Fala, pessoal! Eu sou o Dalmo Hernandes, tenho 29 anos e provavelmente a maioria me conhece como um dos membros do Quarteto Flatóustico – sim, essa foi péssima e eu tenho plena consciência disso. Por toda a minha vida adulta estive envolvido com o que hoje é o FlatOut, desde os tempos em que o Leo Nishihata era editor-chefe do Jalopnik Brasil. No começo, como o Leo Contesini, eu era apenas tradutor de matérias da versão americana, mas não levou tanto tempo para que a demanda por conteúdo local me tornasse – ao menos é o que dizem – um jornalista automotivo. O Juliano Barata entrou depois, colaborando cada vez mais, até tornar-se editor-chefe. E eu já lia os textos do Marco Antônio Oliveira no Autoentusiastas para aprender cada vez mais sobre carros.
Estou nessa já faz 11 anos, e tem dias que parece que a ficha ainda não caiu. Doido, né?
Ok, chega de apresentações. Mas a questão é que, em sete anos de FlatOut – desde o fim de 2013, falando sobre projetos, mecânica e cultura automotiva, eu nunca tive um projeto bacana para chamar de meu. Algo para sujar as mãos de graxa, aprender com os erros e, no final, ter algo bacana para curtir. Então, resolvi que é hora de mudar isso. Assim, de repente.
Então, eu comprei outra moto. Uma Honda CG Titan 1998 vermelha, em estado até que razoável, que a partir de agora é o Project Car #998 – número que tive o privilégio de escolher, e o fiz porque combina com o ano de fabricação da motocicleta. Nesta primeira parte, vou apresentar o projeto, falar um pouco sobre meus planos, mostrar o que já fiz e as peças que já chegaram. Bora?
Mas… outra moto?
Pois é, outra moto. Quem acompanha o site e tem paciência para ler minhas baboseiras sabe que há cerca de um ano e meio comprei minha primeira motocicleta – uma compra por impulso, motivada por um momento ruim que já passou. A Yamaha XTZ 150 me parecia a melhor escolha por juntar um motor econômico a uma suspensão com mais curso e um visual robusto, de moto maior. Fiquei intimidado com a ideia de ir logo de cara para uma 250cc ou 300cc e já manifestei arrependimento por isso publicamente. Mas, no fim do dia, a Crosser é uma moto muito, muito boa mesmo. Econômica, de manutenção barata, confortável e, sim, muito bonita. Viajo bastante com ela, que na estrada me faz questão de lembrar de seus apenas 12,2 cv e 1,3 kgfm de torque. Os pneus cravudos e relativamente largos vão bem nas curvas, mas ajudam a segurar a moto nas retas. Não dá para ter pressa, mas ela me leva onde preciso ir, não me dá despesas e não cansa o corpo.
Eu sempre quis uma moto, mas levei dez anos para comprar uma e, em retrospecto, foi um tiro no escuro. No fim das contas foi uma boa coisa, e o que me motivou a descolar uma segunda moto para fuçar – pura e simplesmente.
Um carro estava fora de questão desde o começo. Primeiro porque, bem, o Mille só foi embora por falta de espaço – e eu já me acostumei a ir com a moto para todos os lugares. Segundo, porque minha primeira experiência com um project car para chamar de meu não foi das melhores – foi uma decisão por impulso que não deu certo por falta de experiência, de tempo e, claro, de dinheiro. Vendi por quase nada e prometi a mim mesmo que não compraria outro carro velho tão cedo. Se comprasse aquele carro novamente hoje em dia, do mesmo jeito que ele estava, talvez tudo fosse diferente. Mas eu preferi (e prefiro) não pagar para ver.
Com a venda recente do Uno, eu tinha algum dinheiro em caixa e parti à procura de “uma moto baratinha” para servir como base para um projeto de customização. A princípio, como quem não quer nada. Mas uma coisa me fez levar a ideia mais a sério: os projetos dos meus colegas. O Juliano com o Opala, que deu lugar à Alfa Romeo. O Leo com seu Volvo 960 que vai ficar simplesmente do caralho. O MAO, com todas as suas histórias de projetos passados – e com o fato de ser o outro membro da equipe que já teve motos na garagem.
Em busca da base perfeita
Fixado o orçamento, o próximo passo foi começar as pesquisas nos classificados da região. No começo eu estava bem aberto a possibilidades diferentes e olhei de tudo um pouco, com apenas dois critérios irrevogáveis: a moto precisava estar andando e não podia ter problemas com a documentação. Suzuki Intruder 250, Honda CB400 e CB450, Yamaha XT 600, Honda CBX 250 Twister, Yamaha Fazer 250. Conversei com alguns donos e vendedores e fiz algumas visitas, e levou quase dois meses para encontrar a Titanzinha.
Diferentemente do que fiz com a Crosser, que veio parar aqui em casa meio que no susto, rolaram pesquisas prévias sobre as qualidades e defeitos de vários modelos, facilidade de encontrar peças e mão de obra e, claro, possibilidades de customização.
A primeira moto que eu quase comprei era uma CG 82, a famosa “bolinha”, já modificada, regularizada e pronta para andar. Eu estava em Lençóis Paulista e a moto em Bauru, a 40 km dali. Combinei a visita para o sábado, quando teria tempo, mas não pedi prioridade no negócio. Foi um erro, porque a moto foi vendida poucas horas antes do horário marcado, pelo valor que eu estava disposto a pagar.
A partir dali, pensei em uma moto maior – algo que saciasse a sede por potência que a Crosser deixava. Uma Twister 250, à venda aqui mesmo em Angatuba, foi a primeira que eu trouxe para casa – andei bastante na moto, gostei e quase fechei negócio. Mas uma visita ao mecânico e um orçamento com o que seria preciso só para deixar a motocicleta confiável me fizeram desistir da ideia, e eu até precisei cancelar algumas encomendas que já estavam feitas.
A Titan que eu acabei trazendo para casa foi negociada praticamente ao mesmo tempo que a Twister – e eu até consultei a equipe e alguns amigos cuja opinião considero valiosa. Eles foram unânimes ao apontar a pequena 125cc como melhor opção.
No dia seguinte ao cancelamento da Twister, procurei o dono da Titan – em Itapetininga, também a 40 km de Angatuba. Fui dar uma olhada nela, andei e parecia tudo relativamente em ordem, apesar da aparência cansada. Selamos o negócio com um sinal: eu precisava viajar e passaria uma semana longe. Na volta, tiraria um tempo para ir buscar a CG.
Dito e feito: às 7:00 daquela manhã fria de domingo, convoquei meu irmão para irmos de carro até Itapetininga e buscar a bichinha. Voltei rodando e não tive qualquer problema.
Por que uma CG 125?
A Honda CG não é o veículo mais vendido do País à toa – hoje em dia ela emplaca, em média, 250.000 exemplares por ano. Lançada em 1977 como modelo de entrada da Honda no mercado local, a CG já vendeu mais de 12 milhões de unidades. Ela une preço acessível, boa ciclística, visual bacana e manutenção barata. Seu desempenho é suficiente para a maior parte das situações do dia-a-dia e até dá para viajar com ela, desde que se conheça suas limitações (nada é muito diferente com a Crosser, na verdade). A economia de combustível é outro forte, aliás.
Os exemplares mais antigos são os mais interessantes para quem vai customizar – eles são mais simples em todos os aspectos, com menos componentes elétricos e eletrônicos, um motor carburado que foi literalmente utilizado por décadas e menos peças plásticas de formato mais elaborado. Com isso, é possível fazer uma revisão abrangente a um custo baixo e, uma vez desmontada, a motocicleta se torna uma tela em branco para várias ideias.
A simplicidade mecânica também pode te encorajar a colocar a mão na graxa mesmo sem experiência – e foi exatamente o que aconteceu comigo. A moto está em casa desde o último domingo e, bem, eu já a desmontei inteira (falo disso já, já).
Além disso, gosto da ideia de ter um veículo icônico. A CG é uma das motos mais importantes do Brasil, é sinônimo de moto pequena e teve variantes no mundo todo – é bacana fazer parte de sua história, mesmo que em escala microscópica.
Por fim, é uma moto muito procurada, com uma grande base de fãs e fácil de vender. Caso ocorra algum imprevisto e eu precise vendê-la, sei que não terei dificuldade alguma. Sejamos realistas: por mais empolgado que a gente esteja, nem sempre as coisas rolam como a gente espera. Vender a CG, porém, será um último recurso. A ideia é justamente o contrário: ficar bastante com ela, aprender com ela e curti-la sempre que estiver andando.
O que já foi feito
O projeto já começou, mesmo que as modificações fiquem para depois. A moto já está em casa há quase uma semana – sim, é bem recente – e eu já desmontei tudo o que consegui no meu escasso tempo livre para avaliar seu estado por baixo das judiadas carenagens.
O que encontrei foi uma moto castigada por 20 anos de uso intenso, porém íntegra e funcionando razoavelmente bem apesar do ocasional respingar de óleo do motor. O painel de instrumentos não funciona, há uma folga na caixa de direção, faltam alguns parafusos que prendem os acabamentos e os comandos no punho funcionam quando estão a fim. A roldana do acelerador, por algum motivo que me foge à compreensão, foi lubrificada com graxa grafitada. A tampa do tanque vaza um pouco de combustível pelo buraco da chave, o freio dianteiro está muito cansado, o freio traseiro está esperto demais (para compensar, provavelmente), o carburador já viu dias muito melhores e, por toda a moto e os parafusos que não estão faltando precisam de um reaperto.
O ponto mais crítico, porém, é o chicote elétrico. A fiação dessa moto passou por poucas e boas nos últimos 20 anos, com toda a certeza – está cheia de emendas, gambiarras, pontas sobrando, fios que não batem… Não é à toa que as luzes do painel não acendem e as setas só funcionam de forma intermitente.
Decidi, então, encomendar tudo o que eu sentia que conseguiria instalar ou trocar sozinho para deixar a motocicleta Farol, piscas, painel de instrumentos, carenagem completa, cabo do acelerador, pedal de partida, manoplas, manetes, tambor de ignição, os comandos elétricos (iluminação e buzina) e tampa do tanque. As próximas encomendas serão uma nova bateria e um banco novo com suas devidas travas. A ideia é, nesse primeiro momento, fazer tudo sozinho, em casa, com a ajuda de vídeos no Youtube e tutoriais na Internet. Como diz Jeremy Clarkson… How hard can it be?
As próximas encomendas serão um banco e um carburador. O banco, incrivelmente, dá mais trabalho: por alguma razão, as travas que são soldadas ao quadro foram arrancadas – o banco, já bem gasto, estava preso somente pela trava com chave que fica sob a rabeta. Será preciso soldar as travas novas.
O carburador, por outro lado, não me preocupa tanto. Já deve fazer bastante tempo que o carburador original foi substituído pelo atual – um Keihin original da CG 150. Já fiz o teste, removendo o carburador e o colocando de volta, então não espero grandes complicações na hora de instalar o novo (algo que nunca fiz antes). Além disso, descobri é possível comprar pela Internet um Keihin idêntico, OEM, novo em folha. Sem falar que não faltam carburadores preparados no mercado.
Assim, os próximos dias serão dedicados a instalar as peças novas, testá-las e, assim, deixar a CG apresentável. Em seguida, serão compradas novas rodas, pneus e freios – muito provavelmente um jogo de freio a disco na roda dianteira.
O lado bom: com outra moto, nova e confiável, sempre à disposição, não vou ficar a pé. Isso é crucial.
Planos futuros
Como já disse mais acima, a ideia é customizar a moto. E não falta inspiração: a CG é muito utilizada em projetos de customização retrô que estão na moda – pequenas cafe racers, scramblers, brats e trackers ficam muito bem com a CG como base. Há uma enorme variedade de receitas prontas para adaptar componentes de outras motos e peças universais, e um catálogo gigantesco de projetos na Internet para servir de referência.
Decidi que não vou me prender a um estilo com todas as suas regras. Você se surpreenderia como quanto os membros de grupos dedicados a determinada escola de customização podem ser rigorosos (para não dizer xiitas) sobre o que é e o que não é uma cafe ou uma scrambler, por exemplo. Então, não vou rotular.
Dito isso, vou pegar elementos de diversos estilos e tentar fugir da estética pronta de alguns projetos que vejo por aí – muitos são belíssimos, mas muitos são parecidos demais uns com os outros. Quero manter a estética clássica, fazer o mínimo de alterações estruturais e, ao mesmo tempo, ter uma moto inconfundível.
A Crosser me fez me acostumar com uma moto alta, mais macia, com guidão largo e posição de pilotagem ereta, que não brilha tanto nas retas mas tem boa manobrabilidade e agilidade. Vou tentar deixar a CG próxima disso, com pneus mistos e guidão mais largo – mas, a princípio, não quero alterar o quadro ou a suspensão. Trocar banco, painel, para-lamas, rodas e pneus são coisas que com certeza farei.
Como sou fã de veículos com pegada off-road e aventureira, haverá elementos deles na moto: penso em um bagageiro feito sob medida, com espaço para um baú e afastadores de alforje integrados, para-lama alto e pneus cravudos, no mínimo. Existem alguns projetos específicos que me inspiram, como essa CG montada pelos coreanos da Baram Garage:
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Há também uma série de customizadoras brasileiras ganhando destaque com projetos originais muito bem feitos, como essa bela scrambler da Cramento Motorcycles. Os para-lamas altos e o escapamento feito sob medida em posição mais elevada, como nas trail, são um toque muito interessante.
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Mais adiante, quando essa primeira fase da customização for concluída, penso com carinho em um swap de motor – algo mais moderno, com injeção eletrônica – o motor da atual CG 160, bicombustível, com 15 cv e 1,5 kgfm, me atrai bastante. E, em minhas pesquisas, me dei conta de que existe toda uma comunidade de entusiastas da “CG 99” (apelido de toda Titan fabricada entre 1995 e 1999) que colocam motores mais novos na moto, melhorando seu desempenho e a tornando mais apta a longas viagens. Ter uma moto com estilo clássico, menor e mais leve, mas com o mesmo nível de confiabilidade e desempenho que minha Crosser oferece seria o sweet spot para mim.
Passada essa empolgação inicial, vou tirar um tempo para estudar mais o projeto e caçar eventuais obstáculos no processo de adaptação das peças. A ideia, afinal, é tentar fazer o máximo de coisas por conta própria que for possível.
E agora?
Essa foi a apresentação do Project Car #998, mais um projeto residente do FlatOut. A próxima parte será dedicada ao processo de instalação das peças que já chegaram (e as que estão a caminho no momento em que digito essas palavras), incluindo a refação de toda a parte elétrica – que promete tomar pelo menos um dia inteiro do meu tempo. Ao menos a moto agora está abrigada sob um teto, na varanda dos fundos de casa – será possível lidar com ela mesmo depois que o sol se puser.
Aceito dicas, sugestões e perguntas. Mas por ora é isso, pessoal. Até a próxima!