Spin-off. O termo em inglês significa uma empresa, ou obra qualquer, que é derivada de outra, maior ou anterior no mínimo. O melhor exemplo desse tipo de coisa está no entretenimento: pense quantos Spin-off existem da história do filme Star Wars de 1977. Pense em Young Sheldon vindo de The Big Bang Theory, para quem é mais novo.

Na indústria automobilística existem também, claro. Não falamos aqui de divisões inventadas: Lexus, Infinity e Acura são parte da empresa que as criou; falamos aqui de empresas independentes, criada por gente que sai da original, ou a empresa original vendendo uma parte da sua empresa para criar outra. Cair fora, escapar do que era para ser outra coisa. Spin-off, saca?
Queria, por exemplo, poder dizer também que a Citroën é um spin-off da Voisin, que aconteceu quando André Lefebvre saiu da moribunda Voisin, e foi aplicar seus princípios na marca de outro André, o Citroën. Mas não: a Citroën já era a maior produtora de carros da frança quando Lefebvre chegou, e continuou sendo Citroën, então não vale, apesar do espírito alinhado com o que contamos aqui. O cabra tem que criar outra empresa. Também, não vale, da mesma forma, casos como o da Opel, que foi vendida apenas, e apenas mudou de conglomerado, de GM para Stellantis.

Pois bem; puxando pela memória lembrei de alguns casos famosos; se você se lembrar de outros fique livre para comentar. Afinal de contas, não é uma lista que pretende ser definitiva. É oferecida apenas pelo que é: pensamentos em voz alta de um sujeito a respeito do assunto.
Começando no caso mais famoso, são eles:
Ferrari (spin-off da Alfa Romeo)

Quando venceu pela primeira vez a Alfa Romeo na nascente Fórmula 1 em 1951, Enzo chorou feito um bebê, e depois disse: “Hoje, eu matei a minha mãe.” Sim, o mais famoso caso de spin-off automotivo é o da Ferrari nascendo da Alfa Romeo.

Até 1937, a vida e carreira de Enzo Ferrari estava intrinsicamente ligada a da Alfa Romeo. Tinha sido piloto e chefe de equipe para a famosa marca de Milão. E se você prestar atenção, verá que a Alfa Romeo era no pré-guerra o que a Ferrari no pós-guerra: fabricante de carros de corrida, que vendia exóticos derivados das pistas para uso nas ruas. A Alfa Romeo era também fabricante de motores aeronáuticos, porém, o que a faria estatal durante os anos 1930, e diferente depois da guerra.
A escuderia Ferrari em Modena chegou a ser uma subsidiária da Alfa, e construía carros de corrida em suas instalações. Em 1937, a Scuderia Ferrari foi dissolvida, Enzo ganhou uma grande quantidade de dinheiro como compensação, e virou um diretor da Alfa Corse, a nova equipe de corrida sediada em Milão. Mas Enzo não funcionava bem sem ser o chefe: seria demitido em seguida.

Seu contrato tinha uma cláusula de não-competição de quatro anos, que foi cumprida durante a guerra, quando Enzo fez outra fortuna fazendo material bélico em sua fábrica. Em 1947, aparecia a Ferrari S.p.A. A Alfa estatal do pós-guerra virou marca de volume, um concorrente da Fiat; a sua spin-off Ferrari tomou seu lugar no mundo do automóvel, para nunca mais perder.
Mini (spin-off da Rover)

O mini nasceu na verdade na BMC, um modelo com marca Austin ou Morris. Mas a obra prima de Sir Alec issigonis foi tão sensacional, diferente e atemporal que sobreviveu a tudo: BMC se junta à Jaguar e vira BMH, depois se junta a Layland para virar BL, que depois vira Rover Group e é comprado, em 1994, pela Rover. Durante isso tudo, o Mini original permanece em produção.

A BMW cria então a marca Mini, separada e independente das outras; cria um novo Mini que aparece finalmente em 2000. Como a Rover é vendida na mesma época, e a Mini permanece, é um spin-off clássico: um modelo, um tipo de coisa, que acaba uma empresa independente. Não totalmente: ainda pertence á BMW. Mas é um exemplo bom demais para ficar de fora.
Land Rover (spin-off da Rover)

“Rover”, na tradução da empresa que leva este nome, significa “Andarilho”. Mas também significa outras coisas, segundo o dicionário: vagabundo, pirata, corsário. A Rover emerge no pós-guerra administrada pelos irmãos Spencer e Maurice Wilks. A empresa estava com problemas então: necessitava desesperadamente de algo novo para vender e fazer caixa. Seus carros de luxo, herdados do pré-guerra, eram simplesmente à prova de vendas então. A enorme fábrica em Solihull, criada durante a guerra para fazer motores aeronáuticos, estava parada; algo era necessário para ser fabricado lá.

Maurice Wilks tinha uma fazenda. Nela, como tantos outros, usava um Jeep que sobrara do conflito para usos diversos. Os irmãos Wilks notaram também que a Standard começara a produzir o trator Ferguson TE20 com grande sucesso. E é assim que a Rover, uma empresa de automóveis e não caminhões, começa a fazer jipes. O carro de Wilks pretendia ser o meio termo entre um trator e o Jeep; tinha por exemplo tomadas de força para implementos agrícolas. Tinha também carroceria de alumínio rebitado, para não enferrujar, e produção mais fácil naqueles tempos de materiais escassos. Nascia em 1948 o Rover do mato, da terra: o Land Rover.
O Land Rover foi um imenso sucesso desde 1948. Dali em diante, sempre se venderia mais Land-Rover que Rover. Em alguns anos, o dobro de carros fora de estrada em comparação aos de rua. Depois, em 1970,Charles Spencer “Spen” King, coloca um V8 de alumínio dos carros Rover num novo chassi 4×4 com molas helicoidais e carroceria perua, e cria o SUV de alta performance moderno, o Range Rover. Outro imenso sucesso.

O Rover Group é comprado pela BMW, que imediatamente quase vai a falência junto com ele; quando é vendido novamente a “Land Rover” é spinned-off para a Ford, que a junta com sua Jaguar. Hoje a Rover não existe mais, mas a Land-Rover, hoje uma marca separada, continua firme e forte. Eram modelos, os Land Rover e o Range Rover; agora, uma marca.
Pagani (spin-off da Lamborghini)

O argentino Horácio Pagani começa na Lamborghini em 1982, graças à uma indicação de Fangio. Logo se destaca, e em pouco tempo, inicia pesquisas a respeito de compósitos plásticos termofixos na empresa. O que o leva a criar um Countach muito especial de verdade, um que chama hoje de “o primeiro carro com estrutura de fibra de carbono da história”. Era o Countach “Evoluzione”.
Mas não conseguiu colocar suas ideias adiante; Pagani via o futuro em Fibra de Carbono, e preparou um plano de negócios favorável para a lamborghini comprar um autoclave e ficar na ponta de lança desta tecnologia.

Mas recebia sempre o não pois “a Ferrari não usa”. Ao ver o F40, que tinha, em 1987 decide que basta. Tomou emprestado o capital para comprar seu próprio forno autoclave no final de 1987. Criou sua própria empresa, Modena Design, e começou a fornecer peças em fibra de carbono para a indústria; em pouco tempo tinha dinheiro suficiente para realizar seu sonho: o carro Pagani.
Caterham (spin-off da Lotus)

Colin Chapman, como era de seu feitio, esqueceu do Lotus Seven assim que o lançou, e o desenvolvimento ficou a cargo de alguns engenheiros dedicados na empresa. Um sem fim de motores foi instalado no Seven durante sua vida na Lotus, todos de quatro cilindros em linha. Inicialmente era um Ford 1,1 litro de válvula laterais e apenas 28cv, e culminando a partir e 1969 com o motor Lotus Twin-cam, derivado do bloco Ford de 1,6 litros, mas com duplo comando no cabeçote, dois webers duplos saindo pelo capô, e 125cv.
Apesar de todo o sucesso do Seven, como sabemos, ele estava fora dos planos de Chapman, que quando entra nos anos 1970 quer para si a mesma glória e reconhecimento de um Enzo Ferrari, a quem já derrotara repetidas vezes na fórmula 1. Para isso, queria se distanciar de carros como o Seven, com sua imagem de kit-car sem sofisticação, para chegar no que seria o Esprit: um supercarro de motor central-traseiro, com motor Lotus. Seus engenheiros ainda criam o Seven série 4, mas parecia que era o fim.

Ali perto em Caterham, no condado de Surrey, Graham Nearn ganhava sua vida como um concessionário Lotus especializado no Seven. Praticamente todo seu faturamento vinha da venda de kits e da contratação de montagem deles, e do mercado de Sevens usados. Os carros montados pela sua Caterham Cars eram mais valiosos no mercado de usados, por sua qualidade e carinho na montagem. Percebendo que sua fonte de renda secaria em breve, resolve ir até a Lotus e conversar com Chapman.

O resultado sabemos: Chapman vende todos os ferramentais e os direitos sobre o projeto, para a Caterham cars de Graham Nearn, em 1973. Este, esperto e conhecedor do modelo, imediatamente abandona o feio série 4, reverte o desenho para o mais tradicional da série 3, e começa a produzir o Caterham Seven. Não uma réplica como alguns imaginam, mas a continuação oficial do projeto original. Hoje, 52 anos depois, a empresa continua a fazê-lo.
Ford (spin-off da Cadillac)

Henry Ford, desde cedo, era extremamente determinado. Quebra a parede lateral do porão com uma marreta para tirar seu primeiro quadriciclo dali, em 1896. Mostrando o carro para investidores em potencial, consegue financiamento para sua primeira empresa: a Detroit Automobile Co. Mas nem Henry nem seus investidores tinham noção ali das dificuldades em montar algo tão complexo em série. Em um par de anos, a empresa acaba, com zero carros vendidos.
Alguns dos investidores ainda acreditam em Ford, porém, e abrem outra empresa, a Henry Ford Motor Co. Para seu desespero, Henry não cria então algo para ser vendido, e sim, um carro de corrida! Ford sabia que a única maneira de chamar atenção para si era provando que era mais veloz e durável que os outros. E queria uma coisa acima de tudo: ganhar de Alexander Winton.

Winton era o produtor de automóveis de maior sucesso na América, e mais que isso: era um herói popular em competições, e o detentor da maioria dos recordes de velocidade em circuito fechado. Ford passa seis meses trancado em seu galpão, gastando dinheiro da empresa, vivendo de suas economias (não havia salário numa empresa deficitária) para terminar seu carro de corrida, um esbelto e leve quadriciclo, com um motor gigante: um bicilíndrico contraposto de 8,9 litros e 26 cv a estratosféricos 900 rpm. Este monstro, que pode ser visitado ainda hoje no museu Henry Ford em Detroit, venceu Winton, Henry Ford ao volante, numa épica corrida no circuito de Grosse Pointe, Michigan em 10 de outubro de 1901, em frente a uma plateia gigante, e da imprensa internacional. O herói local do Michigan vencia o estabelecido campeão.
Clara Ford escreve para a irmã:” Henry está se cobrindo de poeira e glória! Eu queria que você pudesse estar aqui, e ouvir o urro da plateia quando ele passou Winton! O público ficou louco!”

Mas os investidores, liderados por William Murphy, estavam impacientes. Cansado de seu inventor excêntrico gastando dinheiro irresponsavelmente, Murphy tem uma ideia que não podia dar certo: contrata um chefe para Henry Ford.
Entra em cena Henry Leland. Dono da Leland & Faulconer, uma oficina de usinagem famosa em Detroit, Leland aprendera seu ofício na lendária Springfield Armory, produtora das armas de fogo de Samuel Colt, e era famoso pela precisão e durabilidade de suas peças usinadas. Em visita à fábrica de Ford, pinta um quadro aterrador de fracasso iminente para Murphy, e acaba sendo contratado como supervisor geral da Henry Ford Company.

Ford, é claro, não dura muito ali, saindo em pouco tempo. O nome da empresa muda, e Henry Leland se torna famoso por empregar métodos de intercambialidade de peças em produção seriada que aprendera fabricando armas. O novo nome da empresa? Cadillac Motor Co.
Então quando a Henry Ford Motor Co. vira Cadillac, Henry Ford vai embora e funda a Ford Motor Company. É mole?
Bristol (spin-off da BMW)

A Bristol Aeroplane Company queria fazer automóveis no pós-guerra, visto que a demanda gigante de aeroplanos acabaria com o fim do conflito. Entra em uma joint venture com a AFN, ltd, fabricante dos carros esporte Frazer-Nash e importadora de BMW para o reino Unido antes da Guerra.
A BMW, enquanto isso, era um monte de ruínas bávaras. É a ajuda do Coronel Aldington, dono da AFN, que dá as permissões necessárias à empresa para voltar as suas atividades naquele período difícil. Em troca disso, a BMW dá para Aldington os desenhos e direitos do motor BMW “328” seis em linha Hemi de 2 litros dos 327 e 328 do pré-guerra. E desenhos do 327.

Totalmente redesenhado pela Bristol, o BMW 327 vira Bristol 400 em 1948. A ligação entre as duas empresas fica clara quando a BMW volta a fazer automóveis nos anos 1950, com o BMW 501. Antes da guerra os BMW eram “300”; a Bristol ficou com os “400”, e os novos BMW eram “500”.
A Bristol não evoluiu daí, porém; mantendo-se um fabricante pequeno até seu fim em 2020. A BMW? Vai muito bem, obrigado.
REO (spin-off da Oldsmobile)

A maioria das spin-offs é como esta: o fundador saindo da empresa original, e fazendo outra. August Horch cria a Audi (Horch, orelha, em latim) quando sai da Horch; Harry C. Stutz cria a HCS quando sai da Stutz. São muitos assim, então vou resumir só nesse exemplo disso aqui. De uma certa forma até a Dodge é spin-off da Ford, e Nash e Chrysler, da Buick. Mas essas, histórias para outro dia.

REO é uma marca de pouquíssima fama e história pequena. Ransom Eli Olds, quando deixou sua Oldsmobile para a General Motors em 1904, partiu para criar outra empresa, a REO, nome criado com o simples expediente de se juntar suas iniciais.

Pois bem: a empresa nunca alcançou o sucesso da Oldsmobile, mas conseguiu alguma notoriedade com caminhões. E conseguiu fazer pelo menos uma coisa memorável: seus caminhões leves (hoje chamaríamos de picapes) desde muito cedo receberiam um dos nomes mais legais já criados para um automóvel: Reo Speedwagon.
Não importa que esses caminhõezinhos fossem extremamente, espantosamente, tremendamente lentos (60 km/h de máxima em 1935, por exemplo); propaganda enganosa ou não, o nome é muito legal.

Na verdade ele é tão forte, sonoro e fácil de lembrar que acabou virando nome de banda de rock: REO Speedwagon é também o nome de um quinteto americano que ficou famoso nos anos 80 cantando inesquecíveis baladinhas extremamente sonoras e deliciosamente pegajosas. O que me dá oportunidade de terminar a matéria de hoje com uma canção: