Desde que a McLaren passou a fazer carros de rua mais acessíveis que o exclusivíssimo F1, qualquer milionário que curte carros pode entrar em uma concessionária ou importadora e pedir um 12C ou um 650S. Mas se você for o dono da McLaren? Que tipo de carro sua garagem abriga?
A resposta está neste Porsche 935 de rua das fotos, que pertence ao milionário saudita Mansour Ojjeh. Ele não é exatamente dono da McLaren, mas sim o CEO e acionista majoritário da holding TAG, que detém 21% das ações do McLaren Group — o que o torna dono de 1/5 do Grupo.
A relação de Mansour com a McLaren começou em 1983, quando Ron Dennis o chamou para uma reunião na qual ofereceu participação acionária em troca de desenvolvimento de tecnologias para a equipe, especialidade do seu grupo que, não por acaso, é batizado de Techniques d”Avant Garde (ou “técnicas de vanguarda”, em português).
Mansour então financiou o desenvolvimento dos motores TAG-Porsche, que foram usados pela McLaren a partir de 1984 e renderam a equipe um tricampeonato de pilotos com Niki Lauda (1984) e Alain Prost (1985 e 1986) e dois títulos de construtores (1984 e 1985). A empreitada bancada por Mansour também representou a participação mais bem sucedida da Porsche na Fórmula 1 — melhor até que a equipe de fábrica dos anos 1950 e 1960.
Então, em vez de escolher qualquer supercarro incrível e exclusivo à venda na época, ele simplesmente chamou os caras da Porsche e pediu que fizessem um 935 de rua para ele.
O Porsche 935 foi um carro de corridas criado em 1976 para disputar o Grupo 5 da FIA — na época essa era a categoria mais louca e libereal baseada em carros de rua. Por isso os engenheiros da Porsche usaram como base o 930, a primeira geração do 911 Turbo. O projeto era simples (no começo): motor 2.8 com injeção mecânica e sobrealimentado por uma imensa turbina KKK, diferencial travado para melhorar a tração, e entre 550 e 650 cv de potência, dependendo da pressão do turbo.
Mas os caras conseguiram explorar todas as brechas do regulamento, com exceção do peso mínimo de 970 kg. Eles descobriram que poderiam arrancar os para-lamas salientes do 911 e adotar faróis escamoteáveis para fazer uma dianteira com melhor penetração aerodinâmica (conhecida como flatnose) e também criaram uma espécie de carroceria de duas camadas para atender à parte do regulamento que exigia que os painéis originais do carro fossem mantidos — eles estavam lá, mas cobertos por um monte de fibra e metal em formas um pouquinho diferentes. Além do bico aerodinâmico, o 935 tinha uma cauda longa para reduzir ainda mais o arrasto aerodinâmico, com o aerofólio distante para multiplicar a pressão aerodinâmica e bitolas largas para reduzir transferência lateral de peso.
O resultado foi praticamente um carro novo, que embora seja um 911 tecnicamente, acabou conhecido pelo seu código das pistas: 935. O carro faturou as 24 Horas de Le Mans e outras 120 corridas entre 1976 e 1981 e acabou copiado por muitas equipes independentes. O visual tipicamente dos anos 1980 do 935 fez muito sucesso entre o público e algumas oficinas e preparadoras como a Kremer ofereciam conversões”flatnose” para o 930 de rua, porém mantendo a traseira original.
Mas nenhum deles era como o 935 de Mansour.
Quando você é um dos principais acionistas da McLaren e tem todos os contatos com o alto escalão da Porsche, você não precisa recorrer a uma oficina qualquer para ter seu Porsche exclusivo. Você simplesmente liga para a própria fabricante e fala algo como:
Hallo? Aqui é Mansour Ojjeh, alles gut? Eu preciso de um carro novo e estava pensando se vocês não poderiam fazer um 935 de rua com um interior luxuoso e aconchegante, afinal, eu sou um dono de equipe.
Na época a Porsche havia acabado de criar sua divisão de veículos personalizados, e foram eles os responsáveis pela construção do 935 Street, como foi batizado. A ideia parecia simples, afinal, qual seria a dificuldade de colocar um interior bacana em um carro de corrida?
Acontece que carros de corrida são feitos para andar mais rápido do que os rivais, mesmo que isso signifique sacrificar ergonomia e estética e algum conforto. Eles não poderiam simplesmente adaptar um dos 935 de corridas para o ilustre cliente.
Em vez disso eles usaram um 930 novinho, e o equiparam com componentes de corrida: o motor 3,3 veio do 934 e tinha 380 cv, enquanto a suspensão e os freios eram do 935, assim como o estilo da carroceria. As rodas eram BBS de duas peças, com aros parafusados ao miolo, e foram calçadas em pneus 345/35, a mesma medida usada nos 935 de corrida.
No total, o carro tinha quase 550 modificações em relação ao 930 original — o pedido feito por Mansour tinha 17 páginas — que resultaram em um dos Porsche mais exclusivos já feitos. A cor vermelho brilhante foi misturada exclusivamente para o carro, e ele tinha bancos de couro creme e detalhes de madeira, algo inédito nos Porsche, além de um sistema de som hi-fi da Clarion.
O preço do 935 Street nunca foi divulgado, mas estima-se que ele tenha custado três vezes mais que um 911 Turbo zero-quilômetro — o que explica o fato de ele ter sido o único 935 Street construído pela Porsche. Agora, 30 anos depois de sua construção, o 935 Street será leiloado pela Bonhams em Spa. O preço estimado de venda é de € 310.000 ou R$ 940.000, novamente quase três vezes o preço de um 991 Turbo zero quilômetro na Europa.