Ficar bloqueando a faixa da esquerda é apenas a terceira causa de road rage no mundo. Antes disso, os motoristas ficam mais irritados por quem cola na traseira e por todos os que ficam pendurados no celular enquanto dirigem. E é fácil identificá-los, mesmo à distância. Normalmente são os que demoram mais para acompanhar o trânsito, os que travam a faixa de rolamento em que estão. Ou os que parecem bêbados, com dificuldades para se manter na faixa.
Não adianta dizer que fazer isso dá multa, segundo o inciso VI do art. 252 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). O hábito ou a crença de que se é capaz de fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo faz muitos desrespeitarem a regra. Também contribui para isso o fato de o valor das multas estar extremamente defasado. Desde a extinção da UFIR (Unidade Fiscal de Referência), em 2000, elas ficaram sem um fator de correção oficial. Com isso, infrações médias, como as previstas no art. 252, custam só R$ 85,13 e quatro pontos na CNH.
Também não funciona muito apelar para a humanidade de quem insiste em combinar celular e direção, alertando para os perigos da prática. Segundo um estudo da Abramet, o risco de se acidentar falando ao celular é três vezes maior do que o normal. Não sabemos a fonte desta reportagem de Galton Sé, do SBT, mas ele tem um número ainda pior: o risco seria seis vezes maior.
Distração ao volante reduz o tempo de reação de um modo brutal. Segundo uma pesquisa do Transport Research Laboratory, do Reino Unido, quem consome álcool responde 12% mais tarde. Quem fuma maconha leva 21% mais tempo para reagir. Quem fala ao celular tem piora de 35%. Quem digita textos no aparelho tem redução de 91%. Lembre-se de que hoje, com os smartphones, o problema não é mais só o SMS, que quase ninguém mais com estes aparelhos usa. E o Whatsapp, o Facebook, o Instagram e todos os demais programas e sites que exigem leitura e interação. Normalmente pela escrita. Tente se lembrar de gente atendendo uma ligação no celular. Até isso anda raro, não é?
Se fosse para pegar uma sacola do chão, tempo de reação seria mera curiosidade. Quando falamos de reação no comando de máquinas de 1.000, 1.500 kg, e que passam dos 150 km/h, vira questão social. E de justiça, como mostra o vídeo a seguir.
Se você não estiver disposto a assistir, a história é a seguinte: Kari Jo Milberg, 34, de Centuria, Wisconsin, bateu seu carro de frente com uma carreta em dezembro de 2013. Sua filha de 11 anos e dois sobrinhos de cinco anos morreram no acidente. Milberg e seu filho de três anos escaparam vivos, ainda que ela tenha se ferido seriamente. A motorista dizia não se lembrar do que havia acontecido, mas a polícia encontrou seu celular e descobriu que ela estava mandando mensagens pelo Facebook quando bateu.
Milberg foi acusada de triplo homicídio, pegou 10 anos de cadeia e foi condenada a pagar US$ 75 mil em multas, US$ 25 mil para cada uma das crianças que ela matou. Logicamente a vida dos pequenos valia bem mais do que isso.
O risco não é apenas de multa. Nem de empatar a vida dos outros porque você acha que a rua é sua e você pode andar na velocidade que quiser, onde quiser e quando quiser, uma prova suprema de desrespeito a quem está em volta. O perigo verdadeiro é se matar (problema seu) e matar também gente que não tem nada a ver com sua irresponsabilidade. É por isso que tem multa, antes de mais nada.
O caso é tão sério que até os Mythbusters tentaram responder se dirigir com o celular na orelha é pior do que dirigir bêbado. Pegamos o vídeo da conclusão do episódio, mas os outros dois também estão lá. Veja você mesmo:
Mais do que confirmado que celular é pior do que cana. E não é preciso procurar muito para ver o mal que ele causa. Há exemplos diversos no YouTube, como este, típico do que faz quem dirige e fala ao celular ao mesmo tempo:
Não contente em quase atropelar o motociclista uma vez, a mulher com o celular na orelha quase o pegou uma segunda vez. E foi vítima de um episódio de fúria sobre rodas. Podia ser pior, com direito a carteirada. “Você sabe com quem está falando?” em inglês.
Este aqui diz que o motivo de o escape das motos ser aberto é o uso que ele faz no vídeo.
Mas não dá para pensar que os motociclistas são apenas aqueles que exigem dos demais uma atitude responsável. Há flagrantes e mais flagrantes deles fazendo a mesma coisa que os anteriores criticam: falando ao celular.
Isso porque sempre se diz que motos e mar são muito parecidos: ambos são maravilhosos, mas exigem o máximo de respeito. Senão, eles te levam embora. De todo modo, os vídeos de justiceiros em duas rodas são mais frequentes. Inclusive aqueles que realmente têm a lei a seu lado para fiscalizar. Como este policial, disfarçado, segundo o vídeo, e aparentemente na Austrália. Ele emparelha com os motoristas, fala o motivo da multa e manda o cara encostar para “ter uma conversinha”.
Outro policial, ciente de seu papel pedagógico, teve uma reação fantástica ao ver um motorista coladinho a seu smartphone, lá no Reino Unido.
Se fosse em português, ou algo parecido, o guarda teria dito isso aqui:
Afinal, existe jeito certo de usar celular ao volante?
Sim. Há alguns anos essa resposta seria controversa, mas atualmente, com a evolução dos smartphones e dos sistemas multimídia dos carros a operação se tornou tão segura quanto ligar o ar-condicionado ou ajustar os retrovisores. Especialmente por que você não precisa mais atender o celular do modo convencional.
O topo de interação entre o celular e o carro são os sistemas operacionais Android Auto e CarPlay, respectivamente do Google e da Apple, para o sistema de som. Com eles, fica garantido que o celular e as centrais multimídia falam a mesma língua. A interação facilitada tende a aumentar a segurança. Fizemos um belo texto sobre os dois, com todos os detalhes. Veja este vídeo comparando os sistemas:
Até os modelos mais baratos de automóveis já estão saindo com sistemas viva-voz por conexão Bluetooth — e com comandos no volante — e ainda que seu carro seja mais antigo, você não precisa de mais de 350 reais para comprar um suporte de celular e um rádio com conexão Bluetooth e microfone.
Caso você não saiba fazer o pareamento, ou seja, a ligação do celular com o sistema de som do carro, existem tutoriais por vídeo que explicam o processo.
Esse é do sistema Sync, da Ford disponível até no Ka:
Esse, do Chevrolet Cruze:
O do Hyundai HB20 está aqui:
Não tem mistério. Quem tiver paciência ou necessidade de assistir a esses vídeos vai notar que o pareamento é muito parecido em todos os automóveis. E atender às ligações deste modo, além de não representar risco de multa, protege as pessoas a sua volta.
Caso isso não seja possível, você ainda pode partir para a solução mais radical: desligue o celular ao entrar no carro. Se não quiser desligar, deixe-o no modo silencioso, sem vibração. Mantenha-o no bolso ou na bolsa, escondido, para que você não veja a tela se acender quando receber mensagens ou ligações. Só não seja mais um a oferecer risco aos demais. O trânsito brasileiro, que já não mata pouco, não precisa de mais esse perigo.