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Car Culture

Smart ForMore, o SUV brasileiro que não deu certo

Quem vê o momento atual da indústria brasileira pode achar difícil acreditar, mas o Brasil já foi considerado um terreno promissor para instalar uma fábrica de automóveis. E nem faz tanto tempo assim: na virada para os anos 2000, passada a febre dos importados, chegou o momento de nacionalizar os carros que faziam mais sucesso por aqui. Audi A3, Volkswagen Golf, Toyota Corolla e Honda Civic são alguns exemplos de carros que ganharam identidade nacional – alguns, para ficar.

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Nessa onda, um plano ousado ganhou certo destaque: a Smart decidiu fabricar um SUV no Brasil. E não qualquer SUV, mas o carro que seria responsável pela expansão da fabricante para o mundo todo – o Smart ForMore.

Só que não era para ser. E a culpa sequer foi do coitado do ForMore, mas do pequeno ForTwo – que, como primogênito, acabou ficando com toda a atenção.Para entender esta história, que tal um pouco de contexto?

 

A revolução chamada ForTwo

Era 1998 quando o Smart ForTwo começou a ser produzido. Antes disso, o pequeno carro urbano desenvolvido em parceria entre a Daimer-Benz e a fabricante dos relógios Swatch já havia até virado peça de museu, exaltado pelas inovações do projeto: o monobloco de aço Tridion, com célula de segurança integrada;o motor posicionado no eixo traseiro com o radiador lá na frente, economizando espaço; o câmbio automatizado e o estilo quase-futurista o tornavam instantaneamente inconfundível.

Extremamente leve, com só 730 kg, ele não precisava de mais que um três-cilindros turbo de até 0,7 litro e 50 cv (ou 0,8 litro e 40 cv nas versões a diesel) para se locomover com desenvoltura pelos labirintos das cidades. Como uma moto, só levava duas pessoas, mas tinha espaço para as compras do dia (e funcionava em dia de chuva). E, com apenas 2,50 metros de comprimento, foi concebido para estacionar de frente nas vagas onde os “carros normais” precisavam fazer baliza – algo que é proibido no Brasil, vale lembrar.

Decididamente europeu, o Smart não explodiu em popularidade como a Daimler-Benz previa, mas fez razoável sucesso nos centros urbanos. As proporções da carroceria não ajudavam muito na dinâmica, apesar da tração traseira e do entre-eixos curto, mas como um meio de transporte prático e econômico para ser o segundo ou terceiro carro da casa, estava na medida.

 

Isso no Velho Mundo, claro. Mas se a Smart quisesse entrar nos Estados Unidos – que, queira ou não, era o segundo mercado mais importante para uma empresa em crescimento – a Smart teria de investir em algo mais… robusto. Como convencer os americanos a comprar um carro que cabia na caçamba das picapes que eles tanto adoram?

A resposta era simples: dar aos americanos algo que eles considerassem um carro de verdade, e não um brinquedo.

 

A família cresce

Diferentemente da Mini, que tinha toda uma heritage para respeitar na hora de criar novos modelos inspirados no clássico (o que em última instância deu certo, vide o sucesso do SUV Countryman), a Smart podia começar do zero e não havia qualquer tradição para impedi-los. Quanto mais ousado, na verdade, melhor. Assim, em 2003, foi apresentado o Smart Roadster, um esportivo de dois lugares com a missão de ser leve, divertido e diferente. Com um motor 0.7 turbo de 82 cv central-traseiro e só oitocentos-e-poucos kg na balança, ele prometia ser mais divertido que um ForTwo, porém igualmente inconfundível.

Depois, em 2004, foi apresentado o ForFour – que, como o próprio nome dizia, era um Smart para quatro pessoas (for=para/four=quatro, sacou?). Tinha menos de 1.000 kg e a mesma identidade visual que o dois-lugares, incluindo a célula de segurança exposta. Seus componentes mecânicos, porém, vinham do Mitsubishi Colt – a Smart optou pela parceria para conter custos.

Ambos os carros talvez tenham sido incompreendidos por seu estilo, e há quem diga que a estratégia de marketing da Smart na época – que basicamente consistia em reforçar a ideia de que aqueles eram carros caros e exclusivos, algo que foi definido como “elitista” pela imprensa – não ajudava muito.

O Smart ForTwo e ForFour era fabricados em Hambach, na França, assim como o Roadster, já o ForFour era produzido pela Mitsubishi na Holanda, e o Roadster. E o quarto modelo da família, em algum momento de 2005, começaria a ser fabricado em Juiz de Fora (MG), onde já era produzido o Mercedes-Benz Classe A desde 1999.

 

Um SUV “inteligente”

Todo mundo sabe que SUV significa sport utility vehicle – “veículo utilitário esportivo”, que na verdade pode ser entendido como um carro de passeio alto, com aparência mais robusta e posição de dirigir elevada. Poucos são utilitários de fato, e menos ainda são esportivos.

O plano da Smart, por sua vez, era lançar o smart utility vehicle – “veículo utilitário inteligente”. E ele parecia mesmo bacana, pois aproveitava a construção lançada pelo ForTwo em um veículo maior, mais espaçoso e, dizia a fabricante, até mesmo certa capacidade off-road.

As primeiras notícias sobre o ForMore começaram a ser divulgadas no começo de 2004, com a Smart oficializando os planos ainda naquele ano. O anúncio veio acompanhado do primeiro esboço revelado ao público, que mostrava um veículo bem parecido com o ForFour, porém com caixas de roda mais volumosas, suspensão mais alta e lanternas traseiras em posição mais baixa.

Os trabalhos em Juiz de Fora começaram pouco depois – enquanto a imprensa procurava informações, a Smart começou a fabricar os primeiros exemplares: um conceito para o Salão de Genebra de 2006 e uma série de protótipos para testes.

A produção teria início em 2005, e a fábrica em Juiz de Fora até estava recebendo o ferramental para a fabricação em série, com previsão de montar 30.000 unidades do SUV por ano.

E então, poucas semanas antes de a produção começar, veio a notícia repentina: a Daimler-Benz havia assumido as operações da Smart – e decidiu não apenas encerrar a produção do ForFour e do Smart Roadster, mas também cancelar o ForMore.

O grande problema foi o ForTwo, que vendia bastante mas não dava lucro – a Smart havia gasto uma boa quantia no seu desenvolvimento, mas não era o bastante para recuperar o investimento. Além disso, o Smart Roadster deu prejuízo à fabricante: havia diversos pontos de infiltração de água na estrutura, o que em muitos casos ocasionava até mesmo falhas elétricas. Muitos carros tiveram de ser consertados na garantia e vários foram devolvidos, o que só piorou a situação.

Com a chegada da Mercedes para colocar ordem na casa, o modus operandi foi alterado: agora, em vez de expandir a linha Smart e aumentar sua presença no mercado, o foco seria transformar o ForTwo no único modelo da empresa e torná-lo lucrativo, o que resultou na segunda geração em 2007 – um carro um pouco maior e mais pesado, mas também com estilo levemente mais convencional e dinâmica mais tranquila, para torná-lo mais atraente a um público maior.

O ForMore, então, acabou esquecido. Todos os protótipos foram destruídos e apenas dois carros sobreviveram: o conceito que seria revelado em Genebra, com pintura cinza e interior completo; e um protótipo preto. Ambos foram encontrados em 2009, parados em um depósito da Mercedes-Benz na Alemanha, em uma locação não identificada, e por muito tempo as imagens feitas por um fotógrafo anônimo foram o único registro do ForMore.

Apenas dez anos depois, em 2019, a Smart decidiu fotografar o carro – ele apareceu junto com outros conceitos da marca para uma foto no Facebook, ainda que a marca não tenha sequer mencionado seu nome.