No fim dos anos 60 a Porsche dominava o mercado de carros esportivos com o 911. Hoje uma lenda, o cupê com motor boxer na traseira ainda era um carro jovem, mas já havia conquistado milhares de entusiastas com seu desenho elegante, seu ronco cheio de personalidade e sua dinâmica impecável. Não era um carro barato, mas custava muito menos que uma Ferrari com motor V12 – e andava tanto quanto uma.
Para tentar competir com o Porsche 911, a Ferrari decidiu lançar seu próprio carro esportivo de entrada. Um modelo mais barato, com motor V6 desenvolvido em parceria com Fiat e uma belíssima carroceria desenhada por Leonardo Fioravanti no estúdio Pininfarina. A Ferrari optou por vendê-lo sob uma nova marca e assim, em 1968, nasceu a Dino 206 GT, batizada em homenagem a Alfredo “Dino” Ferrari, filho de Enzo Ferrari que morreu em 1956. Dino, que lutava contra a distrofia muscular, passou os últimos meses de sua vida discutindo os detalhes técnicos de um motor V6 para ser usado nas Ferrari de Fórmula 1.
Na prática, o novo nome serviria para separar a Dino das Ferrari V12 – oficialmente, era outra marca, mais acessível. Mas também acabou impedindo o carro de ser considerado uma Ferrari, mesmo que tenha sido projetado e fabricado pela Ferrari. E que seja um dos automóveis mais bonitos já saídos de Maranello. O carro também tinha distribuição de peso perfeita – 50% no eixo dianteiro, 50% no eixo traseiro e carroceria de alumínio, pesando apenas 900 kg.
O resultado: mesmo considerado “fraco”, o V6 de dois litros e 160 cv ainda era capaz de levar a Dino 206 aos 235 km/h. A partir de 1969 o motor passou a deslocar 2,4 litros para entregar 198 cv, mas o carro, que foi rebatizado como Dino 246, agora era feito de aço para custar menos na hora da produção. Como resultado, o desempenho não melhorou muito, e a Dino acabou se tornando um carro renegado pelos fãs da Ferrari. Ainda que suas linhas não raro a faça ser chamada de “a Ferrari mais bonita já feita” – mais até do que a 250 GTO, para alguns.
O que nos ajuda a entender a motivação deste carro: uma Dino 246 GTS (versão com teto removível; o modelo com teto fixo era a Dino 246 GT) com motor V8 derivado da F40, porém naturalmente aspirado, com cerca de 400 cv e diversas melhorias que fazem dela um dos restomods mais incríveis que já vimos, sem exagero.
Atualmente a Dino é um carro recém-redescoberto pelos colecionadores. Se tratando de colecionáveis, é natural que um carro inicialmente desprezado cresça em popularidade após algumas décadas – as versões menos populares se tornam as mais raras quase naturalmente, e existem só 152 Dino 206 no mundo. Já a Dino 246 é bem mais “comum”, com cerca de 3.700 carros fabricados no total.
Agora, um carro com 3.700 unidades fabricadas ainda é relativamente raro. Então, se você vai se comprometer a fazer o restomod de um Dino, faça bem feito. Por sorte o criador desta Dino, o colecionador americano David Lee, é um cara de bom gosto e com condições de colocar este bom gosto em prática. E ele ainda contou com a ajuda de alguém que já tinha feito o trabalho antes: Kevin O’Rourke.
Kevin é britânico e dono da Mototechnique, oficina de restauração de supercarros especializada em Ferrari. Depois de trabalhar em muitos carros de outras pessoas, ele comprou uma Dino 246 GTS para restaurar para si mesmo. Mas ele acabou se desviando um pouco do caminho, colocando na Dino um V8 de 3,2 litros da Ferrari 328 – que pode ser encarada como a Ferrari 488 GTB dos anos 80, em termos de posicionamento na linha. Com rodas de 18 polegadas e freios da Ferrari F360 Modena, uma gaiola de proteção integral no interior e a ECU da F355, a Dino de Kevin O’Rourke mistura de forma bem sucedida elementos clássicos e modernos.
David Lee conheceu a Dino de Kevin na Internet, entrou em contato com ele imediatamente e, não muito tempo depois, viu-se enviando uma Dino 246 GTS 1974 de Los Angeles, na Califórnia para Surrey, no Reino Unido.
Mas David queria algo ainda mais potente e com visual mais discreto. Por isso a gaiola de proteção foi dispensada e as rodas de 17 polegadas foram feitas sob encomenda, reproduzindo o visual das clássicas Campagnolo – sob medida para acomodar os freios da Modena. Para compensar a ausência da rollcage, Kevin reforçou a estrutura tubular com chapas de alumínio e pontos de solda extras. Antes de ser colocada de volta no lugar, a carroceria de aço passou por uma restauração completa e foi pintada de preto. Ela também recebeu novas lentes nos faróis – peças sob medida para ocultar os encaixes na carroceria.
Outros detalhes são a direção com assistência elétrica e a suspensão, que manteve o arranjo original por braços triangulares sobrepostos, mas recebeu molas e amortecedores ajustáveis do tipo coilover da Koni.
O interior recebeu couro vermelho Connolly (a mesma empresa que fornece pele animal para a própria Ferrari há décadas) e carpete combinando, além de revestimento de camurça no painel. Os bancos são da Ferrari Daytona e, somados às molduras nos para-lamas, emulam as Dino 246 na configuração Chairs and Flares, que consistia exatamente nos bancos da Daytona e para-lamas com molduras – estima-se que apenas cinco exemplares norte-americanos foram originalmente equipados com tais itens.
Agora, o verdadeiro astro da festa é o V8. Trata-se de um bloco original da Ferrari F40, porém com o diâmetro dos cilindros ampliado para deslocar 3,6 litros, em vez dos 2,9 litros de fábrica. Além disso, o motor perdeu os turbos e agora é naturalmente aspirado, alimentado por um sistema de injeção Ferrari moderno com corpos de borboleta individuais. O motor também tem bielas de titânio e virabrequim sob medida, além de radiadores e ventoinhas dea F40. O resultado: 400 cv a 8.500 rpm e 31,9 mkgf de torque a 6.000 rpm, devidamente aferidos em dinamômetro e moderados pelo câmbio manual de cinco marchas da Ferrari 328. Aceleração e velocidade máxima são estimados: 0-100 km/h em cinco segundos cravados, máxima de 270 km/h. Considerando que o carro pesa cerca de 1.085 kg, é bem plausível.
O conjunto mecânico fica abrigado sob uma cobertura transparente, instalada no meio da tampa de fibra de carbono feita sob medida. Olhando o carro por trás, os mais entendidos sabem que esta não é uma Dino 246 GTS qualquer.
O melhor: David decidiu que sua Dino 246 GT com motor V8 de F40 é boa demais para ser única no mundo, e já encomendou uma série limitada de 25 exemplares a Kevin O’Rourke. O que aumenta consideravelmente nossas chances de, um dia, dirigir uma dessas.
Sugestão de Teco Caliendo