Não faz muito tempo que começamos a montar uma lista de carros de rua com pinturas inspiradas nas pistas. O que nos deu a ideia foi o Ford GT, que recentemente recebeu uma versão especial com pintura Gulf Oil em homenagem ao carro que venceu as 24 Horas de Le Mans de 1968 – a terceira em sequência do Ford GT40 na prova de longa duração mais importante do mundo.
Agora vamos à segunda parte. Mantivemos o seguinte critério: incluímos apenas versões oficiais, feitas pela fabricante. Ou seja, tributos isolados feitos por terceiros não entraram – o que não impede ninguém, claro, de mencioná-los nos comentários.
Lancia Delta
Na primeira parte desta lista incluímos o Porsche 918 Spyder com pacote Weissach, que homenageava diversos modelos da fabricante alemã que já vestiram as cores da fabricante de vermute (e triunfaram com elas). Mas a Porsche não foi a única: patrocinada pela Martini, a Lancia venceu nada menos que sete títulos no WRC, o Campeonato Mundial de Rali – um deles em 1983 com o Lancia Rally 037 do Grupo B e outros seis em sequência, entre 1987 e 1992, com o Lancia Delta. Contando com os outros três títulos do Lancia Stratos entre 1974 e 1976, a fabricante italiana é a que mais venceu na história do WRC. A Citroën, segunda no ranking, tem oito títulos no currículo.
Não era de se estranhar que a Lancia aproveitasse sem bom desempenho nos ralis para colocar nas ruas edições especiais de seu modelo mais popular. Em 1984 veio o primeiro Lancia Delta Martini, feito com base na versão HF Turbo e criado para celebrar a vitória do monstruoso 037, que tinha um motor 2.0 turbo central-traseiro de até 325 cv e foi o último carro de tração traseira a triunfar no WRC.
O Lancia Delta HF Turbo Martini usava um motor 1.6 8v com turbo Garret TBO-225, intercooler e carburador Weber de corpo duplo com 130 cv. Na versão Martini, da qual foram feitas apenas 150 unidades, a carroceria era sempre branca, com listras nas cores da equipe percorrendo todo o perímetro do carro. Além disso os bancos Recaro, que normalmente eram opcionais, no Martini vinham de série.
Com a mudança nas regras do WRC, que baniu o Grupo B e seus quase-protótipos em favor de carros mais “civilizados” e produzidos em grande volume, a Lancia viu-se obrigada a colocar o Delta para competir nos estágios. E isto foi parte da razão para que o Delta adotasse a tração integral em 1986, com a versão HF 4WD – que além de um sistema com três diferenciais, vinha com um motor 2.0 turbo de 165 cv.
Somado ao sistema de suspensão independente nas quatro rodas, do tipo McPherson, o conjunto mecânico ajudou o Delta a dominar o Mundial de Rali – especialmente porque, preparado para competição, o motor 2.0 encostava nos 300 cv.
Na ocasião de sua quinta vitória, em 1990, a Lancia criou uma nova versão especial do Delta, agora sobre a versão HF Integrale, que tinha carroceria alargada (para abrigar as bitolas maiores) e visual mais agressivo, além de um cabeçote de 16 válvulas que ajudava o motor a entregar 200 cv na versão de rua.
A caracterização do chamado Lancia Delta “Martini 5” ficou mais pronunciada, com faixas mais largas, spoiler na tampa do porta-malas e rodas brancas de 16 polegadas. O interior tinha revestimento de veludo cinza, e 400 exemplares foram fabricados.
No ano seguinte a Lancia conquistou a sexta vitória consecutiva no WRC como Delta e, de acordo, colocou no mercado o “Lancia Delta HF Integrale Martini 6 World Rally Champion”. Novamente as cores da Martini foram usadas, somadas à inscrição “World Rally Champion” na parte inferior das portas e no para-choque dianteiro e ao letreiro “MARTINI RACING” no spoiler traseiro.
O interior ganhou bancos do tipo concha e revestimento de veludo azul turquesa. Apenas 310 exemplares foram produzidos.
Lotus Esprit
O Lotus Esprit foi um dos grandes ícones da fabricante de Colin Chapman – tanto que foi mantido em produção por 28 anos, entre 1976 e 2004. Por mais que a última versão, com motor V8 biturbo de 355 cv, fosse a mais potente e veloz, um dos modelos mais bacanas do icônico esportivo britânico tinha um bem mais humilde quatro-cilindros de dois litros com comando duplo no cabeçote e 162 cv. Por outro lado, estamos falando de um carro lançado em 1978 – e o fato de a Lotus ter conseguido extrair 162 cv de um quatro-cilindros sem indução forçada há 40 anos merece aplausos por si só. Além disso, o Lotus Esprit tinha carroceria de fibra de vidro e estrutura do tipo espinha dorsal, o que ajudava seu peso a ficar em esbeltos 1.000 kg. Era o bastante para que ele fosse capaz de acelerar até os 100 km/h em oito segundos, com máxima de 214 km/h.
Pois bem: o Lotus Esprit Commemorative Edition foi lançado para celebrar o título de 1978 da Lotus na Fórmula 1 – o sétimo, que também acabaria sendo o último.
Todos os carros eram pretos com detalhes dourados e emblemas da John Player Special, marca de cigarros que patrocinava a equipe Lotus na época. Não há um consenso a respeito da quantidade de exemplares: ainda que costume-se dizer que foram feitos 300 exemplares, há grandes chances de este número ser bem mais baixo, com algo entre 140 e 170 carros feitos entre dezembro de 1978 e julho de 1979.
Jaguar F-Type Project 7
Por si só o Jaguar F-Type é uma homenagem ao passado da Jaguar nas pistas: o esportivo com pegada de grand tourer foi pensado como “sucessor espiritual” do famoso E-Type, que por sua vez tinha uma herança direta do Jaguar D-Type de corrida – este, vencedor das 24 Horas de Le Mans três vezes consecutivas entre 1955 e 1957.
O Jaguar Project 7, criado pelo designer brasileiro César Pieri, levou esta influência um passo além: partindo do F-Type, Pieri imaginou um carro mais purista e hardcore. Como o Jaguar D-Type, o Project 7 é um roadster sem capota, com um santo-antônio aerodinâmico que sem dúvida é a referência mais forte ao vencedor de Le Mans. Além de ter a suspensão 10 mm mais baixa e com carga mais rígida, o Project 7 ganhou o mesmo V8 5.0 de alumínio do F-Type, porém com o compressor recalibrado e coletores de escape com tratamento cerâmico para render 575 cv – 25 cv a mais do que o F-Type R V8 produzia em 2014. Era o bastante para ir de zero a 100 km/h em 3,9 segundos, com máxima de 300 km/h.
No total foram produzidos 250 exemplares em cores diferentes. Mas o carro fotografado para as imagens de divulgação reproduzia o esquema de cores azul-e-branco do Jaguar D-Type que venceu as 24 Horas de Le Mans em 1957, com círculos nas portas e uma faixa branca na dianteira.
McLaren 650S
Muito antes de o McLaren F1 vencer as 24 Horas de Le Mans de 1995, e mesmo antes de seu período de dominação na Fórmula 1 na segunda metade dos anos 1980, a McLaren conseguiu excelente desempenho em outra categoria do automobilismo: a Can-Am, principal competição de protótipos-esporte dos Estados Unidos (que tinha este nome porque também contava com corridas realizadas no Canadá).
O jovem Bruce McLaren mudou-se da Nova Zelândia para os Estados Unidos na segunda metade dos anos 1960. E mais: a equipe da Can-Am foi o ponto alto de sua carreira: a McLaren Racing venceu cinco das seis corridas da temporada em 1967. Em 1968, foram quatro de seis. E, no ano seguinte, nada menos que onze das onze provas foram vencidas por carros laranja. E a sequência de títulos foi até 1971 – cinco no total.
No ano passado, para comemorar os 50 anos de seu primeiro título na Can-Am, a McLaren lançou uma edição especial do 650S, chamada 650S Can-Am. Cinquenta exemplares do supercarro, que é movido por um V8 biturbo de 3,8 litros e 650 cv, receberam pintura vermelha com detalhes em fibra de carbono exposta e o nº “5” nas portas e capô. A inspiração é o McLaren M6A, com o qual o próprio Bruce McLaren conquistou o título de 1967 para sua equipe, seguido do australiano Denny Hulme no vice-campeonato.
Temos que observar, contudo, uma “licença poética” neste caso. O M6A, que era um protótipo aberto com motor V8 Chevrolet de seis litros e 530 kg (que só precisavam empurrar 590 kg, resultando em uma relação peso/potência de absurdos 1,11 kg/cv!), usou na maioria das ocasiões a pintura laranja característica da equipe – tanto o carro nº 4 de McLaren quanto o carro nº 5 de Hulme.
Em algumas ocasiões, porém, o M6D exibiu um tema vermelho com branco que foi estilizado na edição especial 650S Can-Am – que também ganhou rodas pretas com borda brancas para imitar o visual das rodas de aço estampado do protótipo.
Ferrari – série especial 70 anos
No fim de 2016 a Ferrari lançou uma ambiciosa série de 70 carros com pinturas especiais para celebrar seus 70 anos, comemorados em 2017 – apesar de a Scuderia ter sido fundada por Enzo Ferrari em 1939, foi em 1947 que o primeiro carro de rua com o emblema do cavallino rampante foi construído, e por isso esta é considerada a data “oficial” do início da Ferrari como fabricante.
Cada um dos 70 carros especiais da série recebeu um esquema de pintura inspirado em uma Ferrari histórica. Todos os modelo que a Ferrari vendia na época foram inclusos na série – 488 GTB, GTC4 Lusso, F12berlinetta e California T. Nenhuma pintura se repete.
Nem todos foram inspirados em carros de corrida, porém – alguns são homenagens a carros de rua famosos da vida real e da ficção, como a Ferrari 308 de Magnum P.I. ou a Ferrari 250 GT Lusso que Steve McQueen ganhou de sua esposa.
Obviamente não há espaço para todos os 70 carros aqui, mas a gente selecionou alguns dos que foram inspirados pelas Ferraris de competição. Como a Ferrari 488 GTB “Schumacher”, inspirada na F2004 de F1, com o vermelho “Rosso Corsa” predominante, e faixas brancas no teto e nas soleiras, além de emblemas especiais da versão. Com o F2004, Schumi conquistou seu último titulo na Fórmula 1 – o sétimo.
A Ferrari 488 GTB “Fangio” foi inspirada na Ferrari 290MM, criada em 1956 para competir na Mille Miglia e feita sob medida para o argentino Juan Manuel Fangio. Fangio era o principal piloto da Ferrari na Fórmula 1 na época e, naquele ano, havia conquistado seu quarto título na carreira (o quinto e último viria em 1957). Foi outra Ferrari que venceu a Mille Miglia de 1956, com Eugenio Castellotti ao volante. Fangio, cujo carro era o único com o bico azul-e-amarelo, chegou em quarto.
Esta Ferrari 488 Spider, batizada “Green Jewel”, buscou inpiração na 365 P2 usada por David Piper em suas duas vitórias nas Nove Horas de Kyalami em 1965 e 1966.
“The Stirling”, obviamente, é uma referência a Stirling Moss. A F12berlinetta feita em sua homenagem recebeu as cores azul e branco da Ferrari 250 GT Berlinetta SWB usada na vitória do Tourist Trophy de 1961. A pintura combina a cor Blu Scuro com a faixa branca horizontal no bico do carro e o círculo branco da numeração do carro nas portas.
Bonus Track: Ford Escort JPS
Foto: Acervo Quatro Rodas
Este aqui não entra na lista por uma razão simples: ele não é um tributo oficial feito pela Ford, mas é um Escort com as cores da John Player Special, que patrocinava a Lotus na Fórmula 1 nos anos 1980.
Foto: Acervo Quatro Rodas
E o carro também era bacana. Apresentado pela Souza Ramos em 1984 e feito com base no Escort XR3, o JPS tinha pintura preta com detalhes dourados e era oferecido em duas versões: uma mais simples, com novos para-choques, grade e asa traseira dupla; e uma mais radical, com uma dianteira totalmente nova que incluía um par de faróis escamoteáveis. Em ambos os casos era possível optar por um turbocompressor Garrett para o motor CHT 1.6, cuja potência ia de 83 cv para 100 cv.