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Car Culture

Quem disse que não dá para comprar um carro antigo zero-quilômetro?

Por mais que os recursos tecnológicos dos carros de hoje, de forma geral, facilitem a nossa vida, nem sempre os entusiastas os querem – é por isso que, a nosso ver, o antigomobilismo nunca vai perder espaço. Ao contrário: é bem provável que, nos próximos anos, mais e mais pessoas “descubram” o antigomobilismo como forma de apreciar os carros do passado pelo que eles ofereciam: uma experiência ao volante orgânica e sem filtros.

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Só que há outro efeito do passar dos anos – e um efeito óbvio, aliás: esses carros estão ficando mais velhos. Assim, se você quer ter um carro antigo e toda a experiência que ele pode proporcionar, a tendência é que essa se torne uma tarefa cada vez mais árdua daqui em diante. Vai ser mais difícil encontrar um carro inteiro a um preço decente, e mesmo os melhores exemplares sentem o peso dos anos, até porque os carros antigos não usavam materiais tão bons e não tinham um controle de qualidade tão eficiente quanto hoje.

É por isso que surgem cada vez mais empresas especializadas em fazer “carros antigos novos” – restomods, se preferir. Ou seja: refazer os carros do zero, respeitando as formas originais e colocando toda sorte de melhorias – carroceria feita com materiais de melhor qualidade, motor moderno e, às vezes, até mesmo recursos de conforto e conveniência que encontramos em qualquer automóvel zero-quilômetro.

O último que chegou a nosso conhecimento, por exemplo, é um belo exemplo de carro antigo feito em 2021: o Ford Escort Mk2 da MotorSport Tools – ou só MST. A empresa do País de Gales foi fundada em 2008, inicialmente fabricando componentes de preparação para carros de rali. A maior parte de seus clientes, até por uma questão geográfica, era de donos do Escort em suas duas primeiras gerações – ou seja, dos carros que ficaram famosos por suas participações nos ralis, culminando com o título de 1979 do Escort RS1800, conquistado com a ajuda do sueco Björn Waldegaard, que foi o campeão dos pilotos naquele ano.

Com toda a tradição a seu favor, o Escort Mk2 da MST tenta reproduzir com a maior fidelidade possível a essência de um carro da época, ao mesmo tempo em que torna a convivência mais fácil – afinal, o mais novo dos Escort Mk2 hoje tem mais de 40 anos. Então, se você pudesse comprar um exemplar novo e se livrar dos males típicos de um carro antigo – corrosão, histórico duvidoso e negligência de donos anteriores, só para citar três – você não o faria?

A MotorSport Tools começou a se destacar fabricando carrocerias completas para o Escort clássico de tração traseira – e não faltava público, porque lá no Reino Unido ainda existe uma cena muito forte de entusiastas que competem com o Escort. Como os clássicos autênticos estão rareando, por lá costuma ser mais negócio comprar um monobloco novo e instalar os componentes mecânicos de corrida. De quebra, evita-se que um clássico seja usado “até acabar”.

Então, em 2020, a MST decidiu levar o negócio além e começou a montar seu primeiro carro completo, valendo-se de mais de uma década de experiências com esses carros. O resultado, segundo quem teve a sorte de andar nele, é fantástico.

O carro pode ser encomendado com a carroceria normal, igual à que se comprava na Ford há 40 ou 50 anos, ou com para-lamas alargados nas especificações do Grupo 4 de rali. E há algumas opções diferentes de motor, incluindo um Duratec 2.0 aspirado preparado para render 200 cv, um Cosworth YB (a família de motores usada pelo Escort RS Cosworth) com turbo e pelo menos 300 cv. Lembre-se que de o Escort Mk2 original mais potente tinha 117 cv em seu motor 1.8.

Por enquanto apenas um carro ficou pronto – o exemplar vermelho que aparece nas fotos, construído para fins de homologação. É aqui que entram as minúcias técnicas: embora tenha visual de Escort e mecânica Ford, aos olhos do DVLA (órgão equivalente ao Detran no Reino Unido) o carro é simplesmente um “MST Mk2”, e não um Escort. Colocando em termos simples, ele é classificado como um protótipo ou veículo de série limitada – pode ser legalizado e emplacado, desde que cumpra os requisitos de segurança, e não está sujeito às mesmas normas rigorosas que regulamentam os veículos produzidos em série.

Nesta mesma pegada de carro de rali modernizado é impossível não citar o Lancia Delta HF Integrale. Ou melhor, Delta Integrale “Futurista”, uma criação da italiana Automobili Amos. Fruto da mente do entusiasta Eugenio Amos, o carro faz de tudo para borrar a linha entre clássico e moderno – e o faz de uma forma espetacular.

Ex-piloto de corridas e dono de uma experiência razoável com os Lancia, Eugenio decidiu que o Delta podia ficar ainda mais fodástico e colocou a mão na massa para provar.

Falando francamente, esse aqui é meio que uma “trapaça” – a Automobili Amos usa o Delta original como ponto de partida. Mais precisamente, o Delta Integrale 16V, versão com motor 2.0 turbo de 200 cv que é mais comum (e menos valiosa) que o Integrale Evoluzione. Só que não resta nada do carro original exceto pelo monobloco e o número do chassi.

Todo o resto – todo mesmo – é novo. A carroceria recebe novos painéis de alumínio moldados à mão, com uma série de elementos de fibra de carbono: face dianteira, capô e tampa do porta-malas. Ah, e as portas traseiras dão adeus, exigindo reconstrução completa das laterais.

O interior também respeita as linhas originais do Delta Integrale, mas com novo acabamento que mistura fibra de carbono nua, couro e Alcantara. O painel analógico é preservado, mas o volante recebe alguns comandos para o motorista e o quadro de instrumentos ganha um indicador de marchas digital. A ideia era preservar o caráter oitentista do habitáculo, porém com qualidade muito superior à original. E o banco traseiro permanece em seu lugar, com a devida adaptação nos encostos dos bancos dianteiros para facilitar o acesso.

O resultado é um carro 90 kg mais leve. Mas não para por aí: o Delta também recebe um motor 2.0 turbo completamente refeito, com componentes internos reforçados, injeção programável, corpos de borboleta individuais e outras modificações para chegar aos 330 cv. Nada que faça cair o queixo nestes tempos de sedãs de família com 700 cv, porém um aumento expressivo em relação ao original.

Na época em que o Delta Integrale Futurista foi revelado, em 2018, muito falou-se em como a Automobili Amos tinha potencial para explodir em popularidade com esse projeto. Não foi exatamente o que aconteceu – depois do hype, a Amos não foi mais tema de manchete. Só que a produção segue acontecendo, sempre artesanal, e os 20 carros planejados estão sendo entregues aos poucos. Lembrando que cada um deles custou no mínimo €300.000 (mais de R$ 1,8 milhões em conversão direta) a seu dono.

Mas é impossível falar de “clássicos zero-quilômetro” sem mencionar os ícones americanos da década de 1960. Isso porque uma série de empresas especializou-se em fornecer carrocerias inteiras para entusiastas dispostos a embarcar em project cars.

 

A mais famosa delas possivelmente é a Dynacorn, cujas carrocerias para o Ford Mustang original são tão boas que, desde 2011, a própria Ford as oferece como opção a quem está restaurando um Mustang do zero. Empresas especializadas também costumam comprá-las para instalação em chassis feitos sob medida – como a Equus, que vem lá do Oriente Médio e decidiu criar sua própria versão alternativa do Mustang, o Bass 770.

Enquanto o perfil deixa claro que se trata de uma carroceria de Mustang, a dianteira e a traseira foram redesenhadas – aparentemente, com inspiração nos Dodge da década de 60. E o motor é um V8 Chevrolet LS de 6,2 litros com supercharger e 650 cv. Uma verdadeira salada – mas, caramba, é um muscle car zero-quilômetro moderno.

Vale lembrar que a Dynacorn também fabrica carrocerias para outros muscle cars – Chevrolet Camaro 1967 e 1969, Pontiac Firebird 1969, Chevrolet Chevelle 1970 e Dodge Challenger 1970 estão inclusos no programa, assim como a picape Chevrolet 1947 e o famoso Ford 1932. Todos são feitos sob licença dos fabricantes e seguem as medidas exatas dos originais, porém com tratamento anti-corrosão moderno e soldas melhores.

Mas eles não fazem carros prontos – só fornecem carrocerias. Se quiser o serviço completo, porém, há outras empresas que ficariam felizes em te atender.

A mais famosa delas é a Superformance, cujo nome é bastante familiar para muita gente aqui. São eles que, em parceria com a Ford e a Shelby, começaram a fabricar há pouco mais de 15 anos o Shelby Cobra “Continuation Series”: carros feito nos padrões originais, com todas as medidas fornecidas pelas fabricante, com garantia e número de série na sequência dos carros dos anos 60.

Eles também fabricam outros carros no mesmo esquema: Ford GT40, o Shelby Cobra Daytona Coupé, e o Chevrolet Corvette Grand Sport – versão de competição que teve apenas um punhado de unidades produzidas na época. É consenso geral que os carros da Superformance são o mais perto que se pode chegar de ter um carro de corrida americano da década de 1960.

Em todos os casos, o projeto do chassi é baseado no desenho original, e a carroceria é uma recriação praticamente perfeita. Mas muita coisa muda: os materiais são de melhor qualidade, com uma padronização maior; os componentes de suspensão, como amortecedores, pontas de eixo, reforços estruturais, e toda a elétrica.

Em todos os casos, esses carros também são considerados novos pelas autoridades – no caso, a NHTSA (National Highway Traffic Safety Administration), que considera “pequenos fabricantes” empresas com produção total inferior a 325 unidades por ano. Da mesma forma que na Europa, esses carros estão isentos de uma série de regulamentações, incluindo testes de emissões rigorosos e de colisão – o que abre uma possibilidade interessante para o futuro dos clássicos zero-quilômetro.