra ele, já que após a revisão, ele teria melhorado um pouco o comportamento. Numa verificação básica à procura de algo errado, encontramos bolhas vindo do reservatório de expansão do radiador.
Sim, a junta de cabeçote que eu já tinha trocado uma vez voltou a queimar. E qualquer bom senso básico seria capaz de perceber que não era nenhuma coincidência. Como ele estava entupido de serviço na oficina, ficou combinado que eu mesmo desmontaria o cabeçote em casa e procuraria por algum defeito nele ou no bloco. Se não achasse, o homem desceria lá e procuraria o que eu não consegui encontrar.
Faltava só descobrir como se desmontava um cabeçote.
Por Sherman Vito, Project Cars #61