Como qualquer atividade criada pelos seres humanos, o automobilismo está em constante transformação. E isto significa que ao longo dos anos diversas categorias surgiram e desapareceram. Qual é a categoria extinta do automobilismo que deveria existir até hoje?
Esta é uma pergunta que já deveríamos ter feito antes, concorda? E, como você já deve saber, sempre que fazemos uma pergunta, também damos o pontapé inicial com uma sugestão da casa. E a nossa é a Can-Am, uma das mais insanas da história do automobilismo. Duvida? Então vem com a gente.
Recentemente falamos aqui sobre o McLaren M12 GT Coupe, que foi um dos primeiros (se não tiver sido O primeiro) carro de rua da McLaren. Claro, tecnicamente ele era um carro de corrida que foi convertido em esportivo para as ruas. E, na verdade, seu comportamento extremamente arisco é fruto de sua origem na Can-Am.
Can-Am é uma abreviação bastante concisa de Canadian American Challenge Cup. Como você deve ter deduzido, tratava-se de uma competição realizda em autódromos do Canadá e dos EUA, voltada a esporte protótipos. Foi disputada entre 1966 e 1987, e ficou conhecida por suas regras bastante tolerantes
Isto se deu porque a Can-Am corria sob o regulamendo do Grupo 7, voltado especialmente para carros de corrida de dois lugares com cockpit aberto. A principal característica do Grupo 7 era a ausência quase completa de restrições técnicas em relação aos bólidos. Desde que tivesse para-lamas, para-brisa, dois lugares, duas portas, faróis e lanternas, santantônio e usassem gasolina comercial, a princípio qualquer carro poderia participar. Com o tempo, o regulamento foi ficando cada vez mais permissivo: na virada da década de 1970, os carros já não precisavam nem de faróis para correr!
Não existia uma quantidade mínima de unidades para homologação, e não existiam restrições quanto a deslocamento, layout do conjunto mecânico, sistemas de sobrealimentação e aerodinâmica. Ou seja, era um vale-tudo sobre rodas. E era animal! Sente o drama:
Nem precisamos dizer que era o paraíso para as fabricantes de automóveis certo? Como comentamos no post do M12, a McLaren foi a grande potência nos primeiros anos da Can-Am, ficando com o título por cinco anos seguidos entre 1967 e 1971, usando protótipos equipados com motor V8 Chevrolet de cerca de 600 cv.
O primeiro campeão, em 1966, foi John Surtees, pilotando por sua própria equipe (habilmente batizada como Team Surtees) ao volante do clássico Lola T70 — que também usava um motor Chevrolet.
No entanto, o maior legado da Can-Am vem da… Alemanha. Aliás, é uma boa hora de esclarecer um pouco as coisas. Você certamente conhece o Porsche 917K, o insano protótipo que tomou Le Mans de assalto em 1970 e 1971 e destronou o Ford GT40. E talvez você saiba que ele era um carro absolutamente insano, com o piloto sentado com o traseiro no asfalto, os pés a centímetros do bico do carro e um flat-12 de 4,5 litros e 580 cv em posição central-traseira — sem qualquer tipo de indução forçada. E como berrava bonito este motor!
No entanto, você também talvez saiba que o Porsche 917 era conhecido como Turbopanzer. Mas como, se o motor era naturalmente aspirado? É aí que entra a Can-Am.
Depois de 1971, a Porsche decidiu deixar de lado a categoria de protótipos em Le Mans e passou a competir com versões modificadas do 911. Com isto, em tese, o 917 seria aposentado. Só que ele era simplesmente um carro muito bom para simplesmente deixar de correr, e por isso acabou atravessando o Atlântico e disputando a Canadian American Challenge Cup.
Faz sentido: se o 917 já era um carro impressionante no Campeonato Mundial de Endurance europeu, dava para imaginar do que ele seria capaz em um ambiente quase desprovido de regras. De início, a Porsche considerou uma versão com motor flat-16 (você tem noção do que é isto?) de mais de 750 cv, mas no fim das contas um flat-12 turbinado ainda mais potente.
Sob os cuidados da famosa Penske Racing, famosa por suas vitórias na IndyCar e na Nascar, o Porsche 917 turbinado fez bonito: graças aos 850 cv do flat-12 turbo, o protótipo abocanhou o título de 1972 com o americano George Follmer ao volante. Isto levou a McLaren a abandonar a categoria e concentrar seus esforços nas categorias de monopostos, como a IndyCar e a Fórmula 1.
No ano seguinte, o 917 deu a prova máxima de que a Can-Am era uma categoria doentia. O chamado 917/30, evolução do 91 7 turbinado, tinha um motor com deslocamento ampliado para 5,4 litros, injeção mecânica Bosch com corpos de borboleta individuais e dois turbocompressores Eberspacher de 39 mm operando a 2,7 bar. Agora você sabe porque ele era chamado de Turbopanzer…
O fato é que o 917/30 foi, segundo consta, um dos carros de corrida mais potentes de todos os tempos. Seu flat-12 biturbo era capaz de entregar nada menos que 1.600 cv para os treinos de classificação. Nas corridas, a potência era reduzida para “apenas” 1.100 cv a 7.800 rpm, com torque de 113,4 mkgf a 6.400 rpm. Considerando o peso baixíssimo — apenas 820 kg —, surpreende que alguém conseguisse guiá-lo.
É por estas e outras que a Can-Am é uma das categorias que mais fazem falta no automobilismo. Sua era de ouro acabou em 1974, quando a crise do petróleo obrigou a FIA a estipular um limite de consumo de combustível por corridas e o interesse das fabricantes definhou. Assim, depois de um hiato em 1975 e 1976, a categoria até passou por uma tentativa de ressureição com carros derivados da Fórmula 2, mas jamais obteve a mesma popularidade. Assim, em 1987, a última temporada foi disputada.
Mas esta é só uma das dezenas de categorias do automobilismo que foram extintas que, temos certeza, você conhece — e que fazem muita falta para nós, entusiastas do século 21. Qual é sua favorita? Como sempre, a caixa de comentários é… ah, você já sabe.