FlatOut!
Image default
Técnica

Tudo sobre offset – e como ele pode afetar a geometria da suspensão

Estou pensando em trocar as rodas do meu carro. Ele veio com rodas de 14 polegadas, com pneus “verdes” de perfil alto. Acho que não combina com a dinâmica e com a estética do carro. Além disso, aumentar a bitola pela mudança do offset das rodas pode ser uma boa ideia para melhorar o comportamento dinâmico do carro. Ou não?

O offset das rodas não é apenas uma medida para fazê-las caber na caixa de roda. Ela também modifica sutilmente as bitolas, como eu já mencionei, e um outro elemento importante na geometria da suspensão: o raio de rolagem.

Ciente disso, achei prudente pensar com calma e procurar as especificações das rodas que pretendo instalar e compará-las com as rodas atuais do carro. Não quero resolver um problema causando outro. Para isso, eu preciso fazer duas coisas: comparar o offset das duas rodas e, a partir dele, verificar qual será seu impacto sobre o raio de rolagem.

 

Como comparar o offset?

Comparar medidas de rodas e pneus nunca é coisa simples. O diâmetro dos pneus é medido em polegadas, mas sua largura e perfil são medidos em milímetros (com o perfil denominado em percentual, para complicar ainda mais). As rodas também têm o diâmetro em polegadas, mas sua largura (tala) não é medida em milímetros como nos pneus, e sim em polegadas. E aí você tem padrão de furação, offset (ET) e backspacing em milímetros… não tem como ser simples.

Não dá para fazer uma relação centesimal como todo o sistema métrico, porque as benditas rodas misturam o sistema imperial ao sistema métrico, e aí a relação fica louca. Uma polegada tem 25,4 mm. Quatro polegadas têm 101,6 mm ou 10,16 cm. É pouco, mas faz diferença quando se fala de offset.

Seu carro saiu de fábrica com rodas 15×5,5 ET54 e aquelas rodas lindas que você encontrou medem 16×7 ET37. A roda nova vai servir ou vai ficar esbarrando na parede interna da caixa de rodas? A borda vai ultrapassar a linha dos para-lamas ou vai ficar alinhada? E o raio de rolagem?

Estas são minhas dúvidas. Porque as rodas originais medem 14×5 com ET35 e as pretendentes medem 15×6 ET38. O offset muda 3 mm, mas a tala muda 25,4 mm. Só que o offset é calculado a partir da linha de centro da tala, então é mesmo preciso parar e pensar.

Felizmente, existe uma fórmula simples para comparar, e ao final desta matéria você saberá usá-la. Mas antes precisamos deixar entendidos os conceitos básicos de medidas das rodas.

Para começar, o diâmetro das rodas não é medido pela face das rodas. Pode pegar a trena e encostá-la no meridiano da roda do seu carro. Uma roda de 16 polegadas normalmente tem entre 17 e 17,5 polegadas de face. O que mede 16 polegadas é seu diâmetro interno, o verso da roda, a parte que envolve a manga de eixo, os freios etc.

Da mesma forma, a tala não é a distância da borda da face da roda até a borda posterior da roda, mas o espaço interno entre as duas bordas.

O offset seria melhor entendido se usássemos a tradução do seu significado como os alemães fazem: deslocamento (einpress tiefe, daí a sigla ET). Deslocamento do que em relação a quê? Deslocamento do assentamento da roda em relação à linha de centro da tala.

Nem toda roda tem o assentamento exatamente no centro de sua tala. A maioria, na verdade, tem essa medida deslocada para a frente ou para trás da linha de centro. Quando o deslocamento é para a frente da roda, ou seja, quando o assentamento fica entre a linha de centro da tala e a face da roda, o offset é positivo. Quando o assentamento fica entre a linha de centro da tala e a borda posterior da roda, o offset é negativo. Quando ele ficar exatamente na linha de centro da tala, será zero ou neutro.

O backspacing é uma medida secundária: ele é simplesmente o que sobra após o assentamento. Seu nome significa exatamente isso: espaço posterior, o espaço que há entre o assentamento da roda no cubo e sua borda posterior.

Conhecendo estes conceitos, você poderá calcular facilmente as diferenças de medida entre sua roda original e a roda que você pretende instalar no carro. Praticamente todas as rodas do planeta informam basicamente o diâmetro, a tala e o offset — o backspacing normalmente fica reservado aos catálogos e manuais técnicos —, que é tudo o que você irá precisar.

Vou usar o meu próprio caso como exemplo. A roda original mede 14×5 ET35, e sei que entre a borda posterior da roda e a parede da caixa de roda traseira há um espaço de 70 mm, e que entre a borda da roda dianteira e o amortecedor há um espaço de 50 mm. Também sei que há cerca de 50 mm de espaço entre a face das rodas e a linha dos para-lamas nos dois eixos.

Dito isso, vamos ao cálculo.

Para saber a posição da face da nova roda, você precisa descobrir qual a distância entre a borda frontal interna da roda e o seu assentamento no cubo de roda — tanto na roda nova quanto na roda original. O cálculo é simples: (tala/2 – ET) — só isso. Tala em milímetros e offset em milímetros.

Nesse caso, minha roda original tem 5 polegadas de tala (127 mm) e offset 35. Então terei (127/2 – 35) = 63,5 – 35 = 28,5. O assentamento da minha roda original fica a 28,5 mm da borda frontal interna.

A rodas que pretendo usar  tem 6 polegadas de tala (152,4 mm) e offset 38. Então terei (152,4/2 – 38) = 76,2 – 38 = 38,2. O assentamento desta roda nova ficará a 38,2 mm da borda frontal interna.

Agora, para saber o quanto ela irá avançar em relação à original, basta subtrair a medida da roda nova pela medida da roda original: 38,2 – 28,5 = 9,7. Portanto, esta opção de nova roda ficará 9,7 mm (1 cm, ok?)  mais avançada em direção à linha do para-lamas do que a roda original. Como o espaço é de 50 mm nos dois eixos, ela ainda ficará atrás da linha dos para-lamas.

Ok, nesse aspecto ela serve. Vamos agora para o backspacing. Vamos descobrir se ela cabe na caixa de roda. Para calcular o backspacing, você só precisa subtrair o resultado do assentamento da medida da tala.

No caso da roda original o assentamento fica a 28,5 mm da borda frontal interna e a tala mede 127 mm, então o backspacing mede 98,5 mm  — ou seja: há 98,5 mm entre o assentamento da roda e a borda posterior interna.

A roda de 6 polegadas com offset 38 tem o assentamento 38,2 mm e sua tala mede 152,4 mm, então seu backspacing será de 114,2 mm.

Para saber o quando a roda mais larga irá avançar em direção ao fundo da caixa de roda traseira e à torre do amortecedor dianteiro, basta subtrair o backspacing da roda nova pelo backspacing da roda original: 114,2 – 98,5 = 15,7.

A nova roda, portanto, ficará 15,7 mm mais próxima da parte interna da caixa de roda que a original. Como o espaço é de 70 mm na traseira e 50 mm na dianteira, ela ficará dentro do espaço disponível. Posso comprá-la sem problemas porque não vai pegar em nada.

Foto ilustrativa da tal roda no tal carro

Ainda há a questão da bitola: ela é a distância entre a linha de centro dos pneus em um mesmo eixo. O aumento será a diferença entre os assentamentos das rodas — nesse caso 38,2 – 28,5 = 9,7 mm — multiplicado por dois, pois a diferença acontece nas duas pontas do eixo (uma em cada roda). Nesse caso, terei um aumento de 19,4 mm nas bitolas do carro.

Agora, a questão final é: como isso afeta a geometria da suspensão?

 

O raio de rolagem

O raio de rolagem da suspensão é um elemento que influencia desde o peso do volante, até a variação de cambagem nas curvas mais fechadas, e tem uma certa relação com o ângulo de cáster.

Aliás, esta é uma boa forma de imaginá-lo: enquanto o cáster é a inclinação do eixo de direção em relação à linha central transversal do carro, o raio de rolagem é a inclinação do eixo de direção em relação à linha central longitudinal do carro. É como se fosse um “cáster lateral”.

O ângulo de cáster providencia estabilidade direcional ao eixo e ajuda no retorno automático das rodas/volante à posição centralizada. Ao posicionar o eixo de direção em um ângulo positivo, você o separa da linha de centro da roda (ou área de contato com o solo) — que é onde as forças da gravidade serão aplicadas. Com isso, a rotação horizontal da roda não acontece sobre a área de contato, mas alguns centímetros à frente dela, formando uma alavanca imaginária

Quando você faz uma curva, a força de atrito entre os pneus e a superfície da curva atua como força centrípeta — isto é: a força que “puxa” o carro para dentro da curva. Ao girar o volante você está aplicando uma força contrária à força de atrito nas rodas dianteiras, mantendo a parte posterior da roda para fora da curva.

Quando você solta o volante, a força de atrito não encontra mais resistência. Como o eixo de rotação/pivô está à frente da área de contato, a distância entre as duas linhas — que atua como uma alavanca — aplica torque sobre o eixo de rotação da roda, puxando a parte posterior. É isso o que traz o volante de volta ao centro automaticamente.

Como a força centrípeta diminui a zero com o alinhamento da roda, ela permanece na posição em que a força é zero. Se o eixo de rotação estivesse sobre a linha vertical da roda/área de contato, a alavanca seria zero. A força seria multiplicada por zero e, assim, não aconteceria rotação e o volante não voltaria à posição original.

Agora… quanto mais positivo o ângulo, maior o efeito de alavanca sobre a roda, certo? Isso talvez pareça algo positivo para a dinâmica, porque alavancas maiores exigem menor aplicação de força para realizar o mesmo trabalho. Porém, um ângulo de cáster excessivamente positivo pode resultar em maior tendência sub-esterçante (o carro sai de frente), porque a área de contato estará muito distante do eixo de direção.

Quando a roda estiver esterçada, essa distância terá um efeito de alavanca que produzirá força suficiente para vencer o atrito do pneu com o solo, causando o escorregamento do pneu. Um cáster muito próximo do zero (ou positivo), tornará a direção mais pesada e irá aumentar a carga sobre a roda externa pela transferência de peso na curva. Então é preciso encontrar um ponto de equilíbrio deste ajuste.

Aqui entra em cena o raio de rolagem: para manter um ângulo de cáster eficiente e otimizar a estabilidade direcional e a dinâmica em curvas, no fim dos anos 1960 os engenheiros passaram a adotar uma inclinação lateral do eixo direcional.

Essa inclinação forma um eixo imaginário relativo ao centro da banda de rodagem (olha ela aí de novo… lembra da medida da bitola?). Quando este eixo passa exatamente sobre o centro da banda, temos um raio de rolagem neutro. Quando ele se projeta na metade interna da banda, temos um raio de rolagem positivo. Quando ele se projeta na metade externa da banda, temos raio de rolagem negativo.

Como o cáster, o raio de rolagem também afeta a estabilidade direcional e o comportamento do carro nas curvas. E também como o cáster, esse raio causa um efeito de alavanca sobre a área de contato da roda, porém a alavanca agora é transversal.

Com o raio de rolagem positivo, a alavanca estará em um ponto entre o centro da roda e sua borda interna, então a aplicação de força irá afastar a roda da linha central do carro. O torque de esterçamento será aplicado na porção interna da área de contato, resultando num maior esforço para girar o volante em baixas velocidades e numa tendência a um alinhamento divergente durante as frenagens e convergente durante as acelerações.

Com o raio de rolagem negativo, a alavanca estará em um ponto entre o centro e borda externa da roda, então a aplicação de força irá empurrar a roda naturalmente para perto da linha central do carro. O torque de esterçamento atuará na porção externa da área de contato provocando um alinhamento convergente durante as frenagens e divergente nas acelerações.

Essa configuração negativa é normalmente aplicada em carros de rua por aumentar a segurança em caso de esvaziamento de um pneu ou a falha de uma das linhas num sistema de freios cruzados. Porém ela tem como efeito colateral o esterçamento por torque (torque steer) que assola os veículos de tração dianteira de estrutura McPherson com grande quantidade de torque.

Se você está se perguntando onde está o raio de rolagem neutro, ele tem o mesmo efeito do cáster neutro: raio zero, alavanca zero, multiplicação por zero é… zero. Além disso, o raio de rolagem diferente de zero (não-neutro) é desejável para comunicar ao motorista o que acontece com as rodas.

É ele quem faz o volante ficar leve à medida em que os pneus perdem aderência (pois não há aplicação de força na alavanca formada pelo raio) e tornam a direção mais firme quando há mais aderência (pois a força é aplicada sobre a alavanca).

Por último, raio de rolagem também afeta a variação de câmber durante o esterçamento: os ângulos da suspensão fazem a roda mover-se em um arco ao ser esterçada. Esse movimento em arco faz a cambagem variar ao longo do esterçamento, podendo assumir um ângulo positivo — o que pode causar uma tendência sub-esterçante.

Por isso, como o cáster, é preciso encontrar um ponto de equilíbrio do raio de rolagem negativo. Normalmente o acerto de pista, em carros que têm ajuste de cáster e raio de rolagem, os mecânicos adotam um raio de rolagem mais próximo da neutralidade e um cáster mais positivo, reduzindo a variação positiva de câmber, o que torna o carro mais preciso ao apontar e contornar uma curva.

A essa altura você certamente já sacou como o offset das rodas afetam a geometria da suspensão e o comportamento do carro: quando você modifica o offset das rodas, também está modificando a linha de centro da banda de rodagem.

Caso hipotético da variação de offset versus variação do raio de rolagem

Um offset que desloque as rodas para fora — aumentando a bitola, por exemplo — poderá diminuir o raio negativo ou aumentar o positivo, ou ainda transformar um raio de rolagem negativo em positivo. Portanto, ao escolher as rodas do carro, é importante considerar que a eventual a variação do offset também irá variar o raio de rolagem, alterando o comportamento do carro nas mudanças de direção.

Como vimos, na maioria dos carros modernos o raio de rolagem é negativo (infelizmente isso não é um dado divulgado pelas fabricantes), mas para fazer sua medição exata é preciso acessar a parte de baixo do carro em um fosso ou elevador de plataforma (no qual o carro fica apoiado sobre a suspensão), encontrar o ângulo do pino mestre da suspensão e fazer sua projeção em direção ao solo para verificar em que ponto da banda de rodagem se encontra esta linha imaginária.