Aposto que você estranhou a combinação de “circuito oval” e “Espanha” na mesma frase, afinal os ovais estão associados fortemente ao automobilismo americano. Na verdade a tradição dos ovais nos EUA nasceu junto com o automobilismo e os primeiros circuitos do mundo. Brooklands, o mais antigo deles, era um oval, assim como Indianápolis, que foi construído em 1919. Se você nos perguntar por que a escolha do formato oval em vez de uma reprodução dos circuitos de estradas da época, a inspiração veio dos velódromos para bicicletas, que eram pistas ovais com curvas inclinadas para formar retas infinitas e assim permitir velocidades mais altas.
Na década seguinte, os italianos construiram o Autodromo Nazionale di Monza, que não era um oval, mas tinha um trecho nesse formato (onde está a famosa Parabolica), e os espanhóis apostaram em um oval nos moldes de Brooklands em Terramar, na Catalunha. É justamente a este autódromo catalão que nos referimos no título deste post.
Brooklands, como se sabe, foi destruído pelos bombardeios durante a guerra e acabou nunca reconstruído, uma vez que antes disso já havia sido transformado em campo de aviação militar. Monza continua firme e forte, com sua pista modernizada e segura para os carros de Fórmula 1 de hoje. Indianápolis trocou os tijolos por asfalto e tornou-se o ícone do automobilismo americano. Mas Sitges Terramar deixou de receber corridas pouco depois de sua construção e desde então acabou esquecido pelo universo do automobilismo.
O Autodromo de Terramar foi projetado no começo da década de 1920 pelo arquiteto catalão Jaume Mestres Fosas e foi construído em apenas 300 dias a um custo de 4 milhões de pesetas (algo em torno de R$ 24 milhões em valores de hoje). Ele foi inaugurado em 28 de outubro de 1923 pelo rei Alfonso XIII da Espanha, e Francesc Armengol, um dos principais investidores do circuito e promotor do residencial Terramar, no município de Sitges. A pista sediou o GP da Espanha em 1923, e nos anos que se seguiram pilotos do alto escalão testaram suas habilidades nos 2 km de concreto com curvas inclinadas de 60º chegando a 90º na parte mais alta.
Mas não demorou para que a crise financeira se abatesse sobre o país e o interesse pelo circuito (e pelo automobilismo em geral) esfriasse. O alto investimento da construção e a má administração do autódromo levaram ao calote dos prêmios aos vencedores das corridas, e a Federação Internacional do Automóvel (que na época ainda não se chamava FIA, e sim AIACR) proibiu a realizações de corridas internacionais em Terramar em 1927.
Cinco anos mais tarde, o piloto e aristocrata Edgar Morawitz comprou a pista e organizou algumas corridas de exibição, desafios entre carros e aviões (para você ver como isso é manjado…) e o Campeonato Espanhol de Motociclismo, mas ele nunca conseguiu faturar dinheiro com isso.
A última corrida foi organizada em 1956 e desde então o autódromo acabou abandonado — a menos que você considere uma pequena peregrinação de fãs de automobilismo que conhecem a pista e viajam até Sitges para conhecer o local. Jonathan Moore, do Speedhunters, teve a chance de dar umas voltas pelo circuito. Seu relato é impressionante:
Era como dirigir em uma parede vertical. A compressão quando entramos na curva — bem mais rápido do que eu esperava! — me afundou no banco traseiro. As leis da gravidade se inverteram. O vertical virou horizontal. Nem consegui me recuperar nos duzentos metros de reta até a segunda curva inclinada, pois já estávamos nela, e novamente afundados nos bancos. Fora do carro, é impossível chegar ao topo sem cordas ou algum dispositivo antigravidade.“
Felizmente, as coisas começaram a mudar para Terramar em 2012, quando a Audi levou um R8 e os pilotos Carlos Sainz e Miquel Molina para acelerar na velha pista inclinada. Apesar dos 90 anos de idade, as quatro milhões de pesetas valeram muito a pena, e o circuito está em boas condições até hoje. Tanto é que em setembro de 2013 o campeão da MotoGP Jorge Lorenzo fez o mesmo que seus compatriotas, mas com um Porsche 911.
Dois meses depois da brincadeira de Lorenzo, a empresa VIP Terramar SL, atual proprietária do Autódromo Terramar, apresentou um projeto de renovação do autódromo mais antigo da Espanha. Obviamente um oval com inclinação de 60º não tem mais espaço no automobilismo moderno, mas a intenção dos administradores é renovar o circuito para a realização de eventos internacionais — como o Espiritu de Montjuic, uma espécie de Goodwood catalão realizado a menos de 40 km de Sitges-Terramar.
Além da restauração da pista, o projeto inclui também um kartódromo, um centro de lazer e compras, clube social, hotel, centro de eventos, museu do automobilismo e um parque temático — exatamente como fizeram com Nürburgring. A construção começa no próximo mês de julho, recuperando os acessos ao circuito, a pista oval e a tribuna, e a conclusão do projeto está prevista para novembro de 2016.
Quem disse que o mundo estava ficando mais chato para os gearheads?