Com o advento do motor V8 Hellcat, acabamos ficando meio acostumados com números de potência e torque estratosféricos – que o diga o Challenger SRT Demon, com seus mais de 850 cv. A verdade, porém, é que qualquer muscle car com mais de 700 cv já é algo absurdo. E deve ter sido por isto que a Ford decidiu que seu Mustang mais potente de todos os tempos teria “só” 770 cv – o Shelby GT500.
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O motor é um V8 de 5,2 litros cujo bloco é emprestado do GT350. Entretanto, em vez do virabrequim plano à italiana do GT350, o GT500 recebe um bom e velho virabrequim cruzado. Ele não gira tanto quanto o GT350, que chega a impressionantes 8.250 rpm, ficando em mais moderadas 7.500 rpm. Mas, caramba, são 770 cv, acompanhados de respeitáveis 86,4 kgfm de torque 5.000 rpm. O GT350 tem 533 cv, para efeito de comparação.
A Ford tinha a obrigação de dar ao Mustang de sexta geração – que, veja bem, já está entre nós desde 2015 – uma versão GT500. Demorou um pouco, mas o que se tem, de acordo com a imprensa estrangeira é provavelmente o melhor Mustang de todos os tempos. Isto tem a ver com sua força bruta, claro, mas não apenas isto.
O que o GT500 tem de bom, então? É o que veremos a seguir: os primeiros reviews já saíram, e chegou a hora de mais uma meta-avaliação do FlatOut.
Como você sabe, o Mustang evoluiu muito na sexta geração, adotando pela primeira vez um arranjo de suspensão traseira independente – algo necessário para acompanhar os esportivos europeus e garantir uma dinâmica mais versátil. Com um interior melhor acabado e mais tecnológico, quatro lugares, e um porta-malas generoso, ele até pode ser usado como daily driver por um casal sem filhos tranquilamente (existe uma versão 2.0 turbo, indisponível no Brasil, para quem não quer gastar tanto combustível).
Mas o Mustang também precisa agradar aos norte-americanos, especialmente agora que ele é o único carro de passeio que a Ford vende nos Estados Unidos. E estas duas necessidades – enfrentar os rivais europeus e conquistar o público local – também valem para o GT500, que precisava encontrar o equilíbrio perfeito entre usabilidade, capacidade nas curvas, aceleração e a boa e velha brutalidade. E isto não é fácil.
Ele conseguiu? Pelo visto, sim.
Tudo começa no motor, claro.O V8 do GT500 batizado Predator, tem bielas mais reforçadas que o motor Voodoo (do GT350), e adota um supercharger invertido (isto é, montado abaixo da caixa de ar) para garantir um centro de gravidade mais baixo. O supercharger tem capacidade de 2,65 litros e opera a 0,8 bar, atuando em conjunto com um intercooler do tipo “ar-água”. Graças a ele, a Ford conseguiu um ganho de 237 cv sobre o motor do GT350 com giro mais baixo e uma taxa de compressão de 9,5:1 – relativamente conservadora ante os 12:1 do V8 Voodoo.
E qual é a sensação de acelerá-lo? Deixemos que Nelson Ireson, da Automobile Magazine, descreva:
O que tanta potência e tanto toque significam em termos de desempenho? Os drag racers vão ficar felizes em saber que o novo GT500 vai de zero a 96 km/h em 3,3 segundos, de acordo com a Ford, e cumpre o quarto de milha em 10,7 segundos. O pessoal dos track days pode ficar intrigado pelo 0-160-0 de 10,6 segundos declarado pela fabricante. Mas nenhum destes factoides de ficha técnica de fato traduz o quanto o novo Mustang GT500 é rápido ou, mais importante ainda, o quão fácil é conduzi-lo com rapidez, seja na versão “básica”, ou equipado com o Carbon Fiber Track Package, que custa US$ 18.500.
(…) As arrancadas não poderiam ficar mais simples. Enquanto você espera a sua vez, pode ajustar as rotações através do mostrador do controle de largada no quadro de instrumentos. Quando alinhar seu carro, use os menus para ativar o line lock e, assim, obter um burnout impecável – é preciso esquentar os grudentos pneus Michelin Pilot Sport 4S, afinal. Desligue o line lock, pise fundo no freio e depois no acelerador e, assim que a luz amarela acender, solte o freio. Toda aquela força que estava presa é solta de uma vez, e você é lançado pela pista, ao infinito e além. Mantenha o pé direito no fundo e continue apontando para a chegada enquanto a transmissão da Tremec realiza as trocas na velocidade da luz, até o final da pista. O processo todo dura menos de 11 segundos, mesmo se for sua primeira vez no carro.
Um pony car com as credenciais do GT500 não poderia entregar menos do que isto. Mas não acaba por aí – e o segredo está justamente no Carbon Fiber Track Package (CFTP), de acordo com Chris Walton, da Motor Trend.
Embora o ronco e o desempenho em linha reta continue o mesmo, o GT500 “básico” e o carro equipado com o CFTP parecem dois automóveis completamente diferentes. O pacote consiste em elementos aerodinâmicos, de suspensão e de redução de peso que alteram o comportamento do GT500, que deixa de ser apenas um esportivo criminosamente barulhento, rápido, divertido, bem acertado e altamente previsível – e com tanta potência que às vezes nem sabe o que fazer com ela – a um verdadeiro supercarro feito para as pistas que só é bom assim por causa desta potência. O fato de ele entregar tanto feedback ao motorista de uma forma tão neutra e balanceada é algo raríssimo. Eu tive a sorte de dirigir alguns carros de corrida, e isto aqui é o mais perto que se pode chegar de um sem abrir mão de um interior bem equipado e de uma usabilidade suficiente para uso diário. E isto não é exagero.
O pacote consiste em suspensão ajustável na dianteira, molas específicas, amortecedores magneto-reológicos, rodas de fibra de carbono de 20×11 polegadas na frente e 20×11,5 polegadas atrás, e pneus Michelin Pilot Sport Cup 2 no lugar dos Sport 4S, criados especificamente para o pacote CFTP, com 305 mm de largura na frente e 315 mm atrás. Ele também traz aletas aerodinâmicas na dianteira, uma asa traseira ajustável de fibra de carbono igual à do Mustang GT4 de competição, e a ausência do banco traseiro. É claro que, com isto, o preço do carro sobe de US$ 73.995 para US$ 92.495 – mas você já viu almoço grátis?
Qualquer uma das “versões” do GT500, porém, vem equipada com outra maravilha: a transmissão de dupla embreagem e sete marchas. Bob Sorokanich, da Road and Track, explica melhor:
A Ford tomou a decisão ousada de lançar o GT500 com apenas um câmbio disponível – um Tremec de dupla embreagem e sete marchas que não se encontra em nenhum outro Ford. No modo automático, as trocas são suaves e precisas. No modo manual? Parece que as aletas estão ligadas diretamente ao seu cérebro. As trocas ascendentes são instantâneas, mais rápidas que em algumas Ferrari recentes. Nas primeiras vezes em que você troca de marcha em alta velocidade, parece um daqueles jogos de corrida de 8 bits. Cada troca é uma piscada, imediata como bater as palmas das mãos.
Sim, era para ser assim em qualquer transmissão atuada por borboletas no volante, mas não é isto que acontece. Na maioria dos carros com paddle shifters – mesmo os mais radicais – há um certo atraso entre a puxada na aleta e a troca das engrenagens dentro do câmbio. Mesmo a pausa mais breve é agonizante, como se o câmbio tivesse de percorrer um pequeno trajeto em direção à próxima marcha. No GT500, esse trajeto não existe.
Segundo isto acontece, os engenheiros da Ford conseguiram esta proeza com um truque relativamente simples: o comando para trocar a marcha acontece no momento em que seu dedo começa a puxar a aleta, e não quando ela chega ao fim de seu percurso. É uma vantagem eletrônica, e não mecânica, que poderia ser explorada por mais fabricantes em suas caixas de dupla embreagem.
Entretanto, talvez o feito mais incrível do GT500 seja conseguir tudo isto e ainda manter a usabilidade: graças aos amortecedores ajustáveis, que são capazes de reduzir a rolagem da carroceria nas curvas e de adaptar-se a quaisquer irregularidades do piso, os engenheiros da Ford puderam optar por molas de carga ligeiramente mais macia – o que faz a diferença no modo Normal, ainda de acordo com a Road and Track. Este é um Mustang de 770 cv que ainda consegue ser tolerável nas ruas, confortável até.
É claro que ainda há espaço para críticas, mas estas se concentram nos aspectos inerentes ao Mustang – que, afinal de contas, é considerado um esportivo barato lá fora, um bom negócio quando se quer levar para casa o máximo de potência possível por seus dólares. Assim, o interior tem plásticos duros e familiares, e a direção elétrica possui uma calibragem bastante simples – no modo Sport, por exemplo, ela fica mais pesada, mas as respostas continuam exatamente as mesmas do modo Normal. Além disso, o peso concentrado na dianteira – 56:44, sendo 1.990 kg no total – pode cobrar seu preço na pista em determinadas situações.
Entretanto, fica evidente ao ler os reviews que o GT500 é superior ao GT350, não apenas em cavalaria, mas em finesse e na capacidade de enfrentar carros mais requintados e caros. E, bem, é para isto que ele existe.