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Car Culture

Todos contra os elétricos chineses

A essa altura de 2030 já está mais do que clara como a eletrificação dos automóveis está se tornando uma ameaça à indústria automobilística ocidental e como ela fortalece a China no jogo geopolítico. A maior fabricante de carros elétricos do planeta atualmente é chinesa (BYD) e a China também produz 80% das células de bateria do planeta, além de ser uma das principais mineradoras de lítio, cobalto, manganês e terras-raras – matérias-primas das baterias e motores elétricos.

Uma tarde em qualquer cidade grande brasileira irá revelar na prática o cenário de “invasão” chinesa que os números já deixavam evidentes: 88% dos elétricos vendidos no Brasil são chineses e o Brasil se tornou o maior importador global de carros chineses em março e abril de 2024 e encerrou o ano como o quarto maior importador de carros chineses do planeta. Somente em junho de 2024, 100.000 veículos elétricos chineses desembarcaram no Brasil.

Diante da situação, as fabricantes instaladas no Brasil, reunidas na Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (a ANFAVEA), pretendem enviar ao Ministério do Desenvolvimento um pedido de investigação de suposta prática de dumping por parte da BYD e da GWM. Segundo a Anfavea, no momento estão sendo feitos estudos para avaliar questões de preço e mercado, semelhantes aos já realizados na Europa e nos EUA: “Há estudos de mercado em andamento. A Anfavea defende a livre concorrência e a prevenção de práticas que prejudiquem o mercado automotivo brasileiro, zelando pelos clientes, empregados, concessionários, fabricantes e indústria de autopeças”, diz o presidente da Anfavea, Marcio de Lima Leite, no comunicado divulgado à imprensa.

A medida da Anfavea não é surpresa, considerando o que já vem acontecendo na Europa e América do Norte. Em julho de 2024, a União Europeia impôs uma taxação provisória de até 37,6% para os carros chineses como medida anti-subsídios, fruto de uma investigação da Comissão Europeia iniciada em 2023. Sendo um país membro da Organização Mundial do Comércio (OMC), a China recorreu à entidade para tentar reverter a decisão.

Elétricos chineses no Brasil

No mês seguinte, agosto, foram os canadenses que aumentaram o imposto de importação sobre os carros elétricos chineses de 6,1% para 100%, também mencionando a política de subsídios e incentivos da indústria chinesa “que resultam em concorrência desleal e super-capacidade de produção”. Mais um mês e foi a vez dos EUA: em setembro de 2024, o governo americano elevou os impostos de importação de 25% para 100% sobre os veículos elétricos chineses que chegam aos EUA, também motivado por “práticas comerciais desleais” por parte dos chineses.

Considerando a declaração da Anfavea, tudo indica que a medida seja uma forma de embasar um pedido de antecipação do retorno do imposto de importação sobre os carros elétricos, que será de 35%, mas implementada de forma gradual ao longo de dois anos — entre 2024 e 2026. Em janeiro de 2024, a alíquota aumentou de zero para 10%, subindo para os atuais 18% em julho de 2024. Em julho deste ano, a alíquota passará a 25% e somente em julho de 2026 atingirá os 35%.

Também em setembro de 2024, explicamos aqui mesmo no FlatOut, em nossa série de matérias sobre os carros elétricos, como a Volkswagen pode ter sido a primeira vítima da eletrificação, e como a situação foi influenciada pelos subsídios chineses. Você pode ler a matéria no link abaixo, mas aqui está o trecho específico que explica a “força” chinesa  nos mercados ocidentais:

“A força chinesa se deve, principalmente, a dois fatores: um empurrão do Estado e um quase-monopólio global. O empurrão do Estado está não apenas nos subsídios concedidos aos fabricantes e compradores chineses, mas na própria atuação do Estado como fabricante. Destas três grandes fabricantes chinesas, apenas a GAC é estatal, porém a BYD e a Geely têm entre seus investidores fundos que têm participação do governo chinês. 

Depois há os subsídios. Entre 2009 e 2023 o governo chinês concedeu um total de US$ 230,9 bilhões em incentivos à indústria de veículos elétricos. Eles foram distribuídos na forma de abatimentos, isenção de impostos, financiamento de infraestrutura, programas de pesquisa e desenvolvimento para os fabricantes e aprovisionamento do governo.

Isso significa, na prática, que todos os fabricantes estrangeiros que tentam concorrer no segmento dos veículos elétricos na China, têm essa desvantagem logo de cara. Foi o que aconteceu com a Volkswagen: apesar do plano ambicioso — que consumiu mais de 20 bilhões de euros e previa mais 160 bilhões de euros investidos até 2027 — ela não conseguiu emplacar mais de 45.000 unidades no primeiro trimestre deste ano em um mercado que comprou 1 milhão de veículos elétricos.

A primeira vítima da eletrificação dos carros?

Embora os valores sejam muito próximos — e o investimento da Volkswagen tenha sido mais agressivo, pois foi realizado em menos de dez anos — estamos comparando um investimento estatal dos chineses e um investimento privado de uma empresa que obtém receita majoritariamente da venda de veículos que ela mesma produz. É por isso que esse tipo de prática é condenado pela OMC, cujos acordos preveem esse tipo de sobretaxação para determinados produtos, caso eles sejam objeto de práticas desleais de comércio.

A situação da Volkswagen, embora pareça um erro estratégico, foi provocada justamente por estas práticas desleais chinesas. Não apenas isso: com os subsídios chineses, o carro elétrico deixa de ser apenas uma alternativa para a questão ambiental e se torna uma ferramenta geopolítica. Se eles serão os únicos veículos novos permitidos a partir de 2035, o crescimento subsidiado pelo estado chinês e baseado em práticas de concorrência desleal se tornam um risco para a economia global.

A Volkswagen foi apenas a primeira marca a sofrer um revés com os carros elétricos. No final de 2024, Honda e Nissan anunciaram uma fusão para o desenvolvimento de veículos elétricos, enquanto as demais fabricantes ocidentais também já manifestaram preocupação em relação ao futuro eletrificado — vide a incerteza da Porsche em relação às novas gerações do Macan e do Panamera, e o desenvolvimento de novos motores a combustão por parte da BMW.

Por outro lado, a China foi estratégica ao investir nos carros elétricos — e na influência da eletrificação como solução ambiental, é importante dizer. Essa estratégia começou há quase 25 anos, ainda no início dos anos 2000, quando a China já era um dos lideres globais na produção de baterias de íons de lítio. Aqui é importante lembrar que a China começou a se motorizar somente no final dos anos 1990 e só se tornou um player global nos anos 2000, depois que ela ingressou na Organização Mundial do Comércio, em 2001.

Pequim/Bejing em 1990

A partir de 2006, as tarifas de importação foram reajustadas de acordo com os tratados de comércio internacional e o mercado chinês se abriu para os fabricantes estrangeiros, para os quais a China se tornou seu principal mercado devido à demografia. Ao mesmo tempo, os mercados estrangeiros também se abriram para os fabricantes chineses. E este é o ponto-chave desta história. Relembre o que dissemos na matéria sobre o erro estratégico da Volkswagen:

“A principal barreira de entrada de uma fabricante de automóveis no mercado é o motor. […] Não é uma questão de tecnologia, afinal, um motor de combustão interna não é algo exatamente complicado de se fazer. […] O problema é o custo de desenvolvimento e homologação destes motores. É isso o que os torna proibitivos para um fabricante iniciante ou mesmo para uma grande corporação.[ …] Com os carros elétricos, contudo, esta barreira é removida. Um motor elétrico é um dispositivo simples, barato e eficiente. Com um pouco de outsourcing é possível criar uma fabricante de veículos elétricos viável. Pergunte a Elon Musk, que começou a Tesla com um Lotus Elise, baterias coreanas e um software próprio.”

As fabricantes chinesas (que têm o governo chinês como acionistas diretos e indiretos) logo perceberam que não poderiam concorrer com os fabricantes estrangeiros no mesmo jogo da combustão interna. E passaram a investir em carros elétricos à medida em que as questões ambientais avançavam no Ocidente.

A estratégia envolveu uma coordenação muito bem-organizada entre subsídios à indústria automobilística, atividade mineradora, produção de baterias, construção de usinas de energia elétrica e instalação de uma rede nacional de recarga — uma abordagem “end-to-end” que ajudou a reduzir custos dos carros e da energia e impulsionou a adesão ao carro elétrico na China. É importante notar também que a adesão ao carro elétrico na China teve uma ajuda da ausência de uma cultura automobilística tradicional, fruto da motorização recente do país.

Foi assim que o carro elétrico se tornou uma ferramenta geopolítica. Com eles, a China tem uma vantagem muito impositiva em relação aos fabricantes estrangeiros. As metas de banimento dos carros de combustão interna se aproximando, resta pouco tempo para uma reação capaz de equilibrar essa disputa. Por ora, os impostos de importação conseguirão conter a expansão dos chineses. Mas o que acontecerá quando as fabricantes chinesas se instalarem nos países ocidentais — como a BYD e a GWM no Brasil, por exemplo?

Também é por isso que já existem movimentos para adiar o banimento dos carros de combustão interna. Nos EUA, o atual presidente Donald Trump disse durante a campanha de 2024 que iria derrubar o banimento dos carros de combustão interna imposto pela Califórnia para 2035, que foi ratificado pela Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA) em 18 de dezembro de 2024, nos últimos dias do governo Joe Biden. A medida dificulta a derrubada do banimento, mas não a impossibilita.

Na Europa, o Partido do Povo Europeu (EPP na sigla em inglês), está em campanha para que o banimento seja adiado para além de 2035 — o partido tem a maioria das cadeiras na Comissão Europeia e é apoiado pelas fabricantes, que alegam perder dezenas de milhões de euros em multas, o que as impede de investir em tecnologias mais limpas — aqui surge outra vantagem estratégica da China: ela investe nas fabricantes, enquanto a Europa pune as fabricantes.

No Reino Unido, o atual primeiro-ministro Keir Starmer reverteu a decisão de seu antecessor, Rishi Sunak, de estender o prazo para 2035, retornando a proibição de carros novos a combustão interna a partir de 2030 — o que pode significar o fim da indústria automobilística britânica (e sua substituição por carros chineses, claro), mas também será o primeiro exemplo prático do futuro sem combustão interna. Isso, claro, se a decisão não for revertida mais uma vez…

Quem ressuscitou o carro elétrico?


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