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Car Culture

Quais as chances de falhas em um carro híbrido?

Sabe por que o seu smartphone demora tanto para ligar? Você talvez pense que é o tempo de iniciar todos os sistemas que ele precisa ter ativos para funcionar e, em parte é isso mesmo. Mas esse tempo de inicialização tem muito a ver com a auto-checagem de hardware e software.

Quem já usava computadores na primeira metade dos anos 1990 (ou antes), certamente lembra do processo de inicialização dos sistemas e aquele monte de letrinhas rodando na tela, mais rápido do que nossa capacidade de leitura. Tudo aquilo era o sistema verificando quanta memória havia disponível, quais eram os discos de leitura, quanto espaço de gravação havia neles, teste de hardware, quais periféricos estavam conectados etc.

Com o passar do tempo, ficou claro que aquela informação toda era irrelevante para usuários leigos, que só queriam abrir o computador para digitar uma carta, um trabalho de escola ou jogar paciência num dia de chuva com a TV por satélite fora do ar. Então tudo aquilo ficou escondido debaixo de uma tela inicial de espera — o que vemos até hoje quando ligamos nossos smartphones. A tela inicial não é mero capricho, mas uma imagem mais agradável e sofisticada do que aquelas telas rolantes dos anos 1980 e 1990. Por que é exatamente aquilo que seu smartphone está fazendo: verificando se está tudo ok para iniciar o sistema operacional e se ele conseguirá controlar tudo aquilo que você pretende usar.

Os carros eram um negócio mais simples: se você tivesse centelha, ar e combustível, o negócio funcionaria. Não havia um sistema de checagem de nada. Vai checar como, se o carro era totalmente mecânico? O cenário começou a mudar com a injeção eletrônica. Mesmo a injeção analógica conseguia fazer uma checagem usando pulsos elétricos  — tal como o sistema das setas indicam que há uma lâmpada queimada piscando mais rapidamente.

Depois, com a injeção eletrônica digital e a adoção do controle eletrônico para os diversos sistemas do carro foi possível fazer uma checagem mais complexa. Já viu um carro em “modo de emergência”? É o que acontece quando a rede de controladores eletrônicos detecta uma anomalia de hardware/software. Em alguns casos o carro sequer dá a partida, em outros, ele funciona com limitações — justamente porque a rede não está completa. É como o modo de recuperação/segurança do computador: para evitar uma falha catastrófica, ele limita o uso de recursos do sistema.

Agora, com a hibridização dos carros, mais do que nunca, esse sistema de checagem é necessário. Não apenas por que as ECU precisam controlar a atuação de cada motor, mas também porque a bateria é um dispositivo que precisa ser estritamente controlado. E, diferentemente do que muita gente pensa, o coração de um carro elétrico não é o motor, mas a bateria.

É por isso que aquela história de que os carros elétricos “são mais simples que os carros a combustão porque seus motores só têm uma parte móvel”, é conceitualmente equivocada.

No motor a combustão, a energia é produzida por uma reação química chamada… bem… chamada combustão. O motor elétrico não produz a energia que será convertida em trabalho. Quem faz isso são suas baterias. Nas baterias, a energia vem de uma reação química chamada oxirredução. Mantendo a analogia, a bateria não é apenas o tanque de combustível do motor elétrico, mas também seu sistema de injeção e ignição.

Então, quando falamos em confiabilidade dos carros híbridos e elétricos, não podemos comparar apenas o número de partes móveis ou a simplicidade mecânica do motor elétrico. A complexidade dele não está no motor, mas no gerenciamento da bateria.

Isso, porque as baterias são sensíveis à temperatura. Elas não funcionam direito se estiverem muito frias, mas também não funcionam direito se estiverem muito quentes. Porque a transferência de energia da bateria para o motor é uma reação química, e reações químicas têm temperaturas adequadas para acontecer de forma otimizada. Se a reação acontecer fora da temperatura ideal, o resultado será igualmente desviado do ideal.

Portanto, um carro elétrico ou híbrido, depende de um controle muito preciso de temperatura. Não apenas para funcionar corretamente, mas também por segurança. Uma descarga de energia muito rápida — o que acontece quando você acelera um Tesla Roadster de zero a 100 km/h em 1,9 segundo, por exemplo — pode superaquecer as baterias. É por isso que o sistema te impede de fazer dez arrancadas destas consecutivas.

Estas arrancadas demandam uma quantidade de energia muito intensa e esta descarga de energia intensa aumenta a corrente da bateria. E a corrente da bateria irá aumentar a resistência, elevando sua temperatura. Sem um sistema de controle de temperatura, elas continuariam superaquecendo até se incendiar.

Então as baterias de íons de lítio têm sensores de temperatura monitorando constantemente o estado delas. No seu smartphone e no seu notebook isso também acontece. Alguns sistemas operacionais ou aplicativos podem exibir a temperatura da bateria em tempo real. A temperatura da bateria num carro híbrido/elétrico é a temperatura do fluido de arrefecimento e lubrificante do motor em um carro convencional, movido pela combustão interna.

Agora, quando você combina o sistema elétrico de propulsão a um powertrain convencional, de combustão interna, o número de variáveis aumenta. E o número de checagens feitas em tempo real pelo sistema é maior. Por exemplo: um powertrain híbrido poderia, teoricamente, desativar o motor de combustão interna em caso de superaquecimento do óleo/fluido de arrefecimento, e manter o carro embalado apenas pelo motor elétrico? Poderia.

Mas para fazer isso ele precisa de uma programação que considere as variáveis da bateria. O sistema teria que verificar a temperatura de óleo e fluido de arrefecimento do motor de combustão interna, e também verificar a temperatura e nível de carga da bateria do conjunto elétrico. Porque ele não pode tirar a propulsão do motor de combustão interna e “jogar” no motor elétrico se as baterias do motor elétrico estiverem em temperatura crítica.

Este é apenas um exemplo básico da complexidade adicionada aos carros híbridos. Há várias outras variáveis que um carro híbrido precisa controlar e que um carro elétrico ou a combustão não precisam. Se for um carro híbrido do tipo plugin, há o controle de recarga pela tomada e pela recuperação de energia cinética ou motor gerador, mais variáveis. É por isso que a confiabilidade dos híbridos plug-in (PHEV na sigla em inglês) é pouco menor que a dos carros híbridos que não têm a opção de recarga pela tomada, segundo um estudo recente feito pelo site britânico de aconselhamento ao consumidor (consumer advice) Which.co.uk. E ao que tudo indica, a confiabilidade dos híbridos convencionais, sem recarga, é igual ou maior que a dos carros a combustão.

Por outro lado, esse tipo de complexidade é limitado ao software de controle dos sistemas do carro — mecanicamente um carro híbrido é tão simples quanto um carro a combustão. E quando você usa sistemas computadorizados digitais para controle, o risco de falhas é muito menor do que o de um sistema mecânico ou analógico. Quantas vezes seu smartphone funcionou incorretamente desde que você tem um smartphone? É por aí com os carros híbridos.

O problema é quando algo dá errado. Como todos os sistemas são interligados e há dezenas de sensores e atuadores e componentes cruciais para o funcionamento correto do conjunto, uma pane que normalmente poderia ser contornada pelo desligamento de um sistema, inviabiliza o uso do carro e exige um “hard reset”, algo que somente uma oficina autorizada consegue fazer atualmente. Um exemplo é o sensor do pedal de freio de alguns carros com ABS, assistente de frenagem de emergência e controle de tração/estabilidade. Neles, se o sensor falha, o carro continua funcionando, o freio continua freando e o ABS continua impedindo o bloqueio dos pneus, mas os demais sistemas ficam inativos por não ter o sensor do pedal. Em um carro híbrido, como os freios são regenerativos, é bem provável que a falha em um sensor do tipo inviabilize sua operação.

Agora, voltando aos computadores e a checagem, enquanto seu computador leva 10 ou 15 segundos, e seu smartphone leva até 60 segundos para a checagem e inicialização, seu carro precisa estar pronto no momento em que você aperta o botão de partida. Tudo tem de estar checado e pronto para funcionar. É uma demanda e tanto e, às vezes, o computador não dá conta — como no caso do Land Rover Velar, que travou a tela e me deixou sem ventilação e ajustes de rodagem.

Mas ainda assim, os relatos de confiabilidade dos modelos híbridos são muitos (dê uma olhada por “hybrid vehicles reliability” no Reddit) e a mesma pesquisa do Which.co.uk mencionada acima, mostrou que os carros híbridos convencionais são sutilmente mais confiáveis que os carros movidos apenas por motores de combustão interna. Claro, há mais carros de combustão interna rodando, então a probabilidade de um evento é maior nesse grupo.

Mas o fato de os híbridos convencionais (série/paralelo) terem alcançado um nível de confiabilidade muito maior que o dos veículos puramente elétricos e que o dos híbridos plug-in, é uma boa evidência de que um conceito aprovado pelo teste do tempo (o motor de combustão interna), combinado a um sistema eficiente (o motor elétrico) e a um gerenciamento avançado (o sistema “big brother” que controla ambos os motores) é uma excelente solução não apenas para a questão da eficiência, mas também da confiabilidade mecânica.

O que veremos a partir de agora, é como eles se sairão no mais severo dos testes: o teste do tempo.