Atenção, leitores do FlatOut!: seu site favorito vai levá-los para outro passeio pela estrada da nostalgia. E, desta vez, é com um verdadeiro monstro: o Suzuki Escudo Pikes Peak, que muita gente aqui conheceu lá em 1998, em Gran Turismo 2 — e provavelmente venceu tudo com ele.
Em GT2, o Escudo era quase um cheat. Era um carro caro, mas algo nele dizia que valeria cada centavo — e, por algo, estamos falando do grande spoiler dianteiro, da asa traseira maior ainda e a cavalaria arrasadora: 981 hp ou, no sistema métrico, 995 cv.
Ele era tão potente que não se classificava para nenhuma corrida com limite de potência — e, nas corridas sem limite, ele simplesmente obliterava os outros carros. Se você suou para tirar todas as licenças (até a Special, que não era nem obrigatória)… bem, você acabou descobrindo que todas as técnicas que aprendeu e aperfeiçoou se tornariam simplesmente desnecessárias. Mesmo acelerando como se não houvesse amanhã e mal reduzindo nas curvas, batendo no muro e saindo da pista, você venceria.
“Será que existiu mesmo um carro assim?”, eu me perguntava.
É claro que estou falando da minha experiência com Gran Turismo 2, que joguei exaustivamente quando ainda não conhecia a história impressionante do Suzuki Escudo. GT2 me tornou um gearhead e, graças a isto, posso escrever sobre o monstro de Pikes Peak neste dia de jogo da Copa do Mundo.
O ano era 1983, e um homem chamado Nobuhiro Tajima abriu, no Japão, uma oficina de preparação de carros de corrida. Era a Monster Sport International que, em 1986, fechou um acordo com a Suzuki para se tornar seu braço no automobilismo com foco no WRC, no qual Tajima estava envolvido desde 1981. E foi com a Suzuki Sport que Nobuhiro “Monster” Tajima se tornou uma lenda.
E com todo o louvor do mundo: naquela época Tajima já era piloto, preparador, mecânico e projetista. Os carros que ele pilota nos ralis sempre foram desenhados, construídos, preparados e acertados por ele mesmo — e, naturalmente, o carro com o qual ele estreou em Pikes Peak não foi exceção.
E também não foi o Escudo — o carro que Tajima levou para competir nos EUA pela primeira vez foi um Suzuki Cultus, em 1992. Cultus é o nome do hatch compacto que, no Brasil, foi vendido por um breve período como Suzuki Swift. Mas de Cultus ele só tinha o nome e uma ligeira semelhança no visual e nas proporções — todo o resto foi feito à mão por Tajima e sua equipe na Suzuki Sport — carroceria estrutura tubular, carroceria de compósito e dois motores 1.6 turbo, um atrás e um na frente, capazes de entregar em conjunto cerca de 800 cv.
Nobuhiro “Monster” Tajima venceu a prova naquele ano e no ano seguinte. Contudo, em 1994, Tajima não conseguiu chegar ao topo de Pikes Peak antes de todo mundo — a vitória ficou com o neozelandês Rod Millen que, ao volante de um Toyota Celica AWD Turbo, percorreu os 20 km da subida em 10:04,06 — tornando-se então o homem mais rápido a concluir o trajeto desde 1981, ano em que a competição tomou o formato que conhecemos hoje.
Tajima e a Suzuki sabiam que precisavam de outro carro para se tornarem competitivos. Então, para o ano seguinte, prepararam o primeiro bólido de Pikes Peak a levar o nome de Escudo.
A receita era basicamente a mesma: colocar sobre uma estrutura tubular uma bolha com formas que lembravam vagamente um Suzuki Escudo (ou Vitara, como é conhecido no ocidente) e dar a ele dois motores idênticos — dois G16A, de 1,6 litro com comando duplo no cabeçote e turbo —, um em cada ponta.
Com 450 cv cada, os dois motores davam ao Suzuki Sport Twin Engine Escudo Special uma potência total de 900 cv. A estrutura do carro feita de cromo-molibdênio e a carroceira de fibra de carbono reforçada com Kevlar ajudavam o peso a ficar em 900 kg. Ou seja, o Escudo tinha uma relação peso-potência perfeita, de 1:1 — como o Koenigsegg One:1. A transmissão era manual de cinco marchas com um diferencial de deslizamento limitado para cada eixo e um diferencial central eletrônico.
Com este carro, Monster Tajima foi o mais rápido de Pikes Peak em 1995. Naquele ano, a prova foi disputada em uma versão mais curta da subida, e por isso o tempo de Tajima foi de 7:53 cravados.
Não era o resultado que ele queria. Tajima precisava superar o tempo de Rod Millen e seu Celica e por isso, para 1996, a coisa ficou realmente séria. O primeiro Escudo podia até ter 900 cv e, um splitter dianteiro gigantesco e uma asa traseira maior ainda (tudo para gerar downforce em uma época em que Pikes Peak era totalmente coberta de terra), mas faltava-lhe uma coisa: aerodinâmica.
Por esta razão, a Suzuki Sport adquiriu um túnel de vento, que seria utilizado para desenvolver o Escudo de 1996. O resultado é um carro com formas mais arredondadas e a cara que todos conhecemos em Gran Turismo 2.
Mas o visual não foi a única coisa que mudou no novo Escudo: Nobuhiro Tajima decidiu seguir por um caminho mais tradicional, instalando um motor V6 de 2,5 litros na porção central-traseira do carro. Claro que um motor a menos não significava menos potência, pelo contrário: a usina de seis cilindros era sobrealimentada por dois turbocompressores e capaz de entregar 995 cv a 8.100 rpm e 95 mkgf de torque a 6.500 rpm, que eram prontamente levados para as quatro rodas através de uma transmissão sequencial de seis velocidades.
O carro era ainda mais leve, pesando 800 kg, o que significava que ele tinha uma relação peso/potência de 0,8 kg/cv! O resultado era um carro capaz de atingir os 100 km/h em 2,7 segundos, com velocidade máxima de “apenas” 270 km/h — mais do que o suficiente para, naquele ano, ser… o segundo mais rápido em Pikes Peak. Pois é: naquele ano — e nos três seguintes — Rod Millen foi o verdadeiro rei da montanha pilotando o Toyota Celica e outra lenda das subidas de montanha, a Toyota Tacoma.
A glória de Tajima ainda levaria 13 anos para chegar. Depois de vencer em 2006, novamente em uma versão encurtada do trajeto, Monster levou a Pikes Peak um Suzuki XL7 que, no fim das contas, era bem parecido com o Escudo e também tinha um motor V6 biturbo, mas deslocando 3,6 litros e entregando absurdos 1.007 cv. Com ele, Nobuhiro Tajima conseguiu subir a montanha em 10:01,408 em 2007 — três segundos mais rápido que Rod Millen em 1994.
Tajima ainda venceu em Pikes Peak por mais quatro anos na classe principal, a Unlimited — em seu último ano, 2011, veio mais um recorde: ao volante de um Suzuki SX4, o piloto foi o primeiro a quebrar a barreira dos dez minutos na montanha com um tempo de 9:51.278. A partir de 2012 ele passou a competir na categoria reservada a carros elétricos, citando entre suas razões a preocupação com o aquecimento global. Ele conseguiu bons resultados, chegando a superar seu próprio recorde ao marcar 9:46,53 em 2013.
Só que a gente prefere relembrar a época do monstruoso Escudo de quase 1.000 cv que nos ajudou a vencer tudo e todos em Gran Turismo.