Acho que esse parágrafo inicia uma série bem interessante aqui do papo. Vamos falar de sobrealimentação. Turbos, nitro e superchargers serão abordados nessa série de quatro posts. Vamos começar com os conceitos básicos, posteriormente abordaremos os intermediários e avançados. Tudo para ajudar a você gearhead na escolha do meio para deixar seu carro mais potente.
O que é sobrealimentação?
A sobrealimentação consiste em qualquer meio que aumente a quantidade de oxigênio admitido pelo cilindro. O ar atmosférico no nível do mar possui 23,14% de oxigênio em massa. Se a densidade do ar aumenta, teremos uma maior massa para o mesmo volume. Enquanto não conseguirmos fugir das leis da física, teremos somente dois caminhos para aumentar a densidade do ar. Reduzir a temperatura ou aumentar a pressão.
Mas a coisa não é tão simples. Para reduzir a temperatura de admissão de forma que os ganhos sejam significativos é necessário um equipamento de grande porte e isso quer dizer muita massa e custo. Além disso, há um limite de temperatura para a vaporização do combustível. Pois temperaturas muito baixas não permitem uma boa vaporização e consequente homogeneidade da mistura. É isso que acontece com seu carro nas manhãs frias de inverno. Difícil de partir, engasgando ao andar até que o motor (e consequentemente o ar admitido) alcance a temperatura de operação.
Sendo assim o caminho viável é o aumento da pressão. É aí onde se encaixam os compressores. Eles comprimem o ar que está sendo admitido e o enviam para os cilindros com maior densidade, permitindo que mais combustível seja injetado e mais potência seja gerada. Os projetos de compressores são baseados em somente dois princípios:
- Compressão volumétrica: o aumento de pressão ocorre pela redução de volume do gás.
- Compressão dinâmica: a compressão acontece a partir da mudança de velocidade do gás.
Com isso os compressores dividem-se em duas famílias, como mostra o fluxograma acima. Os tipos mais utilizados pela indústria automotiva estão destacados.
A mágica
Vamos entender como cada um deles faz a sua mágica. E com uma explicação melhor que a do nosso amigo britânico…
Os compressores de lóbulos (roots) não geram um aumento de pressão dentro da sua carcaça. Ela acontece porque o compressor desloca mais ar do que o motor consegue admitir. Então a compressão acontece após a descarga, no coletor de admissão. Esse compressor foi criado originalmente como um soprador industrial pelos irmãos Roots. Daí seu nome. Por suas características construtivas (folgas entre fusos, carcaça etc), estes não geram razões de compressão mais elevadas.
Os compressores de parafuso (Lysholm) são parecidos com os de lóbulos. Porém estes comprimem o ar entre os seus fusos, devido à redução de área durante o deslocamento. Assim eles conseguem gerar pressões mais altas e são mais eficientes, termicamente falando, que os roots. A resposta desse tipo de compressor é mais linear, isso o coloca como escolha principal quando se quer um maior desempenho. Carros como Mustang Shelby GT500 e C32 AMG optaram por esse tipo de compressor.
Compressores centrífugos (também chamados de radiais) utilizam a aceleração centrífuga para aumentar a velocidade do gás. Ao sair do rotor e passar pelo difusor o gás perde energia cinética, e a velocidade transforma-se em pressão. Então quanto maior a velocidade do rotor maior será a pressão de saída do gás. A transferência de energia contínua e principalmente rápida torna esse tipo de compressor termicamente mais eficiente que outros tipos.
A eficiência
Não sei se vocês perceberam, mas nos três últimos parágrafos a eficiência foi citada em relação a cada um dos compressores. Estamos falando da eficiência adiabática (ou térmica). Ela mede a quantidade de trabalho convertido em calor, portanto não é aproveitado para a finalidade do compressor. De forma mais simples e direta. Quanto mais quente for à massa de ar que sai do compressor, em relação à temperatura de entrada, menos eficiente este compressor é. Pois mais energia é desperdiçada em forma de calor. Um compressor ideal apresenta o valor de eficiência 1, quanto mais longe desse valor menos eficiente é o compressor. Esse parâmetro além de mostrar a energia desperdiçada, lhe dá a base para estimar a temperatura de descarga do compressor. E com ela podemos dimensionar se é necessário o uso de um resfriador e quais as dimensões dele.
Acima temos o exemplo de um mapa de eficiência para um compressor centrífugo. Tendo em mãos os valores de vazão e pressão. Podemos determinar a eficiência, velocidade e risco de surge para cada situação. Sobre os detalhes do mapa, parâmetros e macetes, nós conversaremos no próximo post.
Além da eficiência térmica, temos também a volumétrica. Que determina a quantidade de gás realmente deslocado em relação à ideal. Este é um parâmetro secundário, que depende das folgas entre rotores e carcaça, bem como da velocidade de trabalho do compressor.
A química
Além de tudo que vimos acima sobre o aumento de pressão, há outro meio para sobrealimentar um motor. A sobrealimentação química. Esta nada mais é que a adição de um agente oxidante à mistura permitindo assim que mais combustível seja injetado. A forma mais conhecida dessa artimanha é a injeção de Óxido Nitroso (N₂O) na corrente de admissão. O gás do riso quando aquecido a aproximadamente 300°C sofre a dissociação de suas moléculas e libera o oxigênio que representa 36% da massa do gás. Então durante a compressão a quantidade de oxigênio disponível na câmara aumenta e somada ao combustível extra injetado, o pistão é capaz de gerar uma maior força.
Além dos ganhos químicos a injeção de N₂O gera uma consequência física que potencializa ainda mais os ganhos. Como o gás está liquefeito sob pressão dentro de uma garrafa, ao sair do difusor e encontrar uma pressão ambiente muito mais baixa, ele muda de estado e sofre uma queda drástica de temperatura. Então todo o fluxo admitido também sofre resfriamento, aumentando assim a sua densidade. E como vimos, a densidade é peça chave para o ganho de potência.
Outro “aditivo” usado para gerar mais cavalos no mundo automotivo, principalmente nas arrancadas e provas de velocidade, é o Nitrometano (CH₃NO₂). Segundo a química orgânica (e você achando que as aulas chatas do ensino médio não serviam pra nada) ele é uma função nitrogenada, mais especificamente um nitrocomposto. E o que isso tem de mais? Bom, vejam só… A nitroglicerina e o trinitrotolueno (TNT) são parte desse grupo, e isso o muito bem o que tem de mais.
Todos esses compostos possuem oxigênio na sua cadeia, ou seja, precisam de muito menos auxílio externo para realizar a queima completa. O nitrometano por exemplo precisa de 1,7 partes de oxigênio, enquanto a gasolina precisa de 14,6. Trocando em miúdos, com mais oxigênio presente na câmara mais combustível pode ser injetado. Isso é tão importante, que o nitrometano já foi utilizado como combustível para foguetes juntamente com outros elementos que eu não vou citar, pelo risco gigantesco que essa mistura representa.
Aliás, vou citar uma coisinha aqui “If the ground is shaking; and the flames are green…”
O que nos espera
O que vimos aqui é o básico, simplesinho mesmo, da sobrealimentação. Nos próximos trataremos de cada compressor em específico, dos nitros e de um bônus sobre intercoolers e resfriamento da corrente de admissão. Falando sobre características de construção, mapas, montagem e outras coisas mais.
Até a próxima!