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Velozes e Furiosos 8: o “truque” do turbo de Toretto e da corrida em marcha à ré a 160 km/h

Aproveitou o feriado para assistir a “Velozes e Furiosos 8”? A gente também – por mais que a franquia tenha deixado de ser sobre carros e agora seja uma série de filmes de ação e explosão com carros (os números confirmam tudo, pode conferir), já nos conformamos com isto. Além disso, de qualquer forma, todo novo V&F tem ao menos uma corrida, só para não se desligar totalmente das raízes – serve como prêmio de consolação para o gearheads e também para justificar o nome da franquia.

E é sobre a corrida de “Velozes e Furiosos 8” que vamos falar agora. Na verdade, mais especificamente, sobre o carro que Dom Toretto usa na cena da corrida em Cuba. É uma cena curiosa, pois Dom costuma ficar com o melhor carro em toda corrida – é só lembrar do seu Dodge Charger preto, do Plymouth Superbird em “Velozes e Furiosos 6” ou mesmo do Plymouth Road Runner no fim de “Velozes e Furiosos 3: Desafio em Tóquio” –, mas desta vez foi obrigado a ficar com o pior carro do rolê: um Chevrolet Fleetline 1950 depenado que pertence a seu primo cubano. Não vamos dar muitos detalhes da corrida em si (afinal, o filme acabou de sair e não queremos estragar a festa de ninguém com spoilers), mas a parte que nos interessa agora já apareceu nos teasers.

cuba

Dom precisa usar o Fleetline na corrida porque, ao ser desafiado, diz que é o piloto quem faz a diferença na corrida, e não o carro. A corrida vale as chaves dos carros – caso vença, Toretto ficará com o carro de seu rival, e seu plano é dá-lo de presente ao primo — que estava prestes a perder seu Chevy devido a uma dívida com o oponente. É claro que não será fácil. Primeiro, quando um dos comparsas de Fernando joga uma moto contra o Fleetline, a colisão danifica o motor e o carro começa a perder potência.

Dom, então, arranca a mangueira da válvula wastegate do turbo, ocasionando um enorme pico de potência. Mas por que isto ocorre?

Para responder a esta pergunta, é preciso explicar um pouco sobre a função da wastegate e, por extensão, do próprio turbocompressor. Como você deve saber, não há uma conexão mecânica entre o turbo e o motor do carro. O caracol está ali para aproveitar parte dos gases do sistema de escape para pressurizar o ar que é admitido pelo motor, que consequentemente, gera mais potência. Isto acontece quando as pás da turbina (a parte quente) saem da inércia com a pressão dos gases do escapamento, adquirindo velocidade. Com isto, o compressor (a parte fria) pressuriza o ar que será admitido pelo motor.

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Foto: Entenda seu Carro

Dito isto, as turbinas atuais giram a até 250.000 rpm. Como é que a pressão dentro delas se mantém estável, sem crescer de forma exponencial? Graças à válvula wastegate. Até certo ponto, a válvula se mantém fechada para que o sistema acumule pressão. Então, ela começa a se abrir, reduzindo a pressão do escape na parte que impulsiona a turbina. Desse modo, a pressão se mantém estável: sem ela, toda a pressão do sistema de escape alimentaria a turbina. E, quanto mais pressão, mais ar comprimido é admitido pelo motor, gerando mais potência e ainda mais pressão no escape no fim do ciclo. Tudo isto a uma velocidade impressionante – na prática, o motor viraria uma bomba relógio.

É exatamente isto que Letty diz a Dom quando ele prepara o esquema para travar a válvula na posição fechada. Dom diz que sabe que transformou o motor em uma bomba, mas “ele só precisa correr por uma milha”…

As wastegates modernas são ativadas eletronicamente. Com elas, é possível controlar a sua abertura em qualquer momento de trabalho do motor, possibilitando maior controle do sistema. Antigamente elas eram pneumáticas, como no Chevy Fleetline usado por Dom.

Quando Dom puxa a mangueira que pressuriza a wastegate (a chamada linha de pressão), a mesma fica travada na posição fechada. Consequentemente, não há alívio da pressão no turbo, e o sistema todo fica sobrecarregado quase no mesmo instante: o pico enorme de pressão aumenta a temperatura de tudo, especialmente do escape e dos pistões (pois a mistura ficaria magérrima, com muito mais ar do que combustível) e uma grande sobrecarga nas bielas, mancais e demais componentes internos do motor. O que acontece a partir daí? O motor pode explodir por excesso de pressão – e aí, quem vai para o espaço são as bielas ou os mancais do virabrequim, que podem até rasgar o bloco – ou, nos motores mais robustos, por excesso de temperatura nos pistões por caus do desequilíbrio na mistura: o motor funde.

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Não é à toa que o escape do V8 começa a ficar vermelho e a pegar fogo — uma liberalidade artística, pois no mundo real o motor simplesmente explodiria. Com o calor, o para-brisa do carro estoura e o calor começa a ficar insuportável dentro da cabine. Para evitar que as chamas entrem pela abertura onde estava o vidro dianteiro, Dom vira o carro em 180° e engata a marcha à ré… e continua acelerando, como se nada tivesse acontecido.

vermelho

Esta é a segunda parte da charada. Como o carro consegue andar para trás tão rápido? “Magia de Hollywood”, talvez seja a primeira resposta que vem à mente. No entanto, parece que o carro foi mesmo feito para ser capaz disto. Quem explica é Dennis McCarthy, o cara por trás da Vehicle Effects. A empresa, que fica em Hollywood, na Califórnia, é a responsável pelos carros de “Velozes e Furiosos” desde o início, e até hoje mantém em seu acervo alguns dos automóveis usados nos filmes anteriores.

Se quiser pular direto para a explicação, avance para a marca dos 3:00

McCarthy conta que, para começar, foram feitos uns dez exemplares do carro usado por Dom na corrida, e que a filmagem da mesma levou vários dias. O carro usado na cena em que Dom anda de ré tem chassi feito sob medida, um motor V8 Chevrolet small block 350 de 400 cv, e o câmbio de um trator antigo, com quatro marchas para a frente e quatro marchas para trás. McCarthy diz que não é incomum que se faça este tipo de “cirurgia” em Cuba, onde componentes automotivos são escassos, e com um câmbio robusto como o de um trator e com mais marchas à ré, andar para trás a mais de 160 km/h é ao menos “plausível”. Ele admite, porém, que há efeitos especiais na cena.

Para nós, de plausível a possível há uma boa distância. O câmbio das máquinas agrícolas tem escalonamento bastante próximo (até porque são veículo lentos, que priorizam o torque em baixa rotação) tanto para a frente quanto para trás, e provavelmente não seriam suficientes para andar de ré tão rápido.

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Além disso, há outra questão: com o carro andando de ré, as rodas dianteiras “se tornam” as rodas traseiras e, na prática, o carro passa a esterçar com as rodas “de trás”. Se você já dirigiu um carro de ré a 30 ou 40 km/h, deve ter percebido como é mais difícil controlá-lo – a todo momento parece que a dianteira quer voltar a sua posição normal.

Isto acontece porque o cáster da suspensão dianteira tem a função do torque auto-alinhante – aquela força que faz as rodas dianteiras se centralizarem com a velocidade do carro. Com o carro de ré, esse efeito fica ao contrário: os pneus dianteiros (que agora são traseiros) não voltam ao centro, então o carro fica totalmente “bobo” andando de ré. Além disso, o carro passa a esterçar só com as rodas “de trás”. É literalmente comportamento sobre-esterçante na própria reta, ou seja, a traseira fica o tempo todo querendo passar a dianteira por guinada.

A gente até compreende que McCarthy tenha realizado todas as modificações no Chevrolet Fleetline mas, no fim das contas, boa parte da ação foi possível com a ajuda de efeitos especiais. Isto inclui, claro, a cena da wastegate – o turbo não tem miolo e sequer está instalado de verdade: o motor é naturalmente aspirado, e o conjunto do turbocompressor foi reaproveitado como parte do sistema de admissão. McCarthy diz que, caso o sistema fosse de verdade, uma turbina daquele tamanho sem a wastegate teria uma pressão adicional variando entre 0,4 e 0,7 bar.

Sugestão do leitor Túlio Dourado