Nada nesse mundo é perfeito, sem exceção. A graça da vida está justamente em tentar ficar com as partes boas das coisas – a falta de brilho de uns ajuda a realçar a luz de outros. E isto também vale para os carros.
Tá achando que é papo de maluco? Calma aí, que você já vai entender. O que a gente quer dizer é que nem mesmo os automóveis mais desejados, cobiçados e consagrados pelos entusiastas estão livres desta verdade universal. Com raríssimas exceções, todo carro tem uma geração meio bosta, se é que você entende. Qual é a sua “favorita”?
Para desenvolver melhor esta ideia, vamos à nossa sugestão: o Dodge Charger.
Não, não esse. Esse:
Sim, isto é um Charger. Só que ele em nada lembra o clássico lançado em 1968 – a segunda e mais clássica geração, fabricada até 1970, que deu origem ao clássico Charger Daytona e seu bico aerodinâmico que o fez ser banido da Trans-Am Series por ser veloz demais. O carro do Dom Toretto e suas 65 encarnações diferentes.
Foto: Scott Crawford
O muscle car clássico com visual mais malvado de todos, especialmente se for preto com os faróis ocultos atrás da grade, que parece a boca de um monstro pronta para engolir o que estiver à frente.
Na verdade, o Dodge Charger foi feito sobre a plataforma B da Chrysler por treze anos, entre 1966 e 1978. A primeira delas, o Charger 1966, é hoje apreciada por ser mais desconhecida, mas ainda não tinha as proporções robustas e a cara de mau que lhe tornaram uma lenda. Por outro lado, logo de cara recebeu o motor Magnum 440, com carburador de corpo quádruplo e 380 cv; e o motor Hemi 426, o Elephant, com seus 425 cv – menos de 500 carros foram equipados com este último.
Em 1970 os muscle cars chegaram a seu auge, e o Charger mudou ficando ainda maior e mais potente. Há quem também admire esta geração por seu visual, indiscutivelmente atraente. Os faróis escamoteáveis agora eram opcionais, bem como um capô com scoop do tipo Ramcharger e uma discreta asa na tampa do porta-malas – a nosso ver, um aceno ao desempenho da geração anterior nas pistas. Dito isto, a partir de 1972 a Dodge passou a estrangular a potência dos motores: o V8 440, por exemplo, passou a entregar 280 cv (quase 100 cv a menos).
Isto era um dos primeiros reflexos da iminente crise do petróleo, que estourou de verdade em 1973 e obrigou a Dodge a mudar o posicionamento do Charger: em vez de ser um cupê esportivo, ele agora era um “personal luxury car”, com design ainda imponente, porém um interior mais confortável e mais foco no conforto dos ocupantes do que no desempenho.
A mudança foi selada com a chegada da quarta geração, que ainda era feita sobre a mesma plataforma mas trazia um estilo muito mais careta, com formas retilíneas e pouco inspiradas, além de motores cada vez mais fracos. Produzido entre 1975 e 1978, o Charger de quarta geração definitivamente não é cobiçado como o modelo de 1968 a 1970. Mas dava para piorar.
Dodge Charger 1976: um carro para ir jogar golfe com seus amigos usando camisa polo e calça xadrez
O Charger pequeno e quadrado sobre o qual queremos falar neste post era o oposto do ícone dos anos 60 e 70. Depois de um hiato de cinco anos, o novo Charger foi apresentado em 1983 para tentar recuperar o prestígio do nome seguindo uma fórmula diferente. O carro deveria ser leve e compacto, para não gastar muito, porém dono de um visual mais esportivo e bom de guiar.
E, na boa, o Charger dos anos 1980 até que poderia ser legal… se não tivesse este nome. Feito sobre a plataforma L da Chrysler, a mesma do Dodge Omni. Tipicamente europeia, comportava um motor transversal e tinha suspensão dianteira independente, do tipo McPherson; com suspensão traseira semi-independente, por braços arrastados e molas helicoidais. E, no caso do Dodge Omni, forneceu uma bela base para o hot hatch Shelby GLHS (Goes Like Hell and Some, ou “anda pra diabo e mais um pouco”, em bom pt-br) – Carroll Shelby foi chamado para trabalhar na Chrysler em meados dos anos 1980 e ficou encarregado de transformar o Omni em um foguete. E o fez, colocando no hatch um motor 2,2 turbo de 175 cv.
Acontece que o Charger, bem… se chamava Charger. A gente fica batendo nesta tecla porque de nada adiantou que Carroll Shelby aplicasse o mesmo tratamento do Omni ao Charger, criando o Charger GLHS: ninguém queria um Charger de tração dianteira e visual oitentista, mesmo que ele tivesse um quatro-cilindros turbo de 175 cv.
Por isso o Dodge Charger deixou de ser fabricado em 1987, com cerca de 80.000 unidades fabricadas em cinco anos. Como todo automóvel, ele tem seus admiradores, mas dificilmente pode ser considerado digno de se chamar Charger. O sedã atual, feito com base na plataforma LX, é muito mais merecedor. O Hellcat que o diga.
Sacou o motivo por trás da nossa sugestão? Agora dê a sua: qual é a pior geração de um carro bacana que você conhece? Deixe sua sugestão nos comentários!