Sir Stirling Moss morreu em 12 de abril de 2020, aos 90 anos de idade – muito bem vividos, diga-se. Ele nunca foi campeão do mundo de Fórmula 1, mas sem dúvida foi um dos melhores que já passaram por este mundo.
Moss já estava com a idade bem avançada e sua saúde estava debilitada havia algum tempo e sua morte foi, de fato, um descanso merecido. Mas ainda assim é triste saber que ele não viveu para comemorar os 60 anos de uma de suas maiores conquistas: sua vitória no Grande Prêmio de Mônaco de 1960, realizado no dia 29 de maio daquela ano (ou seja, quase exatamente 60 anos atrás). Foi uma das últimas de sua carreira, e foi a primeira vitória da Lotus na Fórmula 1 – com seu primeiro monoposto com motor central-traseiro. Eis o tamanho da importância da prova. E é sobre que vamos falar no post de hoje.
O piloto
Em 1960, Stirling Moss já era um piloto veterano, já havia dividido a pista com pilotos que ele próprio considerava ídolos (como Juan Manuel Fangio), e já havia até mesmo perdido um título por fazer o que era certo. Ele talvez até estivesse pensando em se aposentar. Mas isto não significa que ele estivesse fora de forma ou algo do tipo – pelo contrário.
Stirling Moss foi a grande aposta da pequena equipe Rob Walker Racing para a temporada de 1960 da Fórmula 1. Fundada em 1953 pelo herdeiro de Johnnie Walker (sim, o mesmo dos uísques), a equipe concentrava a maior parte de seus esforços em competições menores em seus primeiros anos, mas já em 1958 conquistou sua primeira vitória na Fórmula 1. Detalhe: com ninguém menos que Stirling Moss ao volante de um Cooper T43 no Grande Prêmio da Argentina – foi a primeira vez que uma equipe venceu na F1 sem construir seu próprio carro. Desde então, Moss meio que virou um amuleto da sorte para a Rob Walker Racing. Naquela época ele era meio que um freelancer, dividindo seu tempo entre diversas equipes, mas quase sempre que ele era contratado pela Rob Walker, acabava tendo resultados positivos.
O carro
O ano de 1960 marcou a primeira vez que a Rob Walker Racing corria com um carro da Lotus. A própria Lotus era uma novata, tendo feito sua estreia na Fórmula 1 no GP de Mônaco de 1958 com o Lotus 12, ainda com um motor Coventry Climax na dianteira. Depois dele veio o Lotus 16, que usava o mesmo motor, mas trazia algumas mudanças estruturais e aerodinâmicas. E então, em 1960, estreou o revolucionário Lotus 18 – o primeiro Lotus realmente bom.
Como a maior parte dos projetos de Colin Chapman, o Lotus 18 era notável por sua simplicidade – um monoposto de chassi tubular com painéis de alumínio e o motor posicionado longitudinalmente atrás do cockpit, de maneira a equilibrar ao máximo possível a distribuição de massas.
O motor usado pelo Lotus 18 era o mesmo Coventry Climax de seus antecessores, com 2,5 litros de deslocamento e por volta de 240 cv a 6.750 rpm. Ele era acoplado a uma transmissão sequencial de cinco marchas com diferencial ZF e carcaça de magnésio, montada no eixo traseiro – que também servia como suporte para os discos de freio inboard (isto é, próximos ao diferencial, e não nos cubos de roda), adotados para reduzir a massa não-suspensa. A suspensão usava braços triangulares sobrepostos na dianteira, com amortecedores inboard; e braços triangulares inferiores na traseira, com os amortecedores no local convencional. O arranjo de suspensão favorecia o equilíbrio nas curvas, mitigando a rolagem da carroceria e proporcionando uma dinâmica extremamente ágil e estável, superior à de qualquer outro Lotus concebido antes do 18.
É importante frisar que já havia outros carros com motor central-traseiro na Fórmula 1 – a Ferdinand Porsche havia projetado alguns Auto Union nesta configuração já na década de 1930, e no grid já havia carros da BRM e da própria Porsche com esta mesma configuração. Mas foi o Lotus 18 que conseguiu os melhores resultados naquele ano e, por isto, é considerado aquele que de fato provou a eficácia do arranjo.
Não foi por acaso que a Rob Walker Racing decidiu apostar os recursos que tinha em um carro fabricado por uma empresa jovem e promissora, e em um piloto que já era comprovadamente um dos melhores do planeta – que, por convicção pessoal, gostava de correr com carros britânicos.
A corrida
O GP de Mônaco de 1960 foi a segunda das dez corridas daquela temporada – a primeira foi o GP da Argentina, em 7 de fevereiro, que o neozelandês Bruce McLaren (um dos maiores talentos daquela época, que estava destinado a grandes conquistas) venceu com 26 segundos de vantagem sobre o britânico Cliff Alison, que defendia a Scuderia Ferrari. Stirling Moss foi seu colega de equipe na Argentina, mas não teve a mesma sorte com seu Cooper-Climax – depois de largar na pole, ele teve de abandonar a corrida na volta 40 por problemas na suspensão.
Quase quatro meses depois, no Principado de Mônaco, a situação era completamente diferente. Na Argentina, em fevereiro, era verão e fazia calor. Já a corrida em Mônaco no final de maio aconteceu durante a estação de chuvas – e isto mostrou-se crucial para o andamento da prova. Ou a falta dele.
Os treinos de classificação foram disputadíssimos – a começar pelo fato de que 24 inscrições foram aceitas, mas o número de lugares no grid foi limitado a 16. Então, houve a questão dos cronômetros – na sexta-feira, dia o cronometrador oficial notou no meio da sessão de classificação que seu relógio estava com problemas, registrando imprecisões que variavam entre 3 e 6 segundos. Ficou definido, então, que os tempos obtidos pelos pilotos na sexta-feira, dia 27 de maio, seriam anulados. A disputa no sábado, então, foi violenta. Stirling Moss conseguiu garantir a pole position novamente ao virar 1:36,3, enquanto logo atrás vinha Jack Brabham em seu Cooper-Climax – exatamente um segundo atrás no tempo de classificação.
O sueco Jo Bonnier, da BRM, que havia largado na quinta posição, conseguiu assumir a ponta logo no primeiro grampo, em menos de 15 segundos – uma bela largada. Jack Brabham vinha logo atrás, mas foi ultrapassado por Stirling Moss na quinta volta. Moss, classudo como sempre, segurou a segunda posição por bastante tempo. Era como se ele soubesse que Bonnier estava tendo problemas com o pedal de freio de seu carro. Na décima volta, Bonnier começou a gesticular para que Moss passasse à sua frente, mas o próprio Moss esperou até a volta 16 para fazer sua investida, percebendo que lá atrás estava rolando uma verdadeira guerra entre Jack Brabham, Bruce McLaren e Tony Brooks, também com um Cooper-Climax.
Uma vez tomada a liderança, Stirling Moss começou a se afastar do resto do pelotão e, na volta 25 já havia “virado passeio”, como se diz no futebol – seis segundos à frente dos demais, que voariam um no pescoço do outro se pudessem. E então, três voltas depois, o sol que já estava fraco decidiu sumir de vez, dando lugar a um céu nublado que anunciava a esperada precipitação.
Stirling Moss, confortavelmente adiante dos demais, não teve muitos problemas para manter-se adiante – a dificuldade recaiu sobre quem vinha atrás. Mesmo Moss reduziu seu passo nas voltas seguintes, bem como todos os outros – apenas Jack Brabham manteve-se pressionando e, por volta do 34º giro, assumiu a ponta. Mas foi um erro de julgamento: a superfície da pista estava lisa como gelo e ele acertou o muro na volta 41, retornando aos boxes com a dianteira toda destruída. Pouco depois, Moss percebeu que um dos cilindros estava falhando, parando nos boxes para trocar uma vela. O reparo foi rápido e ele conseguiu recuperar-se rapidamente.
Era uma corrida longa, de 100 voltas, e Stirling Moss só precisou manter o ritmo para assegurar a vitória enquanto os demais degladiavam pelo segundo lugar – incluindo Dan Gurney, que havia largado na 14ª posição com sua BRM e aproveitou-se de deslizes dos outros pilotos para remar até o primeiro pelotão.
Quem levou a melhor, no fim das contas, foi Bruce McLaren – Dan Gurney e Jo Bonnier tiveram problemas na suspensão traseira de seus carros, e a maior ameaça a ele era Phil Hill, que havia largado em décimo com sua Ferrari mas conseguiu terminar na terceira posição, logo atrás de Bruce McLaren.
Stirling Moss, por sua vez, conseguiu terminar a corrida com 52 segundos de vantagem sobre Bruce McLaren e mais de um minuto à frente de Phil Hill. Os três foram os únicos a completar todas as 100 corridas da prova e além deles, apenas Jo Bonnier e o americano Riche Ginther, da Ferrari, conseguiram terminar a prova com mais de 50 voltas completadas. Os demais pilotos foram todos desclassificados por não pecorrer a distância mínima exigida, um a um sendo eliminados por acidentes ou problemas mecânicos.
Para Stirling Moss, foi mais uma grande vitória. Para a Lotus, porém, foi um divisor de águas – a equipe novata conseguiu fazer um carro melhor, mais confiável e mais rápido que as gigantes com quais dividia o asfalto. Moss voltou a correr pela Cooper nas outras corridas da temporadas, mas o GP dos EUA, última corrida da temporada, também foi marcado por uma vitória sua ao volante do Lotus 18.