Faz pouquíssimo tempo que contamos, aqui no FlatOut, a históra de Peter Brock. O piloto é uma verdadeira lenda em sua terra natal, a Austrália, onde passou a maior parte de sua carreira e ficou conhecido como “Rei da Montanha” por suas vitórias na Bathurst 1000 – a corrida de longa duração realizada anualmente no circuito de Mount Panorama. Brock morreu em 2006, aos 61 anos de idade, ao sofrer um acidente com uma réplica do Shelby Cobra Daytona durante uma competição para carros de corrida clássicos.
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Mas o mundo automobilístico é repleto de coincidências – como o fato de o Shelby Cobra Daytona original ter sido projetado por um certo… Peter Brock. Outro Peter Brock. Que, talvez para evitar confusão, atende por “Pete”. Em 1955, aos 19 anos de idade, Pete Brock tornou-se o mais jovem projetista contratado pela General Motors, onde ajudou a definir o design do primeiro Corvette Sting Ray (o C2) anos depois. Em 1959, ele deixou a GM e foi trabalhar para Carroll Shelby – e foi o principal autor da silhueta do Cobra Daytona, o cupê de competição feito com base no roadster.
Pete Brock, ainda bem, está totalmente vivo. E, mesmo com mais de 80 anos de idade, ele ainda respira gasolina e graxa – como mostra sua participação no episódio mais recente de Jay Leno’s Garage. Nele, Brock apresenta um de seus projetos mais obscuros e curiosos: uma Kombi equipada com um motor V8 Buick, customizada de forma simples e com muito bom gosto.
No início dos anos 70, Brock deixou de lado a engenharia automotiva e os carros de competição como meio de vida e começou a investir em outra paixão: os voos de asa-delta. Em 1972, ele fundou nos EUA uma empresa chamada Ultralite Products, dedicada exclusivamente à fabricação de equipamentos para a prática da asa-delta. Hoje em dia batizada UP International, a companhia tem sede na Alemanha e é a maior fabricante de asas-delta e equipamentos relacionados no planeta.
O projeto da Kombi foi montado por Brock e sua equipe na década de 1980, e tinha um objetivo muito específico: ser usado como veículo de expedição para sua equipe de asa-delta. Ele e mais três amigos viajavam pelos EUA procurando picos elevados de onde pudessem saltar e, para isto, precisavam de algo que fosse robusto, barato, espaçoso e capaz de encarar terrenos pouco acessíveis.
A abreviação da Ultralite Products combina bem com a silhueta da Kombi, que por sua vez, lembra remotamente a silhueta de outro carro da VW com o mesmo nome
A opção pela Kombi – um exemplar fabricado em 1971 – resolvia a maior parte destes problemas, e por um preço bastante em conta, ainda por cima. O problema era o motor, um boxer 1600 carburado com parcos 50 cv. “Geralmente eu resolvo este problema de falta de potência usando um V8 GM small block”, revela Brock a Jay Leno, em um tom divertido e jovial para um homem de 83 anos.
O V8 GM, no caso, é um Buick 215, cujo nome reflete o deslocamento de 215 pol³ (3,5 litros). Apresentado em 1961, o V8 da Buick era todo feito de alumínio e serviu como base para o V8 Rover – este, extremamente popular no Reino Unido, onde foi fabricado até 2006.
Brock afirma que a potência não deve passar dos 200 cv, chutando alto, mas diz que o que realmente importa é o torque de pelo menos 30 kgfm (mais que o dobro dos 12 kgfm originais). Mesmo acoplado ao câmbio original VW, de quatro marchas, o conjunto é confiável – o ex-projetista de carros de corrida diz que já rodou milhares e milhares de quilômetros nas últimas décadas e que jamais teve problemas. Ao contrário: a Kombi se virava muito bem com a equipe e seus equipamentos no teto.
Brock também diz que as adaptações feitas na Kombi foram relativamente simples. Segundo ele, na época da execução do projeto, engine swaps envolvendo os VW a ar eram bastante populares, e não foi preciso procurar muito para encontrar suportes adequados.
O problema do comprimento do motor foi resolvido adaptando a tampa traseira e o para-choque, e o peso extra – por volta de 50 kg a mais que o flat-4 VW – foi parcialmente compensado pela instalação de um radiador na frente, mais a tubulação necessária. O radiador, aliás, fica atrás de duas enormes aberturas no painel frontal, que foi pintado de preto para disfarçá-las – e, diga-se, deu certo. Mais curioso ainda é o modo como se abastece o reservatório: por um bocal dentro do carro, no painel de instrumentos.
A tração, claro, segue traseira, nada de 4×4. Brock diz que isto não é um grande problema – e que os pneus mistos ajudam a conseguir a tração necessária para subir ladeiras íngremes e sem pavimentação. Outras customizações interessantes são os racks do teto – peças usadas para prender as asas-delta, com perfil aerodinâmico como os apêndices de um carro de corridas. Olhando com atenção, também se vê uma abertura no canto traseiro esquerdo, onde fica alojado o radiador de óleo.
Hoje em dia Brock não costuma saltar de asa-delta, mas ele ainda dirige a Kombi de vez em quando para levar seus amigos a expedições. E ele garante que poucas coisas são tão divertidas quanto deixar os incautos impressionados na rodovia: “as pessoas tentam acompanhar e acham que vão conseguir, mas aí eu troco a marcha e desapareço lá na frente”, ele conta. Não sabemos se o ronco do V8 ou se o desempenho é o mais inesperado numa Kombi furgão branca, rodas com calotas “dog dish”, racks no teto e pneus mistos.
Se chegarmos aos 80-e-poucos com essa disposição (e um project car bacanudo desses), pode ter certeza que estaremos felizes.
Sugestão de Felipe Bitu