Caros amigos! Promessa é divida e aqui estamos. Depois de um enorme hiato sem meu nome associado à seção Project Cars, vamos quebrar essa interrupção em grande estilo. A partir de hoje vocês irão conhecer como começou nossa história com o Sandero RS do FlatOut, o que e como foi feito nele até hoje e as ideias e preparações que serão feitas nele. Como vocês sabem, a existência deste carro está ligada a uma grande missão: ser o veículo oficial do FlatOut Driving Academy. Mas, por uma série de coincidências felizes, o Sandero RS, que na concepção original do projeto ficaria totalmente OEM, acabou se tornando também um Project Car – e com um número comemorativo (pura coincidência): ele é o PC #500!
No caso de você estar meio por fora do que temos feito, trata-se de uma série especial de vídeos sobre técnicas de pilotagem e dinâmica automotiva, voltada para entusiastas apaixonados por direção esportiva. Abaixo temos a playlist dos episódios do FlatOut Driving Academy. Pra selecionar, basta clicar no ícone de três tracinhos sobrepostos, no canto superior esquerdo do player:
A partir de hoje nós vamos começar a contar todos os detalhes e capítulos da história, planos e preparações para ele. Este post será um pouco mais longo porque contaremos um pouco da história de antes mesmo do carro chegar em nossas mãos. Mas será um leitura muito prazerosa e com alguns detalhes interessantes, garanto a vocês. E se você é fã do Sandero RS, temos um ensaio caprichadaço do carro antes de ser modificado no meio do post! Vamos lá?
A motivação e o herdeiro
Nossa história não começa num franco-romeno, mas sim, num nipo-americano. Originalmente, o FlatOut Driving Academy seria feito com o meu Honda Prelude 4WS 1992, carro importado de forma independente dos EUA na época e que está comigo há quase cinco anos. Apresentarei todos os seus detalhes aqui na seção Project Cars, um pouco mais pra frente. Desde que o comprei, investi pesado restaurando e fazendo upgrades em sua suspensão e freios, mas faltava o principal: realizar o swap para um K-Series Honda, que seria uma opção mais potente, eficaz e principalmente confiável frente ao H-Series do Prelude. Pra um projeto desses, envolvendo tanta pilotagem em circuito, confiabilidade é fundamental.
Mas eu não sou exatamente um iniciante nesse meio. Swap de motor é coisa de gente grande (vamos excluir os Chevrolet dessa conta, porque lá tudo é tão fácil que parece que os engenheiros já desenvolvem os motores e transmissões pensando em swap), envolve muita grana e há uma fase de shakedown na qual muitas coisas ainda podem dar errado e exigir melhorias de projeto. Com a crise do Brasil combinada à crise econômica do jornalismo, estava transparente que isso jamais iria acontecer em tempo hábil. Talvez leve muitos anos até o carro ficar nestas condições. Em meados de 2017 estava pressentindo que sobreviver já seria uma missão – e dado momento, decidi não investir mais em evoluções pesadas no Prelude e comecei a me desfazer do meu ex-Dodge Dart e de suas peças para manter o FlatOut de pé. A grana estava acabando e eu tinha de ser responsável.
Estava meio desapontado e agoniado. Precisava fazer o FlatOut Driving Academy de algum jeito. É um projeto que vinha bolando com carinho desde o nascimento do próprio FlatOut. E nisso veio o estalo: “puxa, é um projeto de conteúdo longo e muito diferenciado. Apesar de o foco ser dinâmica automotiva e técnicas de pilotagem, o carro será uma estrela. Será que alguma marca não se interessaria por isso?”.
Imediatamente depois disso, me dei conta: só existem dois carros que, em estado OEM, atendem à condição de aguentar mesmo a pancada de dar dezenas de volta na pista sem abrir o bico – o Suzuki Swift Sport e o Renault Sandero RS. Dois carros excepcionais. Com o Swift Sport descontinuado na mesma época, a única bala na agulha possível seria o Sandero RS.
Entram o Sandero RS e a Ordospec no projeto
Em alguns dias, comecei a montar uma apresentação sobre o que seria o projeto para encaminhar ao diretor de comunicação da Renault, o Caíque, que sempre foi fã de automobilismo – o que aumentaria nossas chances. Nesse meio tempo, comentei com o Bruno Ordones a respeito do projeto. O Ordones, como muitos de vocês sabem, é um dos maiores especialistas de F4R (o 2.0 16V do Sandero RS, que equipou diversos modelos como Scénic, Duster, Mégane e Laguna) e de Clio do Brasil. É o dono do Project Car #79.
A ideia inicial era conversar com ele sobre cuidados com o F4R e buscar tanto um histórico de pontos de atenção em médio prazo de convivência com o veículo quanto saber o que a galera andava fazendo por aí em termos de setup de pneus e geometria de suspensão. Mas a reação eufórica do Ordones deixou claro que começaríamos mais do que uma consultoria. Era quase um alinhamento cósmico: ele havia iniciado há algum tempo a Ordospec, empresa focada inicialmente em upgrades para Sandero RS – e os short shifters, pôsteres e adesivos eram um pequeno pixel do Iceberg no qual ele estava trabalhando desde que ele soube que o Sandero RS iria ser lançado. Mais do que ajudar por ser leitor e amigo, havia de fato uma oportunidade de convergência enorme para um trabalho conjunto.
Marcamos uma reunião num shopping de SP. E lá descobri a magnitude de tudo o que estava acontecendo. O cara estava bolando algo que não via no Brasil desde a época da Envemo e que acontece muito na França e na Inglaterra – uma empresa voltada para fabricar kits de performance do tipo plug & play para determinado modelo, de forma especializada. Volante de motor aliviado, coil over, espaçadores de roda, kit completo de discos maiores na dianteira, diferencial de deslizamento limitado, cluster de instrumentos personalizado – e mais uma série de outros componentes animais que ainda não posso revelar publicamente. Nada menos que sensacional.
E não falamos da grande cereja do bolo da Ordospec, que na época ainda estava para entrar em testes em fase “beta” no carro de Ingmar Biberg, o Guinho, da Injepro. O kit RS200, que eleva o output do Sandero RS ao nível de um Civic Si: cabeçote com sério retrabalho de fluxo, comando bem mais bravo mas ainda totalmente streetable, coletor de escape dimensionado ao conjunto e uma central eletrônica para cuidar da injeção e ignição dessa nova demanda de fluxo. O ronco do carro muda completamente – e as curvas de potência e de torque vão para outro nível. Falaremos disso em breve, mas por ora… aumente o som para este onboard com o Guinho em Cascavel! Este kit estará à venda num futuro próximo: os testes estão em fase final e o começo das vendas provavelmente casará com a apresentação do kit RS200 no Sandero RS do FlatOut. Ops, acabei já adiantando uma parte da história.
Nessa reunião, Ordones propôs que nosso carro fosse um show-and-go car da Ordospec, fazendo par ao modelo Sirius Yellow do próprio Bruno – e mais do que isso, cuidaria de fazer um layout especial do FlatOut para o nosso Renault. Com tudo isso, o Sandero RS seria mais do que um carro usado pro FlatOut Driving Academy: se transformaria num Project Car à parte e uma bandeira ambulante do próprio FlatOut.
Ao Ordones, pedi apenas duas coisas: que seria legal ter nossas faixas substituindo as laterais originais do RS e que o carro fosse reconhecível como o “Sandero RS do FlatOut” sob qualquer ângulo – inclusive de cima. Depois de uma ou outra ida-e-vinda, o resultado foi essa projeção fodástica! O bigode “bleu de france” ficou matador. Desculpe Renault, o nosso é mais legal que o Racing Spirit 🙂
O carro ficou quase 100% idêntico à projeção. As diferenças estão nos seguintes itens: os espelhos – depois de testarmos as faixas, achei que era informação demais e mantive OEM –, adicionamos alguns blackouts adicionais nos logos da Renault (Ordones aplicou também na dianteira e nas calotinhas, dando um aspecto mais invocado) e os bancos permaneceram iguais aos de fábrica.
Bem, ao menos até uma semana atrás, graças a um presente do estúdio Renault Design América Latina, mas isso é assunto pro próximo post. Mas fica o teaser…
Bem. Algumas semanas depois dessa reunião com o Ordones, a notícia que permitira o começo de tudo: a Renault gostou muito do projeto do FlatOut Driving Academy e com isso teríamos o nosso Sandero RS mediante um contrato de permuta, frente ao qual teríamos de entregar um certo volume de episódios até meados de 2019.
Na época, ainda não tínhamos a parceria com a Pirelli e, por isso, solicitei a eles que substituíssem os pneus Continental por um jogo de Michelin Pilot Sport 4 que equipam os Racing Spirit e também que me enviassem um jogo extra, porque sabia que precisaríamos de muitos pneus. Como sabia que o carro deixaria de ser original em seu visual muito em breve, tratei de fazer um ensaio fotográfico de despedida de seu look OEM. Alguns de vocês viram essas fotos em nosso Instagram, mas eis aí as imagens em alta resolução! Basta clicar para ampliar.
Quando viu as postagens no Instagram, o Daniel Soares da oficina e preparadora Home Garage me deu um toque: ele estava no Shopping vizinho jantando. Desci para encontrá-lo. Tínhamos acabado de firmar uma outra parceria essencial para o FlatOut Driving Academy, que falaremos a seguir. Na volta, a combinação de chuva + iluminação de LEDs + arranha-céus a la Los Angeles não me deixou dúvida: tomei um banho de chuva e mandei bala nesses cliques. Fiquei muito feliz com o resultado, ainda mais num ensaio improvisado! Note os pneus extras dentro do porta-malas na terceira foto!
Juntando forças: BLK STN e Home Garage
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Antes mesmo de falar com o Ordones – ou seja, antes mesmo de sabermos se o FlatOut Driving Academy seria viável, já que precisaríamos de um carro –, o projeto já contava com uma produtora muito talentosa por trás. A BLK STN Media, da dupla Chris Reid e Rafa Kamogawa. Era uma empresa que já vinha fazendo alguns jobs de altíssimo nível, como para a Audi, Jaguar (vídeo acima), Land-Rover e Hyundai, mas em 2017 eles decidiram mergulhar de cabeça para abrir frentes no mercado. Mais um alinhamento dos planetas. Nós acabamos fazendo parte desse reposicionamento da BLK STN, e mais do que isso, mesmo sabendo de nossos recursos limitados, eles toparam participar do projeto porque acreditam nele e no FlatOut. Pra fechar com chave de ouro, nosso amigo Fábio Aro entrou junto com a BLK STN e está participando dessa loucura que são as filmagens!
De preto, da esquerda pra direita: Sandero RS, Fabio Aro, Chris Reid e Rafa Kamogawa. De vermelho, bem, eu.
Tínhamos o carro, upgrades mecânicos disponíveis e uma produtora. Mas faltava algo essencial: alguém que pudesse cuidar da preparação do Sandero RS. Embora os componentes da Ordospec sejam plug & play em sua maioria, precisávamos de alguém com excelência técnica pra garantir que não haveria retrabalhos e que tivesse conhecimento prático do mundo dos track days e do automobilismo, podendo não só colaborar com mão de obra, mas também com conhecimento de forma a ajudar a direcionar o próprio projeto.
Por coincidência, alguns meses antes deste papo com a Renault tomar forma, eu tinha ido conhecer o Daniel Soares, da Home Garage, por indicação do Gus Loeffler, dono dos projetos MothaFocus e do Passat GTS Pointer aspirado (que vocês ainda verão num Midnight, prometo!). Daniel tem em sua carreira um longo trabalho com a Brasil GT3 Championship e muita vivência no meio dos track days com o seu ex-Corsa. Como se não fosse suficiente, ele foi o responsável pela execução de todo o projeto do BMW Malbina, um carro que vocês ainda conhecerão em todos os detalhes aqui no FlatOut! Nós só não fizemos esta produção ainda porque o carro recentemente recebeu alguns componentes novos na carroceria.
Dado momento, tive a sensação de estar formando uma gangue, como Nicholas Cage fez em 60 Segundos. Mas essa impressão passou rápido…
…porque virou certeza no encontro entre amigos que fizemos no dia em que pegamos o Sandero RS. Da esquerda pra direita: Gus Loeffler, Kathy e Bruno Ordones (Ordospec), Ale (dono do Clio Turbo do FlatOut Midnight), Glenda Pereira e José Mendes (Comunicação e Design Renault), Max Loeffler (Design Renault e dono dos PC#333, o Gol Turbo Draw-Through e PC#498, a Kombi 1965 “Valdirene”), eu, Leo Contesini e o Daniel Soares (Home Garage)!
Primeiras modificações
O nosso Sandero RS viveria dois estágios: o primeiro e atual, basicamente OEM com toda a customização visual e mais apenas quatro upgrades Ordospec, que detalharemos a seguir, e um segundo estágio com preparação mais avançada, com o kit RS200 mais uma série de componentes na parte de conjunto dinâmico.
O projeto em si não é de grande complexidade na teoria, ainda mais quando comparamos com os projetos que envolvem muita customização e preparação hardcore aqui no Project Cars. Contudo, existe um fator que deixa tudo bem mais complexo: o tempo. Nosso Sandero RS não nasceu para ser um Project Car, isso foi uma consequência. A prioridade e a razão de existência são as filmagens. Isso exigiu uma agenda toda diferenciada: cada etapa de alteração Sandero RS precisa estar muito bem planejada e encaixada entre as filmagens.
A primeira etapa foi a aplicação prática do design criado por Ordones. Para isso, foi fundamental a ajuda do Max Loeffler, que conseguiu um espaço no estúdio Renault Design América Latina onde pudéssemos trabalhar com bastante luz e espaço para instalação do cluster personalizado e a aplicação dos vinis Oracal. E essa porta que Loeffler abriu lá trouxe outros desdobramentos muito legais para o carro.
Detalhe insano: nossas faixas laterais não são impressas! Para ter uma qualidade superior, Ordones e Kathy cortaram à mão cada pedacinho do vinil de cada cor que compõe esta faixa. Amplie a foto abaixo e veja com atenção: existem alguns locais de vinil vermelho que são do tamanho de uma cabeça de fósforo!
Vamos a alguns momentos do dia…
Ordones fazendo a aplicação do cluster personalizado. Eles possuem várias cores em catálogo (clique aqui para ver), mas o do FlatOut é item exclusivo 🙂
…ficou sensacional! Quer ver de perto?
Está vendo a moldura negra nos instrumentos? Originalmente ela é cinza, como na foto lá de cima. Foi uma gentileza do estúdio Renault Design América Latina. Eles também pintaram de preto o extrator decorativo do para-choque traseiro, bem como pintaram o bigode de Bleu de France, pois neste dia tínhamos envelopado e não tinha ficado tão bom. Os bancos personalizados, que veremos no próximo post em detalhes, também foram um presente dos caras. Detalhe importante: não havia nenhuma parceria com o estúdio de design no projeto. Tudo isso foi acontecendo porque o Max Loeffler fez esta ponte e, com isso, José Mendes e Vincent Pedretti conheceram o nosso projeto, simpatizaram e nos deram uma baita força. Fica o nosso mais sincero agradecimento.
Nosso Sandero RS 100% OEM…
…e aqui já sem as faixas laterais. Fica muito bacana dessa forma também.
Ordones aplicando a faixa a tampa traseira. Para isso, removemos os logotipos originais.
Aplicação da faixa no teto. Parece simples, mas o teto é convexo para os lados.
O vinil do teto. Pense num troço grande…
Ordones aplicando o soprador térmico enquanto Rafa confere o alinhamento.
Resultado final! O acabamento fosco do “FlatOut” dá um charme especial, pois embora grande, ele se torna mais uma textura que um logo.
O mesmo estilo foi aplicado na tampa traseira do lado esquerdo. Nesta foto, a fechadura já tinha sido pintada de Preto Nacre. O logo traseiro da Renault virou black chrome algumas semanas depois. E algum tempo depois ainda, foi a vez do losango da dianteira.
Resultado final! Um carro com cara de série especial. Sandero RS FlatOut Edition 1 de 1!
Com ele devidamente tematizado, corremos para a Home Garage com as peças que Ordones havia deixado comigo. Abaixo, temos Daniel Soares ensaiando um passo de break dance.
Aqui temos uma peça que considero tão boa que deveria vir no Sandero RS de fábrica: o short shifter regulável Ordospec, que foi a primeira peça desenvolvida por eles. Estão vendo que há quatro furações? Cada uma delas altera o curso longitudinal dos engates: 0% (igual ao OEM), 12% mais curto, 25% (a que estou usando neste momento) e 38% mais curto. Além disso, a simetria do curso em todas foi alterada para uma razão de 40% para a frente e 60% para trás na movimentação longitudinal da alavanca, em vez de ser simétrica, deixando o movimento mais natural sob aceleração. A instalação é relativamente simples: basta remover o air box, a bateria e os pinos elásticos (atenção ao comprimento das punções) que travam a peça OEM, instalar a peça Ordospec e fazer a operação reversa.
Abaixo temos os espaçadores de roda de 12mm para o Sandero RS, feitos de alumínio e que acompanham parafusos mais longos e anéis centralizadores em aço 1045. Esta peça fotografada ainda era um protótipo: a versão final tem acabamento ainda mais refinado. A Ordospec disponibiliza estes espaçadores tanto para o eixo dianteiro quanto para o traseiro, mas preferimos utilizar apenas no eixo dianteiro. O motivo é a dinâmica: como queríamos reduzir um pouco o sub-esterço, ao instalar somente no eixo frontal os espaçadores, iríamos reduzir a transferência lateral de carga naquele eixo, aumentando a capacidade de aceleração lateral (aderência) na dianteira. Quem prefere um visual mais simétrico pode optar pelo jogo completo (dianteiro e traseiro), o que preserva as características dinâmicas originais do Sandero RS, mas com menos transferência lateral de carga.
E abaixo temos uma peça que virou raridade entre os entusiastas do Sandero RS: as molas Ordospec, que ganharam o apelido carinhoso de “Ordomolas”. Elas foram desenvolvidas após análise meticulosa em dinamômetro do conjunto original e muitos quilômetros de testes com pilotos profissionais em autódromo e nas ruas. Elas rebaixam o veículo em cerca de 30 mm, mas o mais importante é a alteração no balanço de carga: elas são proporcionalmente muito mais rígidas na traseira (100% maior) que na dianteira (37% maior), virando outro componente para ajudar a mitigar o sub-esterço e auxiliando na pivotagem da traseira nas entradas de curva. Por enquanto estas peças estão descontinuadas, mas vale ficar de olho.
Outro componente que nosso carro recebeu são os camber bolts, parafusos excêntricos que são instalados entre as mangas de eixo e as torres do amortecedor e que permitem até dois graus negativos de cambagem em cima do (aproximado) um grau negativo OEM. Estas peças que estamos usando são itens de teste, e por isso não registramos imagens. A versão final deve chegar ao mercado em breve!
São várias as vantagens de se ter alguma cambagem negativa na dianteira. Primeiro, há um ganho de aceleração lateral naquele eixo: com o pneu levemente inclinado pra dentro (cambagem negativa), a carga da própria massa do carro causa uma deformação elástica na banda de rodagem e na carcaça do pneu que resultam em uma força em direção à inclinação. De forma grosseira, é quase uma pré-carga de aceleração lateral, que aumenta conforme o ganho de carga no pneu de apoio. Este fenômeno é conhecido como camber thrust.
Em segundo lugar, a rolagem da carroceria durante as curvas feitas no limite faz o ângulo de cambagem tender a ficar positivo (topo do pneu inclinado pra fora). Isso acontece porque os braços de suspensão estão presos na carroceria: se ela se inclina, o ângulo destes braços se altera e com isso a posição relativa das rodas também. O arco descrito por esta variação de cambagem de acordo com a rolagem de carroceria se chama curva de cambagem. O comprimento e posição dos braços de suspensão fazem esta curva variar bastante e, adivinhe, o sistema McPherson (padrão em 90% dos carros, incluindo nosso Sandero) é um dos piores neste quesito, apresentando as maiores variações. O sistema em duplo A (double wishbone), pelo contrário, é um dos melhores, senão o melhor, mas é muito mais caro e consome um espaço tamanho que fica restrito a esportivos (e mesmo assim, muitos ficam no McPherson).
Quando você tem cambagem negativa, você está fazendo uma pré-compensação desta variação: o ideal é que, nas curvas, você ainda tenha um pouquinho de cambagem negativa pra gerar o camber thrust citado lá em cima. E acima de tudo, você deve buscar o máximo de área útil de pneu em contato com o solo: a partir de certo ponto de cambagem negativa, você começa a perder todos os benefícios.
A chegada da Pirelli e dos P Zero Trofeo R no projeto
Em paralelo a todo este processo de customização do Sandero RS, estávamos em longa conversa com a Pirelli. Por muitos anos aqui no Brasil a marca era mais conhecida pelos produtos de maior volume, com perfil mais de entrada, mas de alguns anos para cá a Pirelli investiu forte no lado high end: não só no âmbito das competições, como a Stock Car, a (hoje extinta) Lancer Cup e a Porsche GT3 Cup, mas também nos produtos de varejo voltado para alta performance (asfalto e off-road) e carros exclusivos e superesportivos.
O produto que virou a bola da vez é o que está no topo da cadeia alimentar dos pneus de rua da Pirelli e que virou a vedete de todos os 911 e Cayman que estão andando na frente nos eventos do Porsche Club: o P Zero Trofeo R. É o mesmo pneu que equipa os McLaren P1 e Senna, que já teve duas unidades encomendadas para o Brasil, e que também equipou o épico Camaro Z28, que cravou nada menos que 7:37 em Nürburgring Nordschleife há nada menos que quatro anos. Do Z28, aliás, uma história curiosa: a capacidade de desaceleração com os freios de carbono-cerâmica combinados a estes pneus ficou tamanha que eles se movimentavam dentro da roda – a Chevrolet teve de fazer um acabamento abrasivo na borda do aro da roda para manter os pneus no lugar.
Apesar do nível altíssimo de aderência (o nosso Sandero RS registrou curvas a 1,25G de aceleração lateral tanto na Capuava quanto em Interlagos – isso ainda com melhorias a serem feitas na geometria de suspensão), o P Zero Trofeo R é um pneu 100% street legal D.O.T., diferentemente dos Toyo R888 ou Yokohama A048, que possuem a classificação “competition use only”. Mas, claro, como todo produto deste nível, é um pneu de valor alto: numa analogia, seria algo como quem procura equipar o seu carro com um turbo roletado com componentes cerâmicos e titânio. Ele também requer direção bastante prudente em piso molhado ou gelado (abaixo de 5ºC): é um produto extremamente focado.
A Pirelli gostou do projeto tanto do Sandero RS quanto do FlatOut Driving Academy e, com isso, nos últimos instantes antes das filmagens começarem, acertamos a parceria técnica. E com isso, o nosso RS está calçando verdadeiros chicletes. Mais rápido que eles, realmente, só um jogo de slicks.
O carro foi para a Quadrelli, uma ótima empresa de alinhamento no bairro da Vila Sônia, para a instalação dos pneus e alinhamento. Muitos clássicos, superesportivos e carros de competição alinham por lá. Acima temos o nosso Sandero RS ainda calçando os Michelin…
…aqui, uma comparação lado a lado. São pneus de propostas totalmente diferentes.
E aqui temos ele já de Pirelli P Zero Trofeo R!
Na foto acima conseguimos visualizar que o lado de apoio da banda de rodagem (direita da imagem) nas curvas é totalmente inteiriço e quase liso: isso não só aumenta o tamanho da área de contato com o solo como também reduz a torção dos elementos da banda de rodagem nas curvas. Já o lado interno (esquerda) apresenta os sulcos de escoamento de água e redução de ruído. Este design híbrido nos lembra um pouco o conceito do P Zero original, que equipava a imortal Ferrari F40: esteve combinava dois compostos no mesmo pneu!
Em vários sentidos o Trofeo R lembra um pneu de competição: é fabricado na planta turca da Pirelli (onde eles fabricam os slicks de competição), requer ao menos meia volta de aquecimento no circuito para entrar em sua temperatura operacional ideal, sua temperatura de trabalho é bastante alta (embora o dado oficial não esteja disponível, diria que está na casa de 80 a 90ºC), o ganho de pressão entre a fase fria e quente fica na casa de 5 a 8 psi e sua pressão ideal a quente declarada está em 32 psi. Essa pressão quente seria baixa demais para um pneu convencional, mas o Trofeo R possui um projeto de carcaça extremamente rígido e leve.
O Trofeo R é um upgrade seríssimo de performance. E como todo upgrade deste calibre, ele requer o redimensionamento de todo o projeto, no caso, de suspensão. É aderência demais para as buchas originais e a carga OEM de amortecedores e, com isso, a carroceria está rolando um pouco mais do que o ideal, causando uma variação de cambagem que idealmente seria um pouco menor.
Nós ainda estamos experimentando diversas configurações de cambagem, divergência e pressão de pneus na traseira, pois o ganho excessivo de aderência trouxe outra consequência ao Sandero RS. Ele está saindo mais de frente, pois os Trofeo R impedem que a traseira escorregue nas configurações de pressão de pneu e geometria que experimentamos até agora – até porque o tempo para testar o carro em pista foi praticamente nulo nesta fase inicial, pois a prioridade total era começarmos as filmagens.
Então vai um pouco de chão e de janelas de oportunidade de dias de testes até conseguirmos explorar todo o potencial de aderência destes pneus. E mesmo assim, já experimentamos 1,25 G de aceleração lateral. Agora é balancear a dinâmica do conjunto.
No próximo capítulo deste Project Car, iremos detalhar a última etapa de customização do nosso Sandero RS, quando ele recebeu os bancos com o nosso tema, bem como iremos falar um pouco sobre a tocada do próprio Sandero RS com estes upgrades da fase I e mostraremos um pouco do backstage das filmagens.
Depois disso, iremos detalhar de forma extensiva as peças do “Stage 2” do nosso Sandero RS, quando ele irá receber o kit RS200 da Ordospec e mais uma série de upgrades dinâmicos, também da Ordospec! Depois, acompanharemos com o Daniel Soares da Home Garage as etapas de desmontagem e preparação do motor. E depois? Ora! Vamos descobrir e mostrar como é acelerar um Sandero RS aspirado de 200 cv e continuar o FlatOut Driving Academy num carro muito mais veloz e barulhento! 😉
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Por Juliano Barata, PC# 500