Oficialmente, o primeiro carro produzido no mundo é alemão – o Benz Patent-Motorwagen, que foi construído em 1886. Na verdade, tecnicamente, ele era um triciclo e tinha um manche no lugar do volante. Mas o Patent-Motorwgens também foi o primeiro veículo especificamente projetado para receber um motor a tornar-se realidade e ganhar um registro oficial. O que faz dele, para todos os efeitos práticos, o primeiro carro da história.
Isto ajuda a explicar por que a engenharia automobilística alemã é tão respeitada hoje em dia – eles têm uma reputação a zelar, e uma tradição antiquíssima para honrar. E também não deixa dúvidas sobre qual foi o primeiro carro alemão, evidentemente.
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Mas, claro, isto acaba deixando no ar a pergunta: quais foram os primeiros carros desenvolvidos de outros países com tradição em automóveis?
Vamos começar falando da nossa própria casa. A indústria brasileira, melancolicamente, parece estar desaparecendo – fábricas fecham as portas, fabricantes anunciam que só venderão carros importados, e o clima geral é de incerteza. Mas nós temos tradição: tanto que o primeiro carro fabricado no Brasil tem quase 60 anos.
Na verdade, ainda há um pouco de controvérsia: o posto costuma ser atribuído tanto à Romi-Isetta, versão brasileira do Iso Isetta produzida em Santa Bárbara d’Oeste pelas Indústrias Romi; quanto à perua DKW “Vemaguet” – ambos introduzidos em 1956. O Romi-Isetta, em setembro; o DKW, em novembro.
O primeiro, porém, estava mais para um minicarro: levava duas pessoas, não tinha porta-malas e era movido por um pequeno motor de dois cilindros e dois tempos com 236 cm³ – projeto da própria Iso – que entregava apenas 9,5 cv. O motor BMW dos últimos exemplares, com 298 cm³, ainda tinha dois cilindros, mas já era um quatro-tempos de 13 cv que levava o Romi-Isetta até os 95 cv. Supostamente.
A perua da DKW chegou pouco depois, mas era um carro de verdade, capaz de levar uma família e seus objetos. Inicialmente batizada DKW Universal, a perua foi possível graças a incentivos do governo Juscelino Kubitschek e do Grupo Executivo da Indústria Automotiva (GEIA), formado justamente com o propósito de estimular a fabricação nacional de veículos. A brasileira Vemag comprou da Auto Union, que era dona da DKW, os direitos sobre o projeto e também o ferramental necessário para montar os carros no Brasil, ainda em regime CKD. Ainda assim, foi ali que a indústria nacional começou.
Ainda nas Américas, os Estados Unidos começaram bem antes – já no fim do século 19 começava um movimento para melhorar a infraestrutura das estradas americanas, que até então só eram utilizadas por carruagens e uns poucos veículos a vapor.
Henry Ford deu um passo crucial ao introduzir a linha de montagem para a produção em série mais barata de automóveis, tornando o Ford Model T, lançado em 1908, o primeiro carro acessível à classe trabalhadora. Mas o primeiro carro fabricado e vendido nos EUA com motor a gasolina surgiu alguns anos antes: era o Duryea Motor Wagon, criado pelos irmãos Charles e Frank Duryea.
Era, literalmente, aquilo que costuma-se chamar de “carruagem sem cavalos” – os irmãos Duryea compraram uma carruagem e adaptaram nela um motor a combustão monocilíndrico de 4 cv, com transmissão por fricção. A invenção foi bem sucedida: além de vencer a primeira corrida de automóveis realizada nos Estados Unidos – a Chicago Times-Herald Race, patrocinada pelo jornal de mesmo nome, da qual participaram seis veículos, em 1895 – o Duryea Motor Wagon seguiu em produção até 1917.
Vamos, agora, voltar à Europa. Não muito tempo depois que os alemães criaram o Benz Patent-Motorwagen, o francês René Panhard e seu sócio Émile Levassor abriram sua própria empresa para fabricar automóveis – a Panhard et Levassor, que ficaria mais conhecida como Panhard, apenas. Seu primeiro carro, não por acaso, foi uma versão feita em Paris, sob licença, do Patent Motorwagen.
Foi só em 1891 que a primeira criação original da Panhard – amplamente aceita como o primeiro carro francês – surgiu. Considerado o que havia de mais avançado em engenharia automobilística em seu tempo, o novo Panhard tinha quatro rodas, motor dianteiro, um radiador na traseira e um sistema de transmissão por engrenagem deslizante – um conjunto de características que foi batizado Système Panhard.
Um pouco mais ao sul, na Itália, um inventor chamado Enrico Bernardi estava às voltas com seu próprio projeto de motor a combustão – e o colocou em um triciclo no ano de 1888. Contudo, era um veículo experimental que nunca chegou ao mercado.
O primeiro carro italiano a ser produzido e vendido comercialmente só apareceu em 1896 – um carro de quatro rodas e motor a combustão feito pela extinta Stefanini-Martina. Há poucas informações a seu respeito, e a culpada disto é sua principal rival: a Fabbrica Italiana Automobili Torino – FIAT, conhece? Iniciando suas atividades em 1899, a Fiat logo destacou-se e fez com que a Stefanini-Martina virasse pouco mais que uma nota de rodapé na história da indústria automobilística italiana.
Os ingleses, por sua vez, chegaram um pouco antes, ainda que de forma humilde: o primeiro automóvel britânico foi o Bremer Car, criado por Frederick William Bremer em 1891. Que, diferentemente de outros pioneiros da indústria, não tinha nenhum interesse comercial na ideia. Bremer já tinha um sustento – era encanador e instalador de aquecedores a gás – e construiu seu veículo simplesmente para dar alguns passeios por aí. Em 1912 o carro foi levado para o Museu do Automóvel Britânico e lá permaneceu até o fim da Primeira Guerra Mundial, quando o museu foi destruído. Bremer, desiludido, pensou até em vender sua invenção ao ferro-velho, mas resolveu cedê-lo a outro museu em 1933.
Fora do eixo principal europeu, outro país com tradição na fabricação de automóveis no Velho Mundo é a Suécia. Que, na verdade, começou antes da Itália e da Inglaterra: em 1891, os irmãos Jöns e Anders Cederholm construíram um carro a vapor para uso pessoal – ir da residência da família em Ystad até sua casa de veraneio nos arredores da cidade. Você esperava um Saab ou Volvo? Pois é.
Mais curioso ainda é o fato de o carro dos irmãos Ander também ter se envolvido no primeiro acidente de carro registrado na Suécia. Seus inventores juntaram todas as peças que conseguiram salvar e construíram uma segunda versão, que está exposta até hoje no museu da cidade de Skurup.
Em direção à Ásia, vamos até a Rússia – que, apesar de não ter fabricantes de atuação global significativa, possui uma vasta história na indústria automobilística e presenteou o mundo com os Lada. E seu primeiro automóvel é tão antigo quanto os demais mencionados aqui: em 14 de julho de 1896, o chamado Yakovlev-Freze foi apresentado na cidade de Nizhny Novgorod, durante a Exibição Russa de Arte e Indústria.
Não muito diferente dos outros automóveis que estavam sendo desenvolvidos ao redor do mundo na época, o Yakovlev-Freze foi criado por duas pessoas, como seu nome sugere: Evgeny Yakovlev e Pyotr Freze.
Evgeny era um oficial da marinha aposentado que criou um motor estacionário no fim dos anos 1880 e, com seu sucesso, abriu uma fábrica em São Petersburgo. Em 1893, ele viajou até os EUA para apresentar seus motores na Feira Mundial de Chicago. No mesmo evento estava Pyotr, que era dono de uma fábrica de carruagens e estava na Feira para mostrar seu novo sistema de suspensão por feixes de molas semi-elípticas.
Quando os conterrâneos se encontraram, imediatamente começaram a conversar sobre suas invenções. E, inspirados pelo Benz Velo, evolução de quatro rodas do Benz Patent-Motorwagen que, veja só, também estava em exibição na Feira Mundial de Chicago, os dois russos começaram a maquinar a ideia de criar um carro ao voltar para casa. E não ficaram só na promessa: três anos depois, em 1896, o Yakovlev-Freze estava pronto. E, claro, era parecidíssimo com o Benz Velo.
Concluindo nossa breve volta ao mundo na virada do século 20, vamos ao Japão – de onde vem o único veículo feito nos anos 1900: o Takuri, criado por Shintaro Yoshida. Ele era um fabricante de bicicletas que, em 1902, foi até Nova York para conferir as novidades da terceira edição do Salão do Automóvel, a fim de verificar quais inovações tecnológicas do ocidente ele poderia aplicar a seus produtos.
Ele aproveitou para comprar alguns motores, transmissões e outros componentes – e, usando um pouco de engenharia reversa, conseguiu reproduzi-los no Japão. Em seguida, Yoshida chamou o amigo Komanosuke Uchiyama, engenheiro mecânico que havia estudado em Vladivostok, na Rússia, para dar início à produção de veículos. Foi assim que, em 1907, surgiu o Yoshida Takuri, primeiro automóvel japonês. Uchiyama foi o engenheiro responsável, e a empresa aberta pela dupla, a Automobile Shokai, produziu 22 exemplares.