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Car Culture

Sean Connery como 007: os carros do primeiro James Bond no cinema

A série de Ian Fleming sobre James Bond nasceu nos livros, mas foi através dos filmes que 007 se tornou o espião mais famoso do planeta. E tudo começou com Sean Connery, que foi o primeiro ator de Hollywood a viver o agente secreto em “007 contra o Satânico Dr. No”, de 1962, e repetiu o papel em outros seis filmes.

Sean Connery morreu no último dia 31 de outubro aos 90 anos de idade. O lendário ator com mais de 60 anos de carreira faleceu em sua casa nas Bahamas, enquanto dormia, e a notícia foi dada pela própria família no mesmo dia. Embora a causa da morte não tenha sido divulgada, o filho de Sean Connery, Jason, disse que o pai já não estava bem havia algum tempo. No dia seguinte a viúva do ator, Micheline Roquebrune, confirmou que Sean Connery sofreu de demência nos últimos anos de sua vida –  e que seu último desejo era mesmo morrer em paz, sem alarde.

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Uma das pessoas que se pronunciaram a respeito de Sean Connery após sua morte foi Sir Jackie Stewart, um dos melhores amigos do ator. Stewart disse que visitou Connery pouco antes de sua morte, e declarou que não foi agradável. Para ele, era evidente que o ator preferia ter morrido antes. “Acho que Sean gostaria de ter partido um pouco mais cedo. Ele não estava bem.”

Sean Connery participou de mais de 40 filmes ao longo da vida e teve inúmeros papéis de destaque, mas foi James Bond quem o projetou ao estrelato – uma marca que o acompanhou pelo resto da vida, e que às vezes o irritava um pouco. Foi isto o que levou Connery a aposentar-se do papel após seu quinto filme (“007 contra a Chantagem Atômica”, de 1965), mas ele ainda viveu 007 outras duas vezes – em “007 – Diamantes são Eternos”, de 1971; e “007 – Nunca Mais outra Vez”, de 1983.

Apesar da ligeira implicância de Sean Connery com o papel, é verdade que para muitos ele é o James Bond definitivo. E isto inclui, claro, os carros que ele dirigiu na telona – que também se tornaram indissociáveis da imagem de 007, como veremos a seguir.

 

Sunbeam Alpine Series II – “007 contra o Satânico Dr. No” (Dr. No, 1962)

Embora o Aston Martin DB2, que veremos adiante, tenha se tornado sinônimo de Bond car, o primeiro carro que 007 dirigiu no cinema foi um britânico bem mais humilde: um Sunbeam Alpine Series II, roadster que teve quase 20.000 unidades produzidas entre 1960 e 1963.

O motor era um quatro-cilindros de 1,6 litro com 80 cv – afinal, era o primeiro filme e James Bond tinha de começar por baixo. A Eon Productions, que detém os direitos sobre a filmografia de 007, pagou £ 900 pelo carro na época; e atualmente um bom exemplar do Alpine Series II custa cerca de £ 7.000 – valores que fazem dele o mais acessível de todos os Bond cars até hoje.

O carro é o astro da primeira perseguição em toda a história dos filmes de James Bond, em “007 contra o Satânico Dr. No” (1962). Ela começa quando 007 deixa o apartamento de uma espiã rival (Miss Taro) e um carro funerário Humber sai na sua cola. Os dois carros seguem por uma estrada de terra até que, sem condições de acompanhar o ágil conversível, o enorme rabecão cai por uma ribanceira.

A cena em si é meio desajeitada – em algumas tomadas o carro de James Bond está parado em um estúdio com imagens projetadas atrás, e dá para perceber que os movimentos de Sean Connery ao volante não correspondem à direção que o carro segue. Além disso, mesmo que seja em uma estrada de chão batido, dá para ouvir o cantar dos pneus sobre o asfalto na sonoplastia.

Por ter tão pouco destaque, o Sunbeam raramente é lembrado ao citar os Bond cars mais icônicos. Mas foi ele que começou tudo.

 

Bentley 3 1/2 Litre – “Moscou contra 007” (From Russia with Love, 1963)

No filme seguinte, Sean Connery fez um upgrade e tanto ao trocar o acessível Sunbeam por um Bentley que, na época, já era clássico: um 3 1/2 Litre fabricado em 1935. O conversível era equipado com um seis-em-linha de 3,7 litros e 110 cv; e a carroceria era fabricada pela Park Ward, uma das várias coachbuilders da época. Ao longo do filme o carro é chamado de “Bentley Mark IV”, mas na verdade este é o sucessor do 3 1/2 Litre, introduzido em 1937.

O carro faz uma aparição breve no filme – foi só a partir do próximo que os carros passaram a receber mais destaque na produção e no enredo.

 

Aston Martin DB5 – “007 contra Goldfinger” (Goldfinger, 1964) e “007 contra a Chantagem Atômica (Thunderball, 1965)

Se o Bentley de “Moscou contra 007” era um mero coadjuvante, o Aston Martin DB5 introduzido por “007 contra Goldfinger”, do ano seguinte, era quase tão protagonista quanto o próprio James Bond. Ele foi o primeiro esportivo caro a aparecer em um filme da franquia e o primeiro a receber armas e gadgets de espionagem. E ficou tão fortemente ligado à imagem de 007 que retornou às telas outras vezes, mesmo depois que Sean Connery se aposentou do papel. No total, o DB5 apareceu em sete filmes e foi conduzido por Pierce Brosnan e Daniel Craig no papel de 007, além do próprio Sean Connery. O DB5 aparece pela primeira vez aos 22 minutos do filme, depois que James Bond chega ao escritório de Q e pergunta “Where’s my Bentley?”

Apesar de ser um belo motor, o seis-em-linha de quatro litros e quase 300 cv usado pelo carro era seu aspecto mais mundano – com o DB5, James Bond dispunha de um escudo à prova de balas na traseira, metralhadoras, navegador por GPS, cortadores de pneus, cortina de fumaça, assento ejetável e um sistema para alternar entre três placas diferentes.

Foram feitos dois carros para a produção do filme – idênticos por fora, porém apenas um deles tinha os equipamentos especiais (cenográficos, obviamente). O carro “normal” foi reaproveitado em “007 contra a Chantagem Atômica” (Thunderball, 1965) e utilizado para fins promocionais.

Ambos os carros se tornaram cobiçados por colecionadores e trocaram de mãos algumas vezes ao longo dos anos. O carro “dublê” foi vendido em agosto de 2019, também pela RM Sotheby’s, em um leilão na Califórnia. O comprador arrematou o Aston Martin por £ 5,2 milhões – o que fez do DB5 o Aston Martin mais valioso de todos os tempos.

Já o carro com os gadgets desapareceu há mais de 20 anos, após ser roubado do hangar onde estava guardado. Em 2018, surgiram notícias de que ele havia sido recuperado no Oriente Médio, mas desde então não foram divulgadas mais novidades sobre o caso.

O Aston Martin DB5 usado por Sean Connery é frequentemente citado como o carro mais icônico entre todos os que já foram guiados por James Bond. Já em 1964 ele foi transformado em miniatura pela Corgi – e foi o brinquedo mais vendido naquele ano, inaugurando uma parceria entre a fabricante de miniaturas e a produtora dos filmes que dura até hoje.

Além disso, recentemente a Aston Martin deu início à produção de réplicas do carro usado no filme, com direito a todos os gadgets – uma série limitada de 25 unidades, cada uma custando o equivalente a R$ 19 milhões.

 

Toyota 2000GT – “Com 007 só se Vive Duas Vezes” (You Only Live Twice, 1967)

Em seu quarto filme como James Bond, Sean Connery usou um carro não-britânico pela primeira vez – o Toyota 2000GT, considerado o primeiro supercarro japonês.

Como se não bastasse ser um dos carros mais bonitos do planeta – e um dos mais velozes do mundo em seu tempo – o 2000GT usado em por James Bond era ainda mais especial. Isto porque Sean Connery, com quase 1,90 m, era alto demais para caber no cupê. Por isso, a Toyota construiu um exemplar conversível especialmente para o filme em apenas duas semanas.

Originalmente, o diretor Lewis Gilbert queria usar outro carro recém-lançado – o Chevrolet Camaro. Foi o piloto japonês Yukio Fukuzawa, amigo próximo de Gilbert, quem o convenceu utilizar um carro japonês em um filme que se passava no Japão.

O timing foi perfeito para a Toyota. O carro foi revelado em maio de 1967, e a estreia do filme aconteceu em junho. Muitas pessoas que assistiram a “Com 007 só se Vive Duas Vezes” no cinema ficaram curiosíssimas ao descobrir que aquele esportivo sedutor era um Toyota e, nas semanas após a estreia, as concessionárias da marca perceberam um aumento considerável de público – o que, em última instância, ajudou a ficar mais conhecida no ocidente. Correr para construir um one-off sem teto acabou compensando.

Curiosamente, James Bond sequer dirige o 2000GT no filme – quem o faz é a Bond girl Aki (Akiko Wakabayashi).

 

Ford Mustang Mach 1 – “007 – Os Diamantes são Eternos” (Diamonds ara Forever, 1971)

Depois de ceder o lugar brevemente a George Lazenby em “007 – A Serviço Secreto de Sua Majestade” (On her Majesty’s Secret Service, 1969), Sean Connery retornou ao papel de James Bond com “Os Diamantes são Eternos” em 1971. No filme, pela primeira vez, o Bond car é um esportivo americano: o Mustang Mach 1 lançado naquele ano – que trouxe uma carroceria completamente nova, bem maior, e com uma linha quase perfeitamente horizontal no teto.

Apropriado para um filme que se passa nos EUA, o Mach 1 é o astro da perseguição principal do filme, que acontece na noite de Las Vegas. A cena mais famosa é o momento em que James Bond coloca o carro sobre duas rodas para atravessar um beco estreito – pela ousadia da manobra e também por um erro crasso de produção: o carro entra no beco apoiado nas rodas do lado direito, mas ao sair está apoiado sobre as rodas do lado esquerdo. Repare a partir do minuto 3:50.

O erro aconteceu porque a primeira parte da cena foi filmada nos estúdios da Universal Filmes, enquanto a segunda foi feita nas ruas de Las Vegas. Para consertar a situação, o diretor Guy Hamilton incluiu de última hora uma transição na qual Sean Connery faz o carro virar de um lado para o outro. Foi uma solução visivelmente improvisada, mas que acrescenta certo charme à cena.

 

Chevrolet Camaro – “007 – Nunca Mais Outra Vez” (Never Say Never Again, 1983)

Ao término das filmagens de “007 – Diamantes são Eternos”, Sean Connery disse – com estas palavras – que nunca mais interpretaria James Bond outra vez. Em 1983, porém, ele voltou a viver o agente secreto em “007 – Nunca Mais Outra Vez”, que na verdade era uma refilmagem de “007 contra a Chantagem Atômica”. Foi a esposa de Connery na época, Micheline Connery, quem sugeriu o título – e ela até ganhou uma menção nos créditos por causa disto.

Como não foi feito pela Eon Productions, “Nunca Mais Outra Vez” nem sempre é considerado parte oficial da franquia. Connery já tinha seus 52 anos na época das gravações, e o filme faz diversas referências à ideia de um James Bond mais velho cujos anos de ouro ficaram para trás. Como o orçamento limitado de Q, que só conseguiu um Chevrolet Camaro da década de 1970 para o agente secreto. Embora tenha sido a última aparição de Sean Connery nas telas como James Bond, o filme de 1983 certamente foi o menos glamouroso em relação aos automóveis.

Por outro lado, no filme Bond dirige uma motocicleta interessantíssima – uma Yamaha XJ650 Turbo Seca, a primeira e única motocicleta com motor turbo feita pela fabricante japonesa.